Obra-prima do cinema mundial , Morangos silvestres (Smultronstallet, 1957), do sueco Ingmar Bergman, introduz o monólogo interior no itinerário de um velho professor que, indo de carro de sua cidade a Estocolmo para receber o título de Doutor Honoris Causa, refaz sua vida e conclui que ela somente vale a pena se for comprometida com o amor às pessoas. Bergman mostra, num mesmo plano, o presente e o passado, com o professor a contemplar a própria infância. Victor Sjostrom (famoso diretor: A carroça fantasma) faz o papel do professor. Filme também que reflete sobre a solidão da velhice. Vamos ver aqui a sequência magistral do pesadelo logo no começo do filme
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17 fevereiro 2012
15 fevereiro 2012
"O bandido da luz vermelha", de Rogério Sganzerla
Rogério Sganzerla foi, sem dúvida, um dos mais coerentes e íntegros realizadores do cinema brasileiro, além de possuir uma pulsão criadora rara que o integra na seleta galeria dos cineastas mais criativos da cinematografia nacional. A sua obra de estréia, O Bandido da Luz Vermelha (1968), traumatizou duramente os realizadores e pode ser considerada um marco ou, até mesmo, um filme divisor de águas. Lançado pouco antes do Ato Institucional número 5 – que cerceou por muitos anos qualquer manifestação livre no Brasil, modelou um tempo e uma época. Se formalmente continha elementos explosivos e inovadores dentro do ponto de vista da linguagem – a narrativa como um programa de rádio dos mais bregas, os cortes brilhantes, a fragmentação com a adição de material de procedência diversa como recortes de jornais, histórias em quadrinhas, filmes, etc, também continha uma significação exemplar propícia para o momento histórico no qual viviam os brasileiros amordaçados pela ditadura implacável. O Bandido da Luz Vermelha se insurge contra os postulados cinemanovistas – que procuravam retratar a realidade brasileira em tom grave – e instaura a anarquia, a iconoclastia pela impotência de seus criadores no estabelecimento de um cinema representativo. Como diz seu personagem num determinado momento do filme: “A gente quando não pode fazer nada se avacalha e se esculhamba”. Melhor retrato do país impossível. Melhor explosão de criatividade, difícil. O Bandido da Luz Vermelha desencadeou uma onda de filmes que foram intitulados de ‘marginais’, ou, mesmo, ‘udigrudis’. O carro-chefe é este filme de Rogério Sganzerla, ainda que alguns críticos estudiosos desse momento prefiram considerar A margem (1967), de Oswaldo Candeias como o ponto de partida do ‘Cinema Marginal’
Se o trauma foi imenso, Sganzerla ofereceu as coordenadas para a continuidade de um cinema autoral que estaria morto com o advento do Ato Institucional 5. Dificilmente existiria, por exemplo, na Bahia, Meteorango Kid, O Herói Intergalático (1970), de André Luiz Oliveira, ou Caveira My Friend (1969), de Álvaro Guimarães, ou, mesmo, o média Vôo Interrompido (1969), de José Umberto, sem a existência anterior de O Bandido da Luz Vermelha, obra insólita e brilhante, renovadora, que pode ser incluída entre os cinco maiores filmes brasileiros de todos os tempos. A fita de Sganzerla é um brado retumbante de artistas que, asfixiados, tentam, pela verve da criação, respirar o cinema em seus vinte e quatro quadros por segundo. Sganzerla morreu com o estigma do ‘primeiro filme’, pois passou a vida a ser cobrado por um outro ‘bandido’ que, na verdade, nunca mais apareceu, apesar de suas tentativas de renovação das estruturas lingüísticas em obras posteriores. Mas nada que se pudesse equiparar a esta obra de estréia de um cineasta que contava, apenas, 22 anos. E que, desde os 16 já assinava críticas cinematográficas no sisudo O Estado de S.Paulo.
