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25 julho 2007

A personificação da ressaca



Quem lê este blog já deve saber que sou apreciador de uma cervejinha. O que gosto mesmo é do chopinho carioca, mas, aqui, nesta soterópolis, é muito difícil encontrar um chopp que preste. Fica-se na cerveja. A que mais aprecio é a Heineken naquelas garrafinhas verdes long-neck, mas geralmente não são encontradas pelos bares da vida. Há também a Calsberg. Á Brahma já foi uma grande cerveja. Hoje não presta. A decadência também se reflete nas cervejas por incrível que pareça.

Mas me perguntaram outro dia o que acho da ressaca. A ressaca é suportável se você sabe dirigi-la. Mas encontrei a expressão perfeita e acabada, cuspida e escarrada, da ressaca. A personficação da própria ressaca, encontrei-a na foto de um amigo, jornalista, Mestre em Comunicação, crítico de cinema bissexto, que se chama Sandro Santana. Não sei que momento de inspiração estava a pessoa que tirou a foto de Sandro - uma moça - ao acordar depois de ter tomado todas as cervejas de um bar e ter fumado vários maços de cigarro. A foto que ilustra a postagem, uma obra-prima, mostra o momento no qual Sandro, após la notte brava, acorda para a fotógrafa, que o surpreende nesse momento de extrema e dolorosa ressaca. Está quase que totalmente verde.

23 julho 2007

"Cahiers du Cinema" on line


Embora a revista Cahiers du Cinema não seja mais a mesma dos anos 50 e 60, quando ditava regras e era a bíblia dos cinéfilos, e tinha, entre seus redatores, nomes como François Truffaut, Jacques Rivette, Eric Rohmer, Claude Chabrol, Godard, entre tantos outros, a publicação continua de vento em popa e pode ser acessada e lida on line no link que se segue: http://www.cahiersducinema.com/
A capa da revista do mês apresenta Juliette Binoche, musa dos cinéfilos, de gregos e troianos, mas, idiossincrasia minha, sei-a, não tenho muita admiração nem muito menos a paixão que vejo, por ela, nos outros. Apaixonado sou, sim, por Irene Jacob, que está maravilhosa, entre outros filmes, em A fraternidade é vermelha, de Kieslowski, cineasta que quanto mais revejo mais admiro pela sua profunda constatação do mal estar da civilização e sua percepção da falta de perspectiva do homem, abandonado no mundo à sua própria sorte.
Mas ainda Resnais: onde se pode ver La vie est um roman e L'amor à mort, e Pas sur la boche, filmes inéditos no Brasil e que - creio - não podem ser encontrados em DVD?

Sem pipoca e guaraná



O artigo que se segue não é meu, mas de Boris Fausto, que, publicado no Mais! da Folha de S.Paulo há coisa de um ano, arquivei-o por achá-lo informativo e muito interessante. Peço licença à Folha, se é que o pedido vale assim feito num blog, mas, movido pela coragem dos fracos, vou publicá-lo. Se a Folha quiser me processar, que poderei fazer já que nada tenho e sigo a filosofia de Diógenes, quando disse, refletindo, que o homem somente deve possuir aquilo que pode carregar com as mãos. De qualquer forma, historiador que é, não pensei que Boris Fausto tivesse a vivência cinematográfica que aqui demonstra. Vamos logo ao artigo, portanto, nesta segunda-feia, que se dizia, antigamente, ser 'dia de branco', início da semana, dia de batente, começo de rotina.
"Na cidade relativamente provinciana que era a São Paulo dos anos 50 do século passado, despontavam algumas atividades culturais significativas. É o caso do cinema, que tinha como seu pólo mais significativo a Cinemateca Brasileira, até hoje em pleno funcionamento. É justo lembrar que a cinemateca teve um antecedente ilustre -o "Clube de Cinema", organizado por nomes da qualidade de Paulo Emílio Salles Gomes e Décio de Almeida Prado. O grupo acabou sendo perseguido pelo Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP), órgão do Estado Novo, e teve de encerrar suas atividades, como menciona matéria da "Ilustrada", em 24/4 (leia em www.folha.com.br/061241), a propósito dos 60 anos de existência da cinemateca.
Aqui, recordo uma fase da instituição, quando ela foi sediada numa pequena sala, em um edifício da rua Sete de Abril, no centro da cidade, num tempo em que o centro ainda congregava o que havia de vida noturna de São Paulo. Na salinha da cinemateca, muito abafada nas noites de verão -ninguém imaginaria colocar ali um barulhento aparelho de ar condicionado-, um pequeno grupo, composto sobretudo de jovens, pôde assistir a uma série de filmes que ia das primeiras experiências de Georges Méliès (1861-1938) aos mais recentes daquela época, geralmente não exibidos no circuito comercial.

