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24 fevereiro 2008

Supercalifragilisticexpialidocious



Romero Azevedo, crítico e professor que reside em Campina Grande (Paraíba), é um dos mais astutos conhecedores dos labirintos da sétima arte. Passou um tempo em Salvador nos já distantes anos 70 para fazer um curso de cinema no qual pontificavam Jean-Claude Bernardet, Jurandyr Passos de Noronha, José Mauro (filho de Humberto), Frade, Peter Przygodda (montador da maioria dos filmes de Wim Wenders e de grande parte do chamado novo cinema alemão), entre outros. Fiz também este curso (naquela época não estava na moda se intitular qualquer curso de oficina como agora), mas não o conclui. Foi nele que conheci Romero. O artigo que vai abaixo é de sua autoria. O título é esquisito, mas ele explica logo de entrada. Abrindo logo as imprescindíveis aspas:

"Essa incrível palavra de 34 consoantes e vogais poderia ser o título de uma exposição de Andy Warhol, ou de um livro de Paulo Leminski, ou talvez de um happening de Paulo Brusk, ou uma escrita de André Breton, ou mais ainda o título de um rock de Frank Zappa, caberia também numa música de Smetak ou num poema de Augusto de Campos. Mas não é nada disso. Trata-se de uma canção inserida na trilha-sonora do filme Mary Poppins (baseado no livro homônimo de Pamela Travers), produção de Walt Disney de 1964. O filme em si já deixa qualquer narrativa de realismo fantástico no chinelo: a personagem título voa com o auxílio de sua elegante sombrinha (ação de fazer inveja a qualquer Garcia Márquez), liberta os cavalinhos de um carrossel e sai por aí disputando uma corrida com eles como se nada tivesse acontecido; noutro momento o Tio Albert (outro personagem) desafia a gravidade newtoniana levitando às gargalhadas. Acharam pouco? Pois tem mais: muito antes de Kurosawa fazer um personagem seu entrar num quadro de Van Gogh (no filme Sonhos, de 1990), Mary Poppins, acompanhada das duas crianças das quais é governanta mais o amigo pintor Bert, penetram numa pintura feita pelo amigo. A partir daí os personagens de carne e osso passam a interagir com desenhos animados...
Não quero falar sobre Mary Poppins especificamente, essa introdução foi só para lembrar um dos cineastas mais avançados que surgiram nesse pouco mais de um século de história do cinema, me refiro a Walt Disney. Chamá-lo de gênio é cair no lugar comum e, pior, dizer pouco. Disney foi um dos pouquíssimos homens de cinema que enxergou com rara lucidez as potencialidades do novo meio que surgia. Ainda nos anos 20, quando as imagens em movimento assombravam as platéias pela capacidade de imitar a vida real, Walt radicalizou e partiu para experimentos no campo do desenho animado. Aí ele criou seu próprio universo, com árvores falantes e um bestiário que incluía ratos, patos, ursos e cachorros inteligentes que nada ficavam a dever aos seres humanos. Pena que o extremismo político dos anos 60-70 tenha induzido a uma interpretação maniqueísta da obra desse extraordinário artista (especialmente no livro Para Ler o Pato Donald, de Ariel Dorfman e Armand Mattelart, publicado no Chile em 1970), fazendo com que gerações de leitores confundissem o artista com as produções mantidas pela empresa que leva o seu nome (não custa lembrar que Disney morreu em dezembro de 1966). Uma visão mais aprofundada dos filmes de Disney, notadamente os que foram dirigidos ou supervisionados diretamente por ele, vão revelar muita coisa além da nossa vã ideologia. Vamos descobrir, por exemplo, como ele já antecipava muitas questões que estão em voga hoje nas melhores cartilhas políticas de qualquer país do planeta, como a necessidade de um diálogo racional com a natureza já que o enfrentamento selvagem que promovemos até agora só tem produzido resultados catastróficos. Nos desenhos de Disney os homens conversam, cantam e dançam com os seres dos reinos vegetal e animal, maior integração impossível! (em Alice no País das Maravilhas, de 1951, essa interpenetração é potencializada ao nível do que Freud chamou de inconsciente). Mesmo com as limitações impostas pela bi-dimensionalidade da tela cinematográfica, Disney criou uma arquitetura original para prover espaço para suas inimagináveis criações, para isso ele rompeu em seus filmes com a tridimensionalidade euclidiana e penetrou na quarta e quinta dimensões. Em Fantasia (de 1940, mas só compreendido em 1990), ele uniu música e pintura numa combinação transcendental.
Num momento em que a Física de partículas avança na descoberta de novas realidades ocultas nos prótons e elétrons, saindo do mundo celular atômico e penetrando pouco a pouco no mundo molecular eletrônico, o cinema de Walt Disney se coloca na vanguarda desse novo olhar, pois profetizou, ainda no século 20, a realidade quântica que se projeta para este século que engatinha agora. Pena que a estreiteza do nosso pensamento, ainda preso à lei da gravitação dos corpos no espaço, ainda vai precisar consumir esses 92 anos que nos separam do século 22 para poder penetrar livremente, sem nenhum tipo de amarra física ou psíquica, no hiper-espaço criado por esse cineasta que precisa urgentemente de uma reavaliação de sua magnífica obra, o Cidadão do Mundo, nascido em Chicago, USA, no dia 5 de dezembro de 1901, Walt Disney."

2 comentários:

Jonga Olivieri disse...

É contraditória a trajetória de Walt Disney quanto ao nazismo. Alguns o acusaram de ter sido um simpatizante. O fato é que em 1935, Disney foi à Alemanha receber um prêmio que ganhou naquele país. Muito divulgada pela imprensa alemã, que rotulou Disney como "a grande esperança branca contra os judeus de Hollywood."
Por outro lado, Disney produziu um curta (premiado) que se intitula "Donald in Naziland" ou "Der fueher’s face" considerada propaganda anti-nazista.
Mas a obra de Disney (apesar de tudo o que possam falar dele) é realmente um trabalho pioneiro e maravilhoso quanto ao desenho animado em um tampo em que sua realização era artesanal e um desafio à criatividade e à técnica.

Jonga Olivieri disse...

É contraditória a trajetória de Walt Disney quanto ao nazismo. Alguns o acusaram de ter sido um simpatizante. O fato é que em 1935, Disney foi à Alemanha receber um prêmio que ganhou naquele país. Muito divulgada pela imprensa alemã, que rotulou Disney como "a grande esperança branca contra os judeus de Hollywood."
Por outro lado, Disney produziu um curta (premiado) que se intitula "Donald in Naziland" ou "Der fueher’s face" considerada propaganda anti-nazista.
Mas a obra de Disney (apesar de tudo o que possam falar dele) é realmente um trabalho pioneiro e maravilhoso quanto ao desenho animado em um tampo em que sua realização era artesanal e um desafio à criatividade e à técnica.