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19 novembro 2005

Umas e outras

Nicole Kidman, não tenho dúvida, se Hitchcock a tivesse conhecido, seria a sua loura. Ela, após uma inexpressiva entrada em cena nos anos 90, está se tornando cada vez melhor atriz. É uma intérprete que se empenha, dá tudo de si, por um bom papel. Sofreu nas mãos de Lars Von Trier em Dogville, um sofrimento quase falconettiano, mas gostou da experiência, considerando-a evolutiva para a carreira. Além de sua beleza física, de uma atração fatal, tem a garra das grandes atrizes, sabendo aliar o talento ao belo de sua imagem. Em A intérprete, do desprezado Sydney Pollack, está algo hitchcockiana. Kidman é muito apreciada pelo blogueiro dessa página. Veja-a, divina, em Reencarnação (título idiota para Birth), principalmente no plano em que, no teatro, plano longo, sente a agonia da dúvida.

Mas por falar em Pollack, diretor visto de esguelha pela crítica mais impertinente, o fato é que se trata de um artesão de grande habilidade, cujos filmes revelam uma carpintaria exemplar. Out of Africa é um belo filme e tem, em sua filmografia, obras acima da média, como, por exemplo, Esta mulher é proibida (This property is condemned, 1966), A noite dos desesperados, entre outros. Uma habilidade que fica patente na construção narrativa de A intérprete. Mas considerando que a estética do vídeo-clip se incorporou na estrutura narrativa do cinema americano contemporâneo, creio que Pollack poderia ter ido mais devagar nos cortes, deixando às tomadas uma possibilidade contemplativa que a estética da tesourinha não está mais a permitir.

Lembrei-me agora de Operação Yasuka, com o grande Robert Mitchum. É de Pollack, assim como Três dias do Condor. Na minha opinião, entretanto, e questão subjetiva, o seu melhor trabalho é Nosso amor de ontem, com Robert Redford e Barbra Streisand, filme de rara sensibilidade. Redford é um ator sempre presente nos filmes do diretor nos anos 80 e 90: O cavaleiro elétrico, Havana, Nosso amor de ontem, Condor, etc. Pollack foi muito amigo de Stanley Kubrick, que o colocou como ator em sua derradeira obra: De olhos bem fechados. Aliás, o diretor de A firma gosta muito de aparecer. Em A intérprete, por exemplo, faz uma ponta. Seu aparecimento, porém, não se constitui numa marca estilística, como em Hitchcock, mas, simplesmente, satisfação de ego.

A última grande comédia do cinema americano foi, sem nenhuma dúvida, Vitor e Vitória (1982), de Blake Edwards, com Julie Andrews, James Gardner, Robert Preston. Vinte e três anos se passaram de sua realização e, nesse período, nada surgiu que se lhe assemelhasse. Edwards se encontra, aqui, em sua quintessência, revelando a plena maturidade de um grande comediógrafo. A noviça rebelde amadureceu ao se casar com Edwards e, para desmistificar a sua imagem, em S.O.B, do marido, aparece com os seios à mostra. O nome do filme se refere ao famigerado palavrão filho da puta, restrito, na nomeação do filme, apenas às iniciais. Trata-se de uma visão amarga do universo do cinema, e Edwards parece que faz uma espécie de exorcismo de suas mágoas. Livre destas, expiadas, surge o momento do excepcional Vitor e Vitória.

Robert Wise, que morreu há pouco, tem obras marcantes em sua filmografia e, entre elas, Punhos de campeão (The set up), com Robert Ryan, Quero viver (I want live), com desempenho inexcedível de Susan Hayward, e West Side Story (Amor sublime amor), para se ficar somente em três títulos. Neste último, a sua abertura vem do alto, com a câmera no céu a descortinar a geografia novaiorquina até que, aos poucos, vai descendo, e, finalmente, aterrissa no bairro onde a ação vai se desenrolar. A mesma coisa acontece na abertura de A noviça rebelde (The sound of music). A câmera, sempre do alto, focaliza os Alpes e, aos poucos, desce até o lugar onde se encontra Julie Andrews. Ainda que West Side Story não se possa comparar à Noviça rebelde, que é, entretanto, um amável musical, trata-se de duas aberturas de mestre, duas aberturas magistrais de imenso impacto.