Duas tendências
Quase sempre, as exibições eram precedidas por uma apresentação e discussões acerca do que se ia ver. Duas tendências principais se digladiavam, com uma paixão que se traduzia na intensidade verbal. Embutida na disputa, estava a renitente discussão sobre conteúdo e forma na obra de arte, que se desdobrava em posições de engajamento e purismo.

Os ícones das duas tendências eram o italiano Paulo Giolli e Rubem Biáfora, ambos acompanhados dos respectivos séquitos, reciprocamente infensos a qualquer compromisso com a tendência oposta. Giolli, que promoveu festivais de cinema em São Paulo, entre outras atividades, era um defensor irrestrito do neo-realismo italiano posterior à Segunda Guerra.

Figuras do porte de Vittorio de Sica (1901-74) e Roberto Rossellini (1906-77) romperam com os cânones de Hollywood, em filmes como "Paisà" (1946), "Roma, Cidade Aberta" (1945, ambos de Rossellini) e "Ladrões de Bicicleta" (1948, de De Sica), e nos introduziram num mundo nada glamouroso, embora às vezes pintado com cores edificantes.

Ódio aos "Cahiers"
Biáfora, bem mais lembrado, era um personagem peculiar, baixinho, magro, de voz rouca, características físicas que contrastavam com a veemência com que defendia suas idéias. Leitor das revistas estrangeiras sobre cinema, odiava os "Cahiers du Cinéma", publicados na França, com a mesma pertinácia com que exaltava a inglesa "Sight and Sound". Apesar de me sentir politicamente mais afinado com Giolli, pouco aprendi com ele. Seu encantamento com o neo-realismo italiano, execrado por Biáfora, correspondia também ao que eu sentia, mas pouco acrescentava à compreensão de uma obra cinematográfica. Já Biáfora abria um caminho novo na percepção dos filmes, com sua insistência no ritmo introduzido pela montagem, na qualidade da fotografia, assinada por nomes que não ficavam no anonimato, no papel do diretor na interpretação dos atores.

É certo que ele não era um um nome isolado da crítica cinematográfica, em que nos anos 40 e 50 brilharam figuras como Paulo Emílio, Almeida Salles, Moniz Vianna, Alex Vianny, os dois últimos com fortes diferenças entre si. Mas as opiniões muitas vezes insólitas de Biáfora despertavam um interesse especial nos jovens que não aderiam com o fervor dos crentes a uma das duas tendências. Quantas vezes eu e alguns amigos fomos a cinemas como o Sammarone, no bairro do Ipiranga, o Soberano e outros mais para ver filmes classe B ou C em que Biáfora enxergava maravilhas.

Quantas vezes saímos do cinema decepcionados, depois de um longo e inútil esforço para entender as qualidades ocultas de certos filmes que só Biáfora e sua gente conseguiam enxergar.

Mas quem sabe descobriria hoje, por exemplo, as virtudes de um diretor de caubóis modestos como Ray Nazarro, montado em seu cavalo branco, cujos méritos, se existentes, na época nunca pude vislumbrar. De qualquer forma, foi Biáfora quem abriu meus olhos para a qualidade dos musicais da Metro, esse típico produto hollywoodiano.