Mas Sganzerla, se em O Bandido da Luz Vermelha, sua indiscutível obra-prima, estabelece um cinema de montagem, com tomadas rápidas, pulsação alucinante, já em A Mulher de Todos, filme seguinte, de 1969, aciona um freio no conceito de duração. A radicalidade chega em Sem Essa Aranha (1970), quando abandona o corte em movimento para dar lugar a um cinema muito mais de mise-en-présencedo que de mise-en-scène. Se O bandido da luz vermelha é o supra-sumo desta, os filmes radicais de Rogério Sganzerla dos anos 70 são arredios à fluência narrativa, propõem ao espectador estar em presença do que é registrado, enfim, são obras que se caracterizam pelo estabelecimento do plano-seqüência como moto dainação. Inação, porém, do que se poderia chamar do discurso fílmico porque, na essência, a ação está dentro da tomada. Em Sem essa aranha, se não há falha de memória, apenas nove são os planos-sequências. Em particular, a festa no quintal de uma casa com o próprio rei do baião, Luiz Gonzaga, a promover o agito enquanto a protagonista, Helena sempre Helena, perambula meio desesperada. Em outro momento, é Jorge Lordelo (Zé Bonitinho) quem compõe o plano-sequência, que depois o repetiria, quase no mesmo tom, em Abismu.
Se o trauma foi imenso, Sganzerla ofereceu as coordenadas para a continuidade de um cinema autoral que estaria morto com o advento do Ato Institucional 5. Dificilmente existiria, por exemplo, na Bahia, Meteorango Kid, O Herói Intergalático (1970), de André Luiz Oliveira, ou Caveira My Friend (1969), de Álvaro Guimarães, ou, mesmo, o média Vôo Interrompido (1969), de José Umberto, sem a existência anterior de O Bandido da Luz Vermelha, obra insólita e brilhante, renovadora, que pode ser incluída entre os cinco maiores filmes brasileiros de todos os tempos. A fita de Sganzerla é um brado retumbante de artistas que, asfixiados, tentam, pela verve da criação, respirar o cinema em seus vinte e quatro quadros por segundo. Sganzerla morreu com o estigma do ‘primeiro filme’, pois passou a vida a ser cobrado por um outro ‘bandido’ que, na verdade, nunca mais apareceu, apesar de suas tentativas de renovação das estruturas lingüísticas em obras posteriores. Mas nada que se pudesse equiparar a esta obra de estréia de um cineasta que contava, apenas, 22 anos. E que, desde os 16 já assinava críticas cinematográficas no sisudo O Estado de S.Paulo.
Mas Sganzerla, se em O Bandido da Luz Vermelha, sua indiscutível obra-prima, estabelece um cinema de montagem, com tomadas rápidas, pulsação alucinante, já em A Mulher de Todos, filme seguinte, de 1969, aciona um freio no conceito de duração. A radicalidade chega em Sem Essa Aranha (1970), quando abandona o corte em movimento para dar lugar a um cinema muito mais de mise-en-présencedo que de mise-en-scène. Se O bandido da luz vermelha é o supra-sumo desta, os filmes radicais de Rogério Sganzerla dos anos 70 são arredios à fluência narrativa, propõem ao espectador estar em presença do que é registrado, enfim, são obras que se caracterizam pelo estabelecimento do plano-seqüência como moto dainação. Inação, porém, do que se poderia chamar do discurso fílmico porque, na essência, a ação está dentro da tomada. Em Sem essa aranha, se não há falha de memória, apenas nove são os planos-sequências. Em particular, a festa no quintal de uma casa com o próprio rei do baião, Luiz Gonzaga, a promover o agito enquanto a protagonista, Helena sempre Helena, perambula meio desesperada. Em outro momento, é Jorge Lordelo (Zé Bonitinho) quem compõe o plano-sequência, que depois o repetiria, quase no mesmo tom, em Abismu.
Sganzerla, após brilhar no cinema de mise-en-scène, com sua magistral obra de estréia, parte célere para um processo de radicalização tal que se poderia ver, nisto, uma tentativa homicida de matar a mise-en-scène, arrebentando as estruturas de sua linguagem para fazer emergir, quase como uma totalidade, o sentido da mise-en-présence. O cinema é, para Sganzerla, uma narrativa dentro do plano, mas não como faz Michelangelo Antonioni com sua desdramatização em obras-primas como A aventura, A noite, ou O eclipse, entre outras, pois aqui há um fio condutor. Sganzerla parte este fio condutor e deixa os planos-seqüências quase como se fossem filmes autônomos.