Os intervalos do Canal Brasil são muito demorados e repetem as chamadas, que de tão repetidas acabam se tornando insuportáveis. É preciso que os responsáveis pelo 66 da Net/Sky saibam dosar melhor os intervalos entre os programas. Muitas vezes, tem-se quase 15 minutos de chamadas. E parece que começou, ainda em novembro, o recesso de Selton Mello, Domingos Oliveira e Pereio, pois estão a repetir os programas sem haver nenhum inédito. Pereio fala mais do que o entrevistado. Este somente pode falar quando Pereio deixa. E Pereio está meio enrolado na sua enunciação de um pensamento. Nesse ponto, Domingos Oliveira e Selton Mello são mais cuidadosos, ainda que Domingos, quando diz alguma coisa, parece que já babeu meia garrafa de scotch. Já Selton tem a mania de entortar as imagens do entrevistado como se isso fosse alguma coisa de vanguarda. Ao contrário: prejudica a contemplação daquele que está sendo focalizado.

Eis o homem: Samuel Fuller

Quem se interessar pelos 'capítulos' anteriores de 'Introdução ao cinema' deve consultar os arquivos desse blog e, em relação aos primeiros, acessar o meu blog inicial nesse endereço: http://www.setaro.blogger.com.br/index.html Há quatro meses, mudei do blogger. com (da Globo) para o bloggerspot (da Google) , que permite maior flexibilidade na postagem e possui melhores recursos para blogueiro iniciante e meio neófito. O Setaro's Blog, reconheço, anda meio desatualizado, passando semanas sem atualização. Mas, na medida do possível, vou procurar ser mais presente. É o que tenho a dizer no momento. Um abraço a todos que o acessam e possuem a paciência de Job para lê-lo.

INTRODUÇÃO AO CINEMA (14)


