Todos os grandes filmes são
melodramáticos! Há um preconceito arraigado contra o melodrama por parte das
mentes ditas intelectualizadas que precisa ser desmontado, desfeito. Hitchcock,
em Marnie, elevou o melodrama à condição de obra de arte.
Há momentos de melodrama nas cenas entre o protagonista e Susan Alexander em Cidadão Kane. Os importantes filmes de
Vicente Minnelli, o estilista mais sofisticado do cinema, são melodramas, como Assim estava escrito (The bad and the beautiful, 1953), Deus sabe quanto amei (Some came running, 1958), Adeus às ilusões (The sandpiper, 1964), entre muitos
outros. Casablanca e ...E o vento levou são momentos sublimes de
grande melodrama. Infeliz do filme que não tenha inserido nele elementos
melodramáticos! Talvez o cinema brasileiro não tenha se firmado como indústria
por causa da virose cinemanovista, que tinha
preconceito com o melodrama.
E as novelas atuais, se são
melodramáticas, estão longe, entretanto, do dramalhão. Aliás, a partir de Beto Rockfeller (1969), a dramaturgia
nacional televisiva se afastou do dramalhão, cujo modelo vinha do México. Ainda
hoje este país conserva elementos do dramalhão como se pode ver nas novelas
importadas e dubladas pela SBT. Um bom realizador sempre evita cair no
dramalhão, levando o melodrama para o patético ou o trágico ou, simplesmente,
deixando-o apenas no tom exato. Douglas Sirk fez excelentes melodramas: Palavras ao vento (Written on the wind), Tudo que o céu permite, Imitação da vida, etc. E se, em Hithcock,
a quintessência melodramática se encontra em Marnie, quando encontra o
sublime, em quase todos os seus filmes sempre há uma, por assim dizer, história
de amor com elementos melodramáticos. Há algo mais belo do que a poética de um
Jacques Demy? Que, em Os guarda-chuvas
do amor alcança a sublimidade, fugindo do dramalhão, para se situar na
tragédia do amor e da existência?
Como definir o melodrama: Drama melado?
Drama açucarado? E o que é o drama? Todo filme é um drama, considerando que
drama é ação, cadeia de acontecimentos. Assim, até a comédia é um drama. Filmes
de minha preferência, como Férias de amor (Picnic, 1955), de Joshua Logan,
com William Holden e Kim Novak, são melodramas. Adoro, portanto, um melodrama.
Já o clichê se instaura quando uma certa mesmice se repete sem haver densidade
poética, mas, apenas, repetição de ganchos narrativos. Até mesmo um filme
inovador, que traumatizou toda uma geração, como Hiroshima, mon amour, é, também, um
melodrama.
Se o cinema de Godard, entre outros,
revolucionou a linguagem do cinema na década de 60, também, por um lado, foi
contraproducente, pois implantou na mentalidade cinefílica e atávica a mania da
desconstrução, que se espraia, como metástase, até
mesmos nos estudos acadêmicos da área das humanidades. Hitchccok já dizia que
com o melodrama é mais fácil se alcançar o sublime. Sublime que ele alcançou
com o citado Marnie e que Chaplin conseguiu
chegar em Luzes da cidade (City light, 1930), um
trágico-sublime, poderia dizer.
E Crepúsculo dos deuses (Sunset boulevard, 1950), de Billy Wilder,
por acaso não contém uma carga melodramática respeitável? Usa-se, no entanto, a
expressão melodrama no sentido pejorativo quando em relação ao cinema e ao
teatro ou, mesmo, à literatura. As
grandes narrativas do cinema são sempre de estrutura simples, linear ou binária
ou, ainda, circular. Há, por outro lado, grandes filmes que fogem a este
esquema: Morangos
silvestres (Smultronstallet, 1957), de Ingmar Bergman, Oito e meio (Otto e mezzo, 1964), de Federico Fellini, entre muitas
outros. O importante é o talento do realizador, sua capacidade de pensar
cinematograficamente. Assim como faz Clint Eastwood em seus filmes.
O preconceito ao melodrama se acentua nos
últimos decênios com a falência múltipla das aspirações idealistas e o
estabelecimento de uma estética baseada no realismo tout court ou, mesmo, no
naturalismo. O público, diante de uma realidade cada vez mais pragmática e
consumista, não aceita mais o intimismo, os filmes que idealizavam e estilizavam
a vida e os homens. Um filme é bom, para a maioria dos pseudo-cinéfilos que frequenta as salas alternativas, quando diz coisas nobres e belas,
desconhecendo eles que um filme é bom quando sabe dizer e toda a questão
se encontra no como e não na coisa em si. A natureza nobre de um
tema condiciona o espectador a achar que determinada obra cinematográfica é
boa. Ledo e ivo engano!
A nova geração ri de certas sequências com
alguma carga melodramática. Assim, quando James Stewart e Kim Novak, frentes ao
mar, que bate, furioso, nos rochedos, se beijam apaixonadamente com a ênfase
sendo dada pela partitura de Bernard Herrmann, o público ri numa confissão
completa de ignorância e ausência de sensibilidade. Em outros casos, como o princípio da autoridade está patente, caso de Casablanca, a geração fim-de-mundo, esta da estética do
vídeo-clip, finge gostar para não ficar out.
É todo um processo de reeducação que se
tem que colocar aliado às mudanças culturais, ao espírito da época, ou, se se
quiser, ao l'esprit du temps.