Seguidores

21 outubro 2010

Onde homens e um segrêdo

11 homens e um segredo (Ocean's eleven, 1960), do mitológico Lewis Millestone (Sem novidades no front), é um filme de assalto no melhor estilo daqueles tão peculiares aos fins dos anos 50, antes que a infantilização temática e os efeitos especiais conduzissem o cinema americano à produção das mixórdias atuais plenas de avatares e outras mumunhas esquizóides. A turma de Frank Sinatra comparece toda: Dean Martin, Peter Lawford, Sammy Davies Jr, entre outros. O remake de Steven Sodergergh não lhe chega aos pés, verdade seja dita.


20 outubro 2010

Voltando aos bons tempos

Inaugurado em 1917, na Praça Castro Alves, a praça do Poeta, é um cinema acanhado, embora confortável e frequentado pela elite baiana. Nos anos 50, sofre reforma infraestrutural para se adaptar ao novo formato que então surge, o CinemaScope, implantando também o som estereofônico. A Fox, a temer a concorrência televisiva, decide colocar no mercado o CinemaScope, e o filme de estréia, neste processo anamórfico – tela retangular e muita larga – é O manto sagrado (The robe, 1953), de Henry Koster. Os baianos podem vê-lo, em meados do decurso dos 50, no Guarany, em noite de gala, e ficam surpresos quando Richard Burton, um de seus atores principais, ao andar do lado esquerdo para o lado direito do enquadramento, tem sua voz também a acompanhá-lo. É a novidade do stéreo que espanta àqueles acostumados à uniformidade do mono. Há um livro sobre a reforma do cinema Guarany, editado pela Construtora Norberto Odebrecht, que, esgotado, desaparece, nunca conseguindo sequer vê-lo de longe. É no Guarany também que se dá a estréia de Redenção, em 1959, de Roberto Pires, o primeiro longa metragem do cinema baiano, cuja lente, anamórfica, inventada pelo próprio diretor.

Ao contrário das salas atuais, todas iguais, os cinemas do pretérito possuem estilo, cada um com um toque diferente, uma decoração especial, e o Guarany, neste particular, é, para mim, o mais atmosférico. Antigamente, o espaço, frente a esta sala exibidora, chamava-se Largo do Teatro, porque o Guarany também tem um proscênio no qual se encenavam peças aclamadas muitas vezes oriundas do eixo Rio-São Paulo. Assim, a atmosfera do cinema começa na sua entrada, com o cheiro de seu ar condicionado. A sala de espera, um recanto para se ficar vendo os cartazes e as fotos dos filmes que vão a seguir e que em breve estão em cartaz. Além de sua sofisticada bombonière – é desse modo que todos se referiam àquele pequeno espaço onde se vendem dropes, chicletes, chocolates, com todos arrumados em filas indianas ou, mesmo, militarmente ordenados.

A sala de projeção se divide entre a platéia – lugar mais privilegiado – e um balcão, cujo acesso se faz por duas escadas laterais. Na primeira, antes do palco, um espaço para orquestra. E, de hábito naqueles bons tempos, que não voltam mais, quando o filme começa, antes que as cortinas fossem abertas, luzes coloridas se revezam enquanto se ouve um trecho de O Guarany, de Carlos Gomes. É o sinal de que a função iria se iniciar. Antes, no entanto, enquanto se espera a sessão, o gongo anunciador, a partitura musical do filme a ser apresentado é dada aos ouvidos dos presentes para uma melhor familiarização, um esquentamento, por assim dizer. Fica-se, então, a olhar os índios em fila da parede do lado direito pintados por Carybé, assim como os peixinhos enfileirados do lado esquerdo. Há, portanto, uma atmosfera especial, e o cinema estabelece-se, à maneira do teatro, como uma função.A partir da introdução do Cinemascope todos os outros cinemas têm que se adaptar ao novo formato, mas o CinemaScope do Guarany é especial, pois o mais espetacular da província da Bahia. Nos cinemas atuais não existe mais esta atmosfera, esta preparação, este, se quiser, esquentamento, pois a tela, sem cortina, recebe o filme de repente, jogado de supetão sem nenhum aviso prévio. Mas os tempos são outros. Antes, as imagens em movimento estam confinadas apenas nas salas escuras dos cinemas, enquanto, hoje, estas podem ser vistas nos mais variados suportes. Já se chegou ao requinte de baixar filmes pela internet com uma bem razoável definição de imagem.Walter da Silveira, em meados dos anos 60, instala o seu Clube de Cinema da Bahia no Guarany, com as sessões realizadas aos sábados pela manhã, às 10 horas. É, portanto, nesta sala, que comecei a minha formação cinematográfica, acostumado à programação do circuito cuja característica principal está no cinema de gênero americano – os westerns, os musicais, as comédias românticas, os thrillers, etc. Vim a conhecer o cinema como expressão de uma arte, o cinema de autor, vendo filmes como Hirsohima, mon amour, de Alain Resnais, Guerra e humanidade, de Masaki Kobayashi, O eclipse, de Antonioni,Morangos silvestres, de Ingmar Bergman, entre muitos e muitos outros.

