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29 dezembro 2011

Imagem rara: memória e história

A foto é do antigo cinema Caruso Copacabana, inaugurado em 15 de fevereiro de 1954 e fechado em 01 de janeiro de 1984. Ficava situado à Av. Nossa Senhora de Copacabana, 1362, Copacabana, Rio de Janeiro, onde hoje funciona uma agência bancária. Com instalações de luxo, tinha 867 lugares e foi o primeiro cinema planejado para o clima tropical: não apresentava os tradicionais tapetes e pesadas cortinas, evitando acúmulo de poeira e o excessivo aquecimento do ambiente, além de possuir um sistema de excelente ar condicionado.(Tommy Beresford)

28 dezembro 2011

2 ou 3 coisas sobre "Samba Riachão"

Quinta-feira, dia 29 de dezembro, já no ocaso de 2011, a Televisão Educativa da Bahia exibe, às 22 horas e 30 minutos, o premiado documentário Samba Riachão, de Jorge Alfredo, que, há dez anos, ganhou o prêmio principal do Festival de Brasília, ex-aequeo com Lavoura Arcaica. Jorge escreveu um texto sobre o filme que publico abaixo:


por Jorge Alfredo
Não é por acaso que a minha estréia no cinema foi um documentário sobre o samba da Bahia. A MPB e o cinema marcaram demais a minha formação cultural. Sempre tive a impressão de que muito do que aconteceu comigo foi motivado pelas músicas e filmes que insistiam em permanecerem vivos dentro da minha cabeça. No cinema, quando as luzes se apagam eu saio da real e embarco numa viagem, onde o ritmo da montagem e a intencionalidade da fotografia trazem um significado a mais para cada ação, para cada sentimento. Ouvindo música sempre vejo imagens, personagens, é sempre a mesma sensação de sair do corpo e conviver com novas fantasias. E foi assim que imaginei um dia mostrar um pouco das histórias maravilhosas que ouvi contar e outras que cheguei a presenciar. Levar um pouco da MPB para a tela grande é uma coisa que já estava escrita. Influências e misturas. Sincretismo e pluralidade. O passado afirma e o presente confirma; o samba surgiu de misturas e continua sendo o resultado de uma constante miscigenação étnico-cultural que se manifesta numa multiplicidade rítmica estonteante.
Desde menino, já respirava cinema e já havia cometido meus pecados pilotando uma câmara super 8 lá pelos anos 70. O samba, esse gênero “inculto”, sempre esteve no cerne  de tudo que aconteceu na música popular brasileira do século XX. Nasceu urbano e moderno junto com o rádio, e se transformou em cultura de massa, influenciando e sendo influenciado. Apesar de João Gilberto praticamente só gravar sambas, não se costuma falar assim: o sambista João Gilberto.  (ah, como João ia adorar isso!) Nem Caymmi, nem tão pouco Caetano Veloso, Gilberto Gil, Tom Zé, Os Novos Baianos, Carlinhos Brown são considerados sambistas. Na Bahia, quando se fala em samba se pensa logo em Batatinha, Panela ou Riachão. O filme Samba Riachão fala disso. As permanentes transformações, o link entre tradição e modernidade, entre tecnologia e folclore. Os encontros musicais, situações únicas produtoras de novos sentidos. O filme surgiu disso aí; de um desejo de não querer simplesmente juntar as peças de um imenso quebra cabeça, mas de jogar um lance de dados sobre a mesa. Falar de samba é falar da formação do Brasil. Ouvir os grandes mestres baianos foi um aprendizado e tanto! Riachão e o samba; não há como dissociar uma coisa da outra. Riachão é um clown. Esse lado performer dele é a sua marca registrada. Ele vive isso por inteiro. O seu canto a capela, do qual muito me utilizo no filme, intercalado por histórias hilárias, cheias de picardia, trejeitos e sabedoria, fazem dele o samba em pessoa. Quer dizer, eu utilizo a trajetória pessoal de Riachão para contar, em paralelo, na voz de gente muito especial, a história do samba da Bahia. Eu quis falar para o mundo, na voz de gente  bamba, o ritmo e a alma de um povo de um lugar chamado Brasil. Usei a Bahia como base de tudo, mas não me deixei levar por um sentimento barrista.