Não se tratava de uma generalização, pois os musicais recomendados eram principalmente os produzidos por Arthur Freed e dirigidos por Vincente Minnelli. Mais ainda, Biáfora ressaltou, na salinha da cinemateca, uma figura de outro produtor, responsável por um gênero bem diverso dos musicais -Val Lewton, nascido na Rússia, cujo quase desconhecido nome verdadeiro era Vladimir Leventon. Val Lewton foi contratado pela RKO, nos anos 40, para produzir filmes de terror, com orçamentos bastante restritos. Ele reuniu a sua volta um diretor já conhecido, Jacques Tourneur, e outros que se tornariam famosos, a exemplo de Robert Wise e Mark Robson.

Luzes e sombras
Daí nasceram filmes da qualidade de "Sangue de Pantera" ("Cat People", 1942), interpretado pela sedutora mulher-pantera Simone Simon, "A Morta-Viva" ("I Walked with a Zombie", 1943), ou "A Maldição do Sangue de Pantera" ("Curse of the Cat People", 1944). São filmes sem efeitos especiais, em preto-e-branco, com um rendimento excepcional de luz e sombra. Neles, revela-se uma grande sofisticação, inclusive pelas alusões literárias, pela atmosfera de uma difusa melancolia, pelas cenas de terror em que o sugerido é mais denso do que o explicitado. Vale a pena, aliás, ver ou rever essas obras, que estão saindo num pacote em DVD nos Estados Unidos [Val Lewton Horror Collection, Warner, US$ 48, R$ 110]. Seria excessivo dizer que hoje já não se fazem bons filmes, mas não é excessivo dizer que já não se fazem filmes como antigamente. Além disso, no plano local, foi-se para sempre o clima cinematográfico de meados do anos 50, das grandes descobertas, dos debates apaixonados, tão bem expresso na salinha da Cinemateca Brasileira -salinha que era um templo de cultura, onde ninguém imaginaria penetrar com latas de Coca-Cola ou sacos barulhentos de pipoca.
BORIS FAUSTO é historiador e preside o conselho acadêmico do Gacint (Grupo de Conjuntura Internacional), da USP, e autor de "A Revolução de 1930" (Cia. das Letras). Ele escreve mensalmente na seção "Autores", do Mais!.

22 julho 2007

Introdução ao Cinema (5)


Domingo é dia da introdução ao cinema, embora isso não implique que não possam haver outras postagens. O fato é que, embora a morar na Bahia, detesto praia. A última vez que fui à praia data de trinta anos atrás, e fui por causa de uma namorada, que me obrigou a ir, ainda que irritado. Mas lá chegando, lembro-me bem, ao invés de ficar deitado na areia, postei-me, isto sim, debaixo de uma barraca e bebi a cerveja suficiente para o meu bem estar na época. A foto ao lado mostra Maria Schneider e Jack Nicholson no grande filme de Antonioni que vai citado no texto abaixo. Mas que não se perca tempo com firulas.
É fundamental insistir que a câmera intervém no plano da conotação sem, porém, modificar o plano da denotação. O exemplo do filme de Claude Chabrol, O Açougueiro, é cristalino nesse sentido. Assim, mesmo quando a discreta sugestão da câmera não é apreendida pelo espectador, o desenvolvimento da narrativa não se perturba, pois prossegue seu caminho ao abrigo de qualquer tipo de imprevistos, salvo a surpresa provocada pela habitual reviravolta final. E a surpresa, diga-se aqui, será tanto maior quanto menor tiver sido a atenção prestada pelo espectador aos sinais premonitórios lançados pela câmera através de seus movimentos alusivos. Se a narrativa lança sinais premonitórios, o espectador, porém, que, somente atento à fábula (a história, a trama) não percebe o discurso cinematográfico, tem uma surpresa, por assim dizer, maior do que o espectador mais atento ao desenvolvimento da narrativa paralela ao da fábula. Por outro lado, este último tem a possibilidade de contemplação da poética cinematográfica e de sua especificidade lingüística.