De propriedade do Estado da Bahia, o Guarany é arrendado a Condor, cuja distribuição fica a cargo de Aluísio Ribeiro e a gerência administrativa, Francisco Pithon. Pressentindo a crise pela qual passava o cinema como espetáculo – superada com o toque de Mídias de George Lucas e a suas guerras nas estrelas e a descoberta do filão infanto-juvenil, quando se dá a infantilização temática que continua a infestar até hoje os produtos audiovisuais da indústria cultural hollywoodiana, a Condor resolve sair do mercado exibidor, em 1975, e transferir o arrendamento de suas salas à CIC (Cinema International Corporation) que, anos mais tarde, vem a se chamar UPI (United International Pictures). A passagem do Guarany às mãos multinacionais da CIC é motivo de protesto da associação que congrega os cineastas baianos, a qual emite uma nota furiosa, denunciando que o governo está a entregar um imóvel de seu patrimônio a uma multinacional contrária aos interesses do cinema brasileiro. Se na há engano no andamento de minha memória, assino tal protesto – é durante a administração da Embrafilme que o Guarany se tornoa Glauber Rocha, quando da morte deste que é o maior cineasta brasileiro de todos os tempos. ACM, então governador da Bahia, no dia seguinte ao falecimento do realizador de Terra em transe, assina ato determinando a mudança de seu nome.

Com a decadência galopante do centro histórico da cidade, e a abertura das avenidas de vale e, principalmente, a construção dos shoppings centers, os cinemas do centro entram em decadência. A CIC não se interessa em renovar o contrato. Existe, nesta época, 1980, toda poderosa, a Embrafilme (Empresa Brasileira de Filmes S/A), que, com sucursal bem montada em Salvador, assina contrato com o Estado para entrar no mercado exibidor. Iniciativa pioneira em todo o Brasil, porque a Embrafilme se restringe à produção e distribuição de filmes brasileiros. Neste período, em 1982, uma Jornada foi toda concentrada nesse cinema, com grande êxito, aliás. O Guarany passa a ser administrado por esta empresa e vem daí, talvez, sua decadência. Luis Carlos Barreto praticamente mandava na programação do cinema, determinando que filmes produzidos por sua empresa ficassem semanas e semanas em cartaz, mesmo que vistos por moscas. O Guarany de meus tempos tem perdida, paulatinamente, a sua aura.

Em 1985, mais ou menos, a Embrafilme, cansada de tanto insucesso, entrega o cinema ao Estado e este, novamente, resolve fazer uma licitação para arrendá-lo. A Art ganha, mas, pelo menos, era uma companhia brasileira importadora de filme e também exibidora. Mas desfigura o projeto original com uma reforma oportunista. Não diria que é a Art quem leva o Guarany à sepultura, mas é na gerência desta empresa que o Guarany fecha suas portas.E a lembrança do Guarany leva, necessariamente, à lembrança do Bar e Restaurante Cacique, lugar ideal para uma cerveja gelada a las cinco de la tarde, após uma matinée.

Clique na imagem para ver a majestade do cinemascope. A foto é de O manto sagrado.

17 outubro 2010

A força de um gênio do cinema


A chegada nas melhores locadoras de DVDs de Ervas daninhas (Les herbes folles), que foi considerado pela crítica brasileira o melhor filme do ano passado, é um acontecimento, considerando que sua estréia, principalmente em Salvador, foi rápida demais e se deu no fim do ano, época atropelada pelo Natal e Ano Novo. É um filme obrigatório, que não pode deixar de ser visto por todos aqueles que se consideram cinéfilos e amantes do verdadeiro cinema. Abaixo algumas palavras sobre Resnais, que considero o maior cinema vivo.

Alain Resnais é um inventor de fórmulas, um realizador que se poderia chamar de "sui generis". Antes de fazer longas metragens, realizou preciosos documentários, como "Toda a memória do mundo" ("Toute la memoire du monde"), "Nuit et brouillard", "Van Gogh", entre outros. Neste último, o uso do travelling e do zoom proporcionam uma verdadeira análise perfuratriz da obra desse gênio pictórico, revelando não somente a arte do mestre, mas, também, a arte de usar o veículo cinematográfico com uma função didática e artística exemplar. Resnais em "Van Gogh" reinventa o documentário, assim como em "Nuit et brouillard", obra-prima sobre os campos de concentração nazistas. Realizador dotado de um rigor formal fora do comum, Alain Resnais viria a deixar o mundo estupefato quando, em 1959, projeta "Hiroshima, mon amour", conjugando a imagem e o som num filme recitativo que "rompe" com o círculo vicioso da dramaturgia acadêmica para situar a sua estrutura narrativa não mais sobre um crescendo dramático, mas em torno de idéias e situações. Se "Hiroshima, mon amour" se constituiu num autêntico choque estético, este seria retomado com mais força e potência dois anos depois em "O ano passado em Marienbad", quando Resnais incursiona pelos arcanos da memória de um homem que, num balneário, fica em dúvida se esteve, ou não, com uma linda mulher, no ano anterior.