Cine Azteca: monumento de um tempo perdido

Embora nascido no Rio de Janeiro (Rua Maria Amália, na Tijuca, perto da fábrica da Brahma que era toda pintada de vermelho), passei a maior parte de minha vida em Salvador. A partir da adolescência, pelo fato de ter parentes no Rio, ia passar um mês por ano (o das férias de julho) nesta cidade. Ia, como de hábito, muito aos cinemas cariocas e, naquela época, havia uma tremenda vantagem: os filmes que eram lançados no Rio levavam um ano para que fossem colocados no mercado exibidor soteropolitano. Assim, quando retornava a Salvador, tinha visto muitos filmes que meus amigos tinham apenas conhecimento de ouvir falar. Se hoje, os lançamentos ocorrem simultaneamente nas capitais brasileiras com centenas de cópias, em tempos idos a coisa era diferente, muito diferente. 

Dos cinemas cariocas, havia um que achava esquisito e, confesso, adolescente que era, tinha até medo de entrar: o Cinema Azteka, que ficava na rua do Catete bem perto do Largo do Machado. A fotografia, quem ma enviou, foi Jonga Olivieri, que, procurando agulha no palheiro, achou-a. Cada sala exibidora possuía sua atmosfera particular, sua arquitetura própria, ofertando, com isso, com um estilo marcante, um clima, uma ambiência para se ver um filme. Tanto é que, vista uma fita num cinema, esta era sempre associada à sala exibidora: "Vi A cidade dos Robinsons no Azteka!", por exemplo.

Inesquecível o cine São Luiz no Largo do Marchado, o Palácio, no Passeio Público, o Roxy, em Copacabana, o Alvorada (cinema de arte em Ipanema), o Pax, os diversos Art Palácios (sempre com problemas de projeção), o saudoso Metro de Copacabana, o Odeon, o Pathé, o Victória, o Cinema 1, o Cinema 2, os Brunis (Flamengo, Botafogo...), o Capri, entre tantos outros que a memória pode falhar e acabe por cometer omissões imperdoáveis.