Das estruturas da narrativa
A construção de uma narrativa cinematografia obedece a diversos critérios assim como um projeto arquitetônico corresponde a determinadas opções. Há uma construção narrativa que se pode considerar simples e outra que se desenha como complexa. Dois tipos de estruturas, portanto, mas que se deve ter em conta e ressaltar que a simplicidade ou a complexidade são noções exclusivamente inerentes ao como do discurso e não à sua coisa. Isto quer dizer: pode haver histórias intrincadíssimas mas de estrutura simples, elementar, e, pelo contrário histórias lineares, com começo, meio e fim e progressão dramática tradicional mas que se tornam intrincadas por uma disposição particular dos segmentos narrativos.Dentre as narrativas de estruturas simples estão: a linear, a binária e a circular.
Narrativa linear. Percorrida por um único fio condutor que se desenvolve de maneira seqüencial do princípio ao fim sem complicações ou desvios do caminho traçado. A narrativa de estrutura linear é a de mais fácil leitura e é concebida de modo a respeitar todas as fases do desenvolvimento dramático tradicional. O esquema que se obedece é aproximadamente o seguinte: a) introdução ambiental; b) apresentação das personagens; c) nascimento do conflito; d) conseqüências do conflito; e) golpe de teatro resolutório. Este esquema da narrativa linear repete ao pé da letra o que era a estrutura base do romance psicológico do século XIX. Incluem-se nesse tipo de narrativa aquela nas quais o elemento poético e metafórico é reduzido ao mínimo e os motivos de interesse residem exclusivamente na fábula (story), excetuando-se os eventuais casos de erosão dentro do referido esquema - que se constituem uma exceção à regra.
Narrativa binária. Este tipo de narrativa é percorrido por dois fios condutores a reger a ação como só acontece nos casos de narrativas paralelas baseada na coexistência de duas ações que podem entrecruzar-se ou manter-se distintas. Garantia certa de tensão dramática, a binária é empregada em fitas de ação - thrillers, westerns, etc - porque valoriza o paralelismo e o simultaneismo, fornecendo, assim, amplas possibilidades de impacto. Exemplo clássico da narrativa binária está em David Wark Griffith (Intolerância, 1916, O lírio partido, 1918, Broken blossoms no original). A linguagem cinematográfica tomou impulso com a descoberta da ação paralela e da inserção de um plano de detalhe no plano de conjunto.
Narrativa circular. Este tipo de narrativa tem lugar quando o final reencontra o início de tal modo que o arco narrativo acaba por formar um círculo fechado. É menos frequente e mais ligada a intenções poéticas precisas com um propósito de oferecer uma significação da natureza insolúvel do conflito de partida e denota a desconfiança em qualquer tentativa para superar a contradição assumida como motor dramático do filme. A significação implícita a este gênero de escolha estrutural poderia ser: "as mesmas coisas repetem-se". Em A faca na água (Noz W Wodzie, Polônia, 62), o primeiro longa metragem de Roman Polansky, assim como também em O fantasma da liberdade (Le fantôme de la liberté, 74) de Luis Buñuel, e Estranho Acidente (Accident, 68), de Joseph Losey, para ficar em três exemplos, as coisas que se observam no início voltam a surgir no final, a despeito das tentativas registradas pela narrativa para se libertar delas e da sua influencia nefasta. A construção das obras citadas obedece e exprime a visão do mundo de seus autores do que, propriamente, à matéria da fábula, que pode se apresentar tranquila e jocosa e destituída de relevância maior.
Dentre as narrativas de estrutura complexa estão: a estrutura de inserção, a estrutura fragmentada e a estrutura polifônica.
Narrativa de inserção. Consiste numa justaposição de planos pertencentes a ordens espaciais ou temporais diferentes cujo objetivo é gerar uma espécie de representação simultânea de acontecimentos subtraídos a qualquer relação de causalidade. Os segmentos narrativos individuais interatuam entre si, produzindo, com isso, uma complicação ao nível dos significantes que potencializa o sentido global do discurso. A contínua intervenção do flash-back pode provocar um entrelaçamento temporal que esvazia a noção do tempo cronológico em favor do conceito de duração. Por outro lado, as frequentes deslocações espaciais conferem aos lugares uma unidade de caráter psicológico mas não de caráter geográfico. Na narrativa de inserção, a realidade é vista de modo mediatizado, isto é, a realidade é refletida pela consciência do protagonista ou pela do realizador omnisciente. Seguem esta narrativa de inserção filmes como 8 ½ (Otto e mezzo, 64), de Federico Fellini, A guerra acabou (La guerre est finie, 66), Providence, entre outros trabalhos de Alain Resnais, Morangos Silvestres (Smulstronstallet, 57) de Ingmar Bergman, etc. Nestes exemplos, o receptor/espectador é posto diante de um desenvolvimento narrativo que não é lógico mas puramente mental: o velho Professor Isaac contempla a própria infância (Bergman), o cineasta Guido (Marcello Mastroianni) no cemitério conversa com seus pais já falecidos (Fellini), a projeção do desejo de um escritor moribundo (John Gielgud) imaginando situações (Resnais). O desenvolvimento puramente mental determina, por sua vez, um jogo de associações visuais e emotivas que cria um universo fictício exclusivamente psicológico.
Narrativa fragmentária. Estrutura-se pela acumulação desorganizada de materiais de proveniência diversa, segundo um procedimento análogo ao que, em pintura, é conhecida pelo nome de colagem, A unidade, aqui, não é dado pela presença de um fio narrativo reconhecível, porém pelo ótica que preside à seleção e representação dos fragmentos da realidade. Se, neste caso, da narrativa fragmentária, a intenção oratória do cineasta prevalece sobre a fabulatória, mais acertado seria considerar o filme como um ensaio do que um filme como narrativa. A expectativa de fábulas, no entanto, encontra-se presente no homem desde seus primórdios e o cinema, portanto, desde seu nascedouro possui uma irresistível vocação narrativa. Poder-se-ia, então, ainda que esta irrefreável expectativa do receptor diante de um filme, falar de um cinema-ensaio ao lado de um cinema-narrativo. O exemplo de, novamente Alain Resnais, Meu tio da América (Mon oncle d'Amerique) vem a propósito, assim como Duas ou Três Coisas Que Eu Sei Dela (Deux ou trois choses que je sais d'elle, 66) de Jean-Luc Godard - um minitratado sobre a reificação que ameaça o homem na sociedade de consumo, La hora de los hornos (68), de Fernando Solanas - obra nascida como ato político que utiliza documentos, entrevistas, cenas documentais e trechos com o objetivo de proporcionar a tomada de consciência revolucionária por parte do espectador.
Narrativa polifônica. Estrutura-se pelo número de ações apresentadas que confere uma feição coral à narrativa, impedindo-a de afirmar-se de um ponto de vista que não seja o do realizador-narrador. Os acontecimentos que se entrelaçam são múltiplos, dando a impressão de um afresco, que se forma pelas situações captadas quase a vol d'oiseau. Utilizando-se desse tipo de narrativa complexa, o cineasta capta de maneira sensível, se capacidade houver, o clima social de uma determinada época, como fez Robert Altman em Nashville (1975). Neste filme, vinte e quatro histórias se entrecruzam para compor um mosaico revelador da realidade dos Estados Unidos durante a década de 70. Outro exemplo do mesmo Altman é Short cuts. (Short cuts, EUA, 91).As estruturas examinadas são todas elas do tipo fechado, segundo as coordenadas estabelecidas por René Caillois (12). Porque, assim fechadas, estas estruturas servem de suporte à narrativas concluídas do ponto de vista de seu desenvolvimento, não importando o seu significado poético. Existem, no entanto, casos de estruturas abertas, nas quais a conclusão do discurso é deixada em suspenso ou então prolongada para além do filme. O que caracteriza a obra cinematográfica como um trabalho em devir, um filme que busca ainda o seu desfecho ou, então, como um texto que se oferece à meditação do espectador. Em Apocalypse now (1978), de Francis Ford Coppola, o cineasta apresenta três finais todos igualmente legítimos e solidários com o contexto narrativo. Já em Dalla nube nulla ressitenza (81), de Jean-Marie Straub, formado por blocos de sequências fixas, a solução final é deixada ao subsequente trabalho de reflexão do espectador/receptor. Trata-se de uma obra que faz uma reflexão, por meio de representações dialogais, sobre a passagem da idade feliz do Mito para a idade infeliz da História.O caráter aberto da narração, todavia, em nada desfalca a contextualidade orgânica do discurso, contextualidade que se mantém íntegra apesar da suspensão da fábula. A solidariedade estrutural, ressalte-se, constitui a conditio sine qua non de qualquer discurso cinematográfico que pretenda considerar-se artístico.