Não pretendo fazer aqui um inventário filmográfico desse surpreendente autor - mesmo porque o espaço não mo permitiria. Mas necessário dizer que Alain Resnais tem um "touch" genial a cada filme, sempre procurando inovar na sua "mise-en-scène", sem, contudo, procurar o novo pelo novo, sempre lúcido e coerente, investigador da natureza do cinema e de suas possibilidades expressivas. Assim, em "Meu tio da América" (1980) realizou o que se poderia denominar de filme-ensaio, de filme-demonstração, que, creio, tem uma originalidade absoluta no que se fez no cinema ate então, excetuando-se, talvez, a narrativa fragmentária e ensaística de "Duas ou três coisas que eu sei dela", de Jean-Luc Godard nos anos 60. O filme de Resnais, porém, segue outra rota, outro caminho, outra seara.

Em "Amores parisienses", o autor de "Hiroshima, mon amour" faz inserir o cancioneiro tradicional francês (Aznavour, Piaf, Montand...) numa fábula simples e encantadora. Uma guia de turismo, Camille (Agnes Jaoui, que já esteve em Salvador, além de atriz , é, também, diretora), que trabalha enquanto conclui uma tese de doutoramento sobre objeto insólito, se apaixona por um corretor de imóveis (Jean Pierre Bacri) que, na verdade, deseja somente vender um apartamento à irmã dela (Sabine Azéma, intérprete da predileção do autor), que, por sua vez, vive o cansaço de um matrimônio percorrido pelos anos. Mas um senhor de mais idade (André Dussolier), que a acompanha nos trajetos, está também loucamente apaixonado. Enquanto isso, um motorista particular vive problemas domésticos. Os personagens se interligam, as situações se confundem. No desenvolvimento da fábula, de repente, os atores começam a cantar canções típicas para a expressão de seus sentimentos momentâneos.

Captação dos "recursos" musicais de uma cultura, com a expressão fabulística de um conto moderno, "Amores parisienses" é um filme singular na maneira pela qual o realizador articula os elementos de sua linguagem, dotando-os de uma singularidade no estabelecimento da "mise-en-scène". A sequência final, por exemplo, que se passa toda no apartamento recém adquirido, onde se realiza uma festa, reunindo nela todos os personagens da trama, é um primor de solução dos problemas enfileirados no roteiro. Há ecos de um Jacques Demy nesta seqüência derradeira.


O cinema de Alain Resnais é um cinema da oralidade, mas, nem por isso, deixa de ser profundamente cinematográfico. Resnais tem a coragem de assumir a plena teatralidade em "Smoking", por exemplo, filme sobre a fatalidade da vida e seus acasos, onde se permite a proposta de vários finais. Atingindo a plenitude da forma cinematográfica nos seus primeiros filmes, na maturidade ousa experimentar outras fórmulas de narração, outras soluções demonstrativas de uma "mise-en-scène", como já disse, extremamente rigorosa. Trata-se de um mestre e de um artista, que, em seus filmes, explicita o cinema e a explicação do cinema.

Publicado originariamente na Tribuna da Bahia (14.10.2010)

"Quando o espetáculo termina": um Lumet desconhecido


A enquete que coloquei hoje trata de Sidney Lumet, um dos realizadores americanos que merecem todo respeito pelo seu profissionalismo e pela longeva filmografia, ainda que com altos (bem altos ) e baixos (bem baixos). Lumet, há poucos anos, deu, apesar da idade provecta (acima dos 80) prova magnífica de sua vitalidade e de sua atualidade com os procedimentos cinematográficos em Antes que o diabo saiba que você está morto. Egresso da televisão nos anos 50, abafou e surpreendeu com seu filme de estréia: Doze homens e uma sentença (William Friedklin tentou um remake nos anos 90, que, apesar de competente e com bom elenco, não pode se igualar a de Lumet). Em 1964, realizou um filme avant la lettre e singular: O homem do prego (The pawbroker), com inexcedível performance de Rod Steiger, cheio de lances de memória, câmera lenta, procedimentos inusuais no cinema americano da época. E é o responsável pelo melhor filme sobre a ameaça nuclear: Limite de segurança. Gosto muito de O veredicto, com Paul Newman, obra de maturidade, rigorosa em seu relato fílmico, admirável em todos os aspectos. Mas há um filme que tirei dos arcanos de minha memória e que é completamente desconhecido e esquecido: Quando o espetáculo termina (Stage struck), que fez logo a seguir a Doze homens e uma sentença. Trata-se de um filme sobre as dificuldades encontradas por uma aspirante de atriz (Susan Strasberg), que, oriunda do interior, tenta se estabelecer em Nova York. O elenco é muito bom: Henry Fonda, Joan Greenwood, Herbert Marshall, e introduzindo Christopher Plummer (que, mais tarde, viria a ser o Capitão Trapp de A noviça rebelde/The sound of music, 1965), de Robert Wise.

Por sinal, o Telecine Cult está passando vários filmes de Sidney Lumet. Inclusive o raro Equus, com Richard Burton.