12 fevereiro 2012
"O anjo exterminador", de Buñuel: apenas meio século!
Publicado e escrito especialmente para a revista eletrônica Terra Magazine em 31.01.2012
Os 50 anos de O anjo exterminador (El angel exterminador, 1962), de Luis Buñuel, obra-prima do surrealismo cinematográfico, não podem passar em branco. Sobre ser o maior realizador surrealista da história do cinema, Luis Buñuel tem uma trajetória desigual, cheia de acidentes de percurso, vindo a estrear, em fins dos anos 20, com filmes puristas no que diz respeito aos postulados surrealistas: Un chien andalou (Um cão andaluz, 1928), em colaboração com o excêntrico Salvador Dali, e, dois anos depois, L'âge d'or (A idade do ouro, 1930). Nestas duas obras, Buñuel pretendeu passar ao cinema o surrealismo em estado bruto: as imagens se desenrolam como num processo onírico de associação de idéias. A cena inicial de Un chien andalou é clássica: um homem, com uma navalha, decepa o globo ocular de uma mulher enquanto as nuvens passam, indiferentes, no céu enluarado.
Em 1962, quando O anjo exterminador estreou em Paris, o exibidor solicitou a Buñuel que escrevesse alguma coisa para ser colocada na porta do cinema, a fim de esclarecer melhor os espectadores. Buñuel escreveu o seguinte: "A única explicação que pode ter esse filme é que ele, na verdade, não tem nenhuma." Woody Allen, em seu recente Meia-noite em Paris (Midnight in Paris), quando do retorno no tempo aos esfuziantes anos 20 na Cidade Luz, há um momento impagável: o personagem se encontra com o próprio Buñuel e dá a ele a idéia de fazer um filme como O anjo exterminador sobre um grupo de burgueses que depois de um jantar comemorativo, sem que haja obstáculos que o impeçam de sair, ficam trancados meses e meses na mansão. Buñuel se espanta com a idéia e diz que não compreendeu o por que de o grupo não poder sair.
Em 1955, Luis Buñuel se encontra com André Breton em Paris e este, desanimado, aborrecido, diz ao cineasta: "O escândalo não existe mais!" Breton, autor do manifesto surrealista, é o seu principal nome. Se o escândalo não existe mais, pour épater les bourgeois (para escandalizar os burgueses), o que se pode dizer hoje, decorridos mais de 50 anos, no momento de vale-tudo em que o BBB expõe, sem arte e sem surrealismo, a demência verificada na mentalidade da sociedade atual? A juventude, passou-a nos atribulados anos 20 em Paris, quando os artistas se amontoavam (como mostra Midnight in Paris, como mostra Sinfonia em Paris/An american in Paris, 1950, de Vincente Minnelli, entre tantos outros). Na capital da França, o aragonês Buñuel conheceu a nata e ficou amigo de muitos, além de trabalhar como assistente de direção em uma ou duas películas. Mas o que o atraiu mesmo foi o movimento surrealista liderado por André Breton. Nos anos 30, teve uma experiência mal sucedida em Hollywood, e, com a Guerra Civil da Espanha (1936/1939) exilou-se no México, onde estabeleceu a sua residência, ainda que, no final da carreira tenha filmado bastante em Paris. Terminadas as filmagens, porém, voltava para o aconchego de sua casa mexicana.
Metáfora surrealista sobre o homem e a sociedade, El angel exterminador (o título é bíblico, premonitório e profético) tem na impossibilidade de sair da mansão, sem que nada impeça que seus convidados saiam, um recurso de surrealismo que o autor utiliza para, na verdade, fazer um estudo de comportamentos, um laboratório para a observação de burgueses metidos a aristocratas que, com o tempo, fazem com que caiam as suas máscaras de hipocrisia, e, em consequência, as normas de etiquetas sejam relegadas.