16 novembro 2005

Aurora lança Godard e Wajda

Carmen, de Godard, e Kanal, do diretor polonês Andrzej Wajda, são os títulos lançados este mês pela Aurora DVD. Além destes títulos, um box, reunindo a trilogia de guerra de Wajda será lançado também na primeira semana de dezembro. A trilogia é composta por Cinzas e Diamantes (já lançado), Kanal e Geração (que vai chegar junto com o box, mas também disponível em separado. Carmen de Godard – Apelidado de “enfant terrible” do cinema francês, Jean-Luc Godard já havia trabalhado em 48 filmes (entre as funções de diretor, produtor, ator e tudo o que pudesse fazer) quando decidiu fazer uma livre-adaptação para o cinema da ópera Carmen, de Bizet. Munido de toda a experiência cinematográfica acumulada em, então, 29 anos de carreira, Godard já tinha meios de recontar a história de uma obra clássica, transportando-a com maestria para o início da década de 80. O filme, estrelado por Maruschka Detmers, Jacques Bonnaffé e Miryem Roussel, ganhou o Leão de Ouro e o Prêmio Especial, no Festival de Veneza de 1983. Com uma direção segura, Godard conta a história de um grupo de assaltantes que pretendem roubar um banco, para financiar a produção de um filme. Carmen integra a gangue, mas acaba se envolvendo com um dos seguranças do banco. Nos extras, além das opções tradicionais, o DVD de Carmen de Godard vem com uma entrevista com o diretor de fotografia Raoul Coutard. Kanal – O filme é a segunda parte da trilogia sobre a Segunda Guerra, de Andrzej Wajda. As outras duas são Geração, de 1955, e Cinzas e Diamantes, de 1958. Os três títulos serão lançados juntos, num box que a Aurora DVD vai lançar na primeira semana de dezembro. Kanal é o mais sombrio e dramático da trilogia e conta a história de um grupo de soldados poloneses que lutam para expulsar os alemães de Varsóvia. Só que o grupo é obrigado a fugir para dentro dos esgotos da cidade, na tentativa de sobreviver à batalha exterior – e tendo também que sobreviver à escuridão e à sujeira dos esgotos subterrâneos. O filme é baseado numa história real e ganhou vários prêmios importantes – incluindo o prêmio Especial do Júri do Festival de Cannes. Este lançamento da Aurora DVD vem como edição especial, já que é a primeira vez que Kanal é lançado no formato DVD. Nos extras, é possível assistir uma entrevista exclusiva com o diretor, com o seu assistente de direção Janusz Morgenstern e com o crítico de cinema Jerzy Plazewski. Além disso, uma entrevista de Wajda com um participante do Levante de Varsóvia também está incluída no DVD. Todos os extras têm legendas em português. Para saber mais, visite o site http://www.auroradvd.com.br