Para
os que nasceram na era do vídeo, e, agora, do disquinho mágico, nada muito
surpreendente. Mas para aqueles, como eu, que nasceram em priscas eras, em
meados do século passado (1950, para ser mais preciso), com o tempo passando
rápido – ó, tempo, suspende o teu vôo! -, o advento do VHS foi uma surpresa, e
a do DVD, com tantos dreyers e bergmans, minnellis e langs, hawks efellinis,
espalhados por aí, quase um assombro.
Alguém
já disse que foi pelo assombro que o homem começou a filosofar, mas, isto,
outra história. Acontece que, antigamente, as imagens em movimento somente eram
possíveis de ser contempladas no escurinho das salas exibidoras, havendo, para
isso, de se pagar um ingresso. A televisão, naquela época, era muito ruim em
termos de imagem.
Assim,
havia duas características no que diz respeito à psicologia da recepção: a
inacessibilidade e a impossibilidade de o espectador intervir na temporalidade.
Na primeira, quando dentro do cinema, e sala enorme, com quase dois mil
lugares, verdadeiros palácios, a imagem que se via na tela era algo mágico,
inacessível. Lembro-me que havia um senhor que vendia fotogramas de filmes na
Praça da Piedade (aqui em Salvador), e que também oferecia para compra uma lata
que, devidamente furada, continha, em uma de suas extremidades, uma lente de
óculos que permitia ver os fotogramas com mais nitidez do que a olho nu.
Se
um determinado filme era exibido e, por acaso, estivesse doente ou viajando,
retirado de cartaz, podia perdê-lo para sempre, excetuando-se os grandes
sucessos que sempre eram recolocados. E, na segunda característica, a
impossibilidade de intervenção na temporalidade. Projetado o filme, este se
desenrolava na tela – ou no écran, como se dizia então, e ninguém
podia pará-lo, retrocedê-lo, avançá-lo, salvo se entrasse na cabine de projeção
e, revólver em punho, ameaçasse o operador.
Mas
a inacessibilidade e a temporalidade se tornaram favas contadas com o
surgimento do VHS e do DVD. Há, inclusive, creio, uma perda da aura cinematográfica.
Se os disquinhos funcionam como o resgate do cinema, por outro lado, no
entanto, perdeu-se a magia do espetáculo, visto em comunhão numa platéia. O
indivíduo hoje já nasce vendo imagens em movimento e, por isso, elas se
tornaram vulgares no sentido de corriqueiras.
Quando
me contaram que, nos Estados Unidos, inventaram um aparelho pelo qual se podia
ver filmes, que ficavam dentro de uma caixinha, não acreditei. Era o vídeo que
então estava inventado e restrito ao território de Tio Sam. Precisei, como São
Thomé, ver para crer, o que aconteceu em torno da metade dos anos 80, quando
comprei o meu primeiro aparelho de VHS, um Sharp, que me deu muito trabalho de
sintonizar. E as cópias eram péssimas. Precisou-se esperar que o DVD surgisse
para que o cinema recebesse uma punhalada nas costas (na região pulmonar).
E
atualmente ir ao cinema é entrar num festim diabólico onde reinam as pipocas,
as conversinhas fora de hora, os celulares que, atendidos, infernizam o
espectador que queira contemplar o filme. O público de cinema, no Brasil, pelo
menos, se tornou uma espécie de patuléia desvairada. Repito sempre que o ir
ao cinema hoje é uma das fases do shoppear. Não se vai
mais ao cinema, esta a verdade, mas aos shoppings. Até mesmo nas salas ditas
alternativas o público se comporta com apatia e as pessoas gostam mais de
aparecer, porque, na sua grande maioria, pseudo-cinéfilos, pseudo-intelectuais.
Mas vou contar uma história.
Corria
o ano de 1973. Estava no Rio de Janeiro a passar as férias de julho. O jornal
da época era o Jornal do Brasil, com seu excelente Caderno B.
Neste, tomei conhecimento que Ladrões de bicicleta ia ser
exibido na Cinemateca do Museu de Arte Moderna numa única sessão pela tarde.
Conhecia muitos filmes, nesta ocasião pré-vídeo, de ouvi dizer e de leitura,
alguns importantes com muitas informações. Era o caso de Ladri di
biciclette, de Vittorio De Sica, que nunca tinha visto por falta de
oportunidade e, também, porque nunca foi exibido em Salvador durante o meu
itinerário existencial (depois passou algumas vezes). Assim, fiquei a postos,
esperando o horário, com certa expectativa, aliás, que não tenho mais para
quase nada. Chovia fino. Entrei na sala da saudosa Cinemateca. Mas, quando saí,
um toró se abateu sobre a cidade, que ficou completamente engarrafada. Difícil
pegar um táxi. Depois de algum padecimento embaixo da marquise do museu,
resolvi ir andando do Flamengo, onde fica este, até Laranjeiras, onde estava
hospedado. Cheguei encharcado e, no outro dia, com febre alta, ameaçado de
pneumonia. Mas estava feliz por ter visto Ladri di biciclette.
Atualmente, tenho-o em VHS e DVD, que fica guardado, parado.
Não
seria mais possível um sacrifício tal para ver um filme. Tenho um amigo, por
exemplo, que ia sempre a Paris para se meter na Cinematheque Française e
ficar o dia todo vendo obras clássicas. Hoje tem um home theater em
sua casa e há anos que não viaja. Viajava somente para ver filmes.
A
cinefilia, como se praticava antigamente, está morta, e bem enterrada