Em uma suntuosa mansão de Nóbile (Enrique Rambal) se celebra um jantar elegante depois que os participantes voltam de uma ópera. Ao término da recepção, os convidados se dão conta de que não podem abandonar o salão. Reclusos por força invisível naquele lugar, iniciam um verdadeiro processo de degradação que deixa a descoberto o ser primário e zoológico que luta para sobreviver e, com isso, são esquecidos todos os prejuízos e convencionalismos sociais. Tudo é pulverizado e destruído, inclusive os luxuosos trajes dos personagens e o mobiliário rico da sala. Eles se alimentam graças a uns cordeiros que conseguem pegar - e que vivem, surrealisticamente, dentro da mansão, recorrendo a toda a classe de fórmulas - cerimônias mágicas, invocações maçônicas, rezas - numa série de tentativas para por fim àquela situação. O parágrafo seguinte contém spoiler e para os suscetíveis melhor que não seja lido.
Finalmente, depois de vários meses de reclusão, os convidados repetem os instantes finais da festa, e, desse modo, conseguem sair da casa. Na catedral do México, assistem a um solene Te Deum. Mas, findo este, comprovam que nem os oficiantes nem seus assistentes conseguem abandonar a igreja. O plano final apresenta cordeiros que entram na catedral enquanto nas ruas explode uma revolução.
(Na versão disponível em DVD de O anjo exterminador, a empresa distribuidora achou por bem cortar uma cena. No original, quando os convidados chegam à mansão de Nóbile, a chegada deles, entrando pela porta e subindo as grandes escadarias, é filmada duas vezes sob dois ângulos diferentes. O responsável pela edição do DVD cometeu um desastre com o corte, interferindo indevidamente na integridade da obra cinematográfica. Talvez por achar que, com a supressão de dois momentos idênticos, viesse a dar mais legibilidade ao filme. Já a versão em VHS, distribuído pela Sagres, mantém a obra na sua integralidade).
O surrealismo parte de uma atitude revolucionária em filosofia, cujo verdadeiro objetivo não consistiria em interpretar o mundo, mas, sim, em transformá-lo. Na forma exposta por seu principal animador, André Breton, o surrealismo revela forte influência do materialismo dialético, dele retirando sua "lógica da totalidade". Assim como o sistema social constitui um todo e nenhuma de suas partes pode ser compreendida separadamente, a arte não deve ser o reflexo de uma parcela de nossa experiência mental (a parcela consciente), mas uma síntese de todos os aspectos de nossa existência, especialmente daqueles que são mais contraditórios.
O surrealismo buñuelesco se, no princípio, seguia fielmente os postulados bretonianos, com o passar do tempo foi se diluindo, com o acréscimo de um humor refinado, sutil, ainda que bem corrosivo, a exemplo de O charme discreto da burguesia (1973), O fantasma da liberdade (1974) e Este obscuro objeto do desejo (1977, seu último filme, pois viria a morrer em 1983. Entre os seus filmes de minha predileção, os dois primeiros, Ensaio de um crime (1956), Viridiana(1960), que causa escândalo na época, O anjo exterminador, Nazarin, O alucinado,La mort em CE jardin, A bela da tarde, e O charme discreto da burguesia. Sem esquecer de uma fita mexicana, Los olvidados, que realizou em 1950. Em Este obscuro objeto do desejo, por exemplo, uma mesma personagem é interpretada por duas atrizes diferentes.
Obra sobre a alienação dos indivíduos alienados por crenças e atitudes, e, também, sobre as vacuidades das fórmulas postiças de convivência, El Angel exterminador constitui, de certo modo, uma prolongação dos grandes temas apontados em Laje d'or., mas com uma maturidade e lucidez ideológicas tais que fazem do filme uma síntese perfeita de toda a obra e ideário de seu autor. O roteiro original - de Buñuel e Luiz Alcoriza - leva o expressivo título de Os náufragos da Rua da Providência. O anjo exterminador foi premiado em Cannes (1962), Sestri-Levante (1962) e Acapulco (1963).
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