Nem sempre, no entanto, os movimentos de câmera são bem escondidos, ou, se se quiser, efetuados "nos bicos dos pés", pois há casos em que os movimentos, por evidentes, explícitos, eliminam o interesse pelo próprio desenrolar da narrativa. Em O Passageiro, Profissão Repórter (Professione Reporte, 1975), de Michelangelo Antonioni, quando o protagonista - que, sabe-se, tem a intenção de morrer - se estende sobre o leito do quarto do hotel onde está hospedado, aguardando o momento fatal, a câmera afasta-se gradualmente dele, dirigindo-se num lentíssimo travelling para o exterior do local, onde, de resto, não acontece nada de particular. Somente quando a câmera volta a trazer o espectador por uma via diferente para o interior do quarto, é que é dado se ver o corpo do homem sobre o leito já sem vida, morto. Neste caso, a morte do protagonista (interpretado por Jack Nicholson), em vez de ser mostrada de maneira direta, é sugerida pelo lento movimento que exprime, precisamente, o afastamento definitivo do homem em relação à vida.

A tensão criada por este efeito é, de longe, superior à que poderia produzir, por exemplo, a visão do homem moribundo em primeiro plano. Nos filmes dos grandes autores, como Michelangelo Antonioni - ver em Das Obras-Primas do Cinema uma análise de A Noite, Alfred Hitchcock, etc, a narrativa tem prepoderância sobre a fábula e, nestes casos, "é a câmera quem fala".

Por outro lado, a câmera pode optar por espiar as personagens desde o primeiro plano, seguindo-as silenciosa nas suas deslocações espaciais ao longo de toda a duração dos acontecimentos. Em Acossado, na seqüência que precede a traição final, a protagonista deambula no quarto onde acabou de dormir com o jovem procurado (ela, Jean Seberg, ele, Jean-Paul Belmondo) pela polícia e interroga-se em voz alta sobre a decisão a tomar. A câmera segue-lhe o vaivém até que ela abandona o local sob o pretexto de ir comprar leite. O comportamento ambivalente desta mulher tem sua significação pela oscilação da câmera.

Como se vê, quando a câmera se movimenta nunca o faz de uma maneira indiferente. As suas deslocações nas várias direções possíveis não correspondem a uma simples exigência de clareza ilustrativa, pois para a conseguir o travelling e a grua não são imprescindíveis. Estes correspondem exclusivamente ao nível da escrita fílmica, pois intervêm sobre o como e não sobre o objeto da representação. É certo que certos cineastas fazem um uso indiscriminado dos movimentos de câmera, principalmente do travelling, em função de alcançar efeitos espetaculares. Mesmo nestes casos, no entanto, nada impede que os movimentos de câmera se remetam para algo que se situa para além do conteúdo de determinado plano. Pense-se nos numerosos westerns em que a elevada mobilidade da câmera tem por único objetivo recriar por dentro o envolvimento homem-ambiente tão importante para a definição estilística do gênero correspondente. A função designativa assume papel de primordial importância. No entanto, quem poderá negar que a diferença que separa o modo como Anthony Mann faz mover a câmera daquele que é utilizado por John Ford é a mesma que separa duas visões diferentes do mundo?
O travelling, já disse Jean-Luc Godard, é uma questão de moral. O que evidencia, no cineasta de Acossado, que este movimento de câmera é revelador da personalidade de um cineasta, mostrando um ponto de vista específico. Bela Balazs, teórico húngaro do cinema, tem razão quando escreve que na telas do cinema, como no domínio da pintura, o fator determinante é a síntese entre a realidade objetiva e a personalidade subjetiva do artista. Esta personalidade se manifesta pelo enquadramento e pela escolha de um dado plano. Cada ângulo de tomada implica uma posição afetiva ou intelectual. É, pois, impossível, uma objetividade absoluta no filme. Tudo é ressonância pessoal que se é levado a compartilhar. A câmera pode, portanto, deslocar-se para trás e para adiante não tanto à procura de coisas interessantes para contar, mas à procura de um modo interessante de se as contar. O que é mais que uma diferença. E pode fazê-la conduzir por outrem (o travelling) ou sozinha (o zoom). Além disso, pode erguer-se em direção do céu e descer rente ao chão, consoante decida observar o mundo de cima ou de baixo. E a sua mobilidade não se esgota aqui. Pode a câmera também olhar em volta, isto é, efetuar movimentos panorâmicos através de rotações sobre o próprio eixo.