25 dezembro 2011

Os melhores filmes de 2011


1.) TETRO (Tetro), de Francis Ford Coppola. Expiação de seus tormentos familiares, de suas relações pretéritas com a sua família, obra de soberba autoral com resultado mais que perfeito. Rapaz ingênuo, ainda adolescente, chega a Buenos Aires para encontrar o irmão mais velho, que abandonou os familiares e vive com outro nome. Coppola, realizador notável, amplia, aqui, a sua dimensão como artista em filme de reflexão. O melhor do ano, de longe e, nem de perto, pode-se compará-lo aos outros.
2.) CÓPIA FIEL (Copie conforme), de Abbas Kiarostami. Este realizador iraniano, desta vez em produção fora de seu país, filmada na belíssima Toscana, através do relacionamento de um casal (Juliette Binoche e o cantor lírico inglês William Shimelli) provoca um jogo de ambiguidades, de verdades e mentiras, um discurso amoroso sobre a autenticidade e a mentira com uma pessoal maneira de filmar os seres e as coisas. E, com isso, confirma que é um realizador acima da média e o filme um dos mais curiosos do ano.
3.) HOMENS E DEUSES (Des hommes et des dieux). Detentor do prêmio especial do júri no Festival de Cannes deste ano, Des hommes et des dieux, de Xavier Beauvois, é inspirado em fatos ocorridos na Argélia em 1996, quando monges católicos são sitiados em seu mosteiro por fundamentalistas islâmicos. Beauvois traça com rigor o perfil de cada monge e sustenta, com vigor, a tensão da crônica de uma morte anunciada. Momento sublime: quando os monges ouvem o Lago dos cisnes de Tchaikovsky.
4.) O MÁGICO (L'illusionniste), de Sylvain Chomet. Delicadeza e sensibilidade na abordagem da decadência de um ilusionista cujo desenvolvimento narrativo, em sua maior parte, é feita pela visualidade em detrimento dos diálogos. Baseado num roteiro inacabado de Jacques Tati, a diretora Chomet, premiada em As biciletas de Belleville, confirma, aqui, o seu talento e a sua predisposição poética de ver e olhar o mundo. E bate na tecla de uma constante temática de Tati: o embate entre a tradição e a modernidade (vista com tanta arte e inventiva em Meu tio/Mon oncle, 1958.
5.) ALÉM DA VIDA (Hereafter), de Clint Eastwood. Este conceituado diretor, que dá continuidade à tradição do grande cinema americano, não realizou em Hereafter, como muitos pensaram, um filme espírita, mas se valeu de uma abordagem sobrenatural como um recurso de sua fabulação para falar de sentimentos, culpa, e a capacidade de superação dos traumas. O filme acompanha três personagens: Matt Damon, que tenta deixar para trás uma promissora carreira de médium; em Londres, um menino sofre com a trágica morte do irmão gêmeo; e, em Paris, a jornalista Cécile De France vê sua vida mudar radicalmente após sobreviver ao tsunami de 2004. Os três personagens acabam por se encontrar e estabelecem ligações. Obra bela e envolvente.
6.) AS PRAIAS DE AGNÈS (Les plages d'Agnès).Documentário memorialístico, Les plages d'Agnès utiliza, na sua estrutura narrativa, materiais de origens diversas: fotografias, fragmentos de filmes, entrevistas, pequenas encenações. Por meio desse sensível documentário, Agnès Varda realiza uma espécie de autobiografia, recorda momentos, instantes de felicidade: sua meninice, seus passeios pela Bélgica, nos tempos de criança e, quando chega adulta a Paris, a descoberta e o assombro pela possibilidade criadora através das imagens em movimento. Apesar de realizado em 2009, somente no ano em curso foi lançado em Salvador.
7.) MEIA-NOITE EM PARIS (Midnight in Paris), de Woody Allen. Consagrado autor do cinema contemporâneo dotado de estilo próprio e constantes temáticas, Allen entra no túnel do tempo para refletir sobre as ilusões que temos sobre a existência. Paris sempre fascinou cineastas, escritores, e artistas em geral.Midnight in Paris, sobre ser um canto à sua beleza, é um filme que nos permite pensar acerca do tempo como fator existencial e que determina as circunstâncias do aqui e do agora. Um momento, entre outros, antológico: quando o personagem fala a Buñuel sobre O anjo exterminador e o aragonês acha o argumento confuso.
8.) MELANCOLIA (Melancholia), de Lars Von Triers. A melancolia deste rebelde cineasta dinamarquês da terra de Carl Theodor Dreyer é uma melancolia que reflete sobre o mal estar da civilização. O cinema de Von Tries é um cinema agressivo e de imagens fortes, mas sempre com o condão de nos levar à reflexão. Nele, não há piedade na exposição das fraturas expostas da civilização. Enquanto um planeta chamado Melancolia está prestes a colidir com a Terra, uma mulher se prepara para a sua festa suntuosa de casamento. Interpretações notáveis de Kirsten Dunst e Charlotte Gainsbourg.
9.) O DISCURSO DO REI (The king's speech), de Tom Hopper. Com a abdicação de seu irmão, George assume o poder real na Inglaterra como George VII.O filme é um duelo interpretativo entre Colin Firth e seu instrutor Geoffrey Rush para que este consiga curar a gagueira crônica do aspirante ao trono. Criticado por uma estrutura narrativa convencional, The king's speech justamente por isso consegue um equilíbrio perfeito entre os seus diversos elementos de composição: a excelência interpretativa, a cenografia apurada, um ritmo envolvente e um espetáculo grandioso.
10.) A PELE QUE HABITO (La piel que habito), de Pedro Almodóvar. A ação se passa no ano de 2012, e assinala a volta de Antonio Banderas aos filmes do cineasta, como o bem-sucedido cirurgião plástico Richard Legrand que, após a trágica morte de sua esposa (que tem seu corpo completamente incinerado em um acidente), parte em busca de uma "pele perfeita", que poderia tê-la salvado. Sem limites em sua insaciável busca, Richard é capaz de tudo para tentar reescrever a história e evitar o inevitável. O cinema de Almodóvar é uma mescla de gêneros e aqui, assumindo o thriller, faz um trabalho primoroso como cinema e a obsessão pelo cinema. Influência notória de Os olhos sem rosto (Les yeux sans visage, 1960), de Georges Franju.
Publicado originariamente na revista eletrônica Terra Magazine.