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28 fevereiro 2008

Não há cidades para homens velhos

Antes de comentar Onde os fracos não têm vez, e ainda a lembrar a festa do Oscar, uma grande decepção foi o apresentador Jon Stewart (aliás não sei nem de quem se trata). Concordo com a opinião do Comodoro expressa em artigo para a Folha de S.Paulo, quando diz que o apresentador do Oscar é muito importante para o êxito da festa. E um medíocre como Jon Stewart somente contribui para acabar com o espetáculo. Gostava do Billy Cristal que era, realmente, espirituoso e engraçado.
Eleito pela Associação dos Críticos Cinematográficos dos Estados Unidos como o melhor filme de 2007 (aqui no Brasil, lançado em 2008, será, provavelmente o deste ano, ou Sangue negro, de Paul Thomas Anderson)), e o grande vencedor da festa do Oscar, Onde os fracos não têm vez (No country for old men), de Joel e Ethan Coen, reafirma, mais uma vez, a condição destes de grandes realizadores cinematográficos num momento de crise aguda para a invenção e a criação da arte do filme. A indústria cultural hollywoodiana expõe, a cada semana, uma produção sistemática de lixo, mas, apesar de tudo, ainda resta a esperança de poder encontrar na tela grande um filme dos irmãos Coen, ou um filme de Paul Thomas Anderson, ou um exemplar da lavra de um Clint Eastwwod. Seria o caso de se dizer: pérolas ainda podem ser encontradas no lamaçal fílmico da contemporaneidade. E No country for old men é uma pérola.

Este décimo-segundo longa de Joel e Ethan Coen está a disputar oito indicações para o Oscar, incluindo filme e direção. Baseado em romance de Cormac McCarthy, Onde os fracos não têm vez faz referência, no título, a um lugar onde poucos são aqueles que conseguem envelhecer, e muitos os que, por causa da extremada violência, encontram a morte ainda jovens. Daí porque "no country for old men". Achei muito acertado o final repentino que, inclusive, surpreende os desatentos, que, atônitos, ficam mais atônitos ainda com a subida dos créditos. Vale notar, também, a maestria dos irmãos na utilização do silêncio e dos ruídos.

Poucos os filmes desta chamada contemporaneidade que conseguem me entusiasmar, como ocorria, quase sempre, no passado. Considerando que é do assombro que nasce o pensar, a visão de No country for old men deixa, no espectador, um impacto capaz de lho acompanhar muito tempo depois da saída da sala exibidora. A raridade do acontecimento faz com que este filme seja uma obra de visão obrigatória para todos aqueles que ainda gostam do bom cinema - e não do cinema que aí está no mercado. O bom cinema de um tempo que o vento levou. Assim, o filme de Joel e Ethan Coen quase que faz redimir a cinematografia contemporânea acusada de não fazer mais nada que preste.

A ação se localiza em 1980, o que se poderia dizer que se trata de um western anacrônico. Um homem desiludido com a sua condição existencial (Josh Brolin), encontra, no deserto, paisagem árida (bem explorada pela luz pungente de Roger Deakins, iluminador constante na filmografia dos cineastas), uma valise a conter milhões de dólares. A sorte, porém, lhe será madrasta, pois passa a ser perseguido por um psicopata assassino (interpretação inexcedível do espanhol Javier Bardem), que mata como se joga cara ou coroa, sem nenhum vestígio de contração emocional. E, além do mais, a caça ao homem se faz dupla quando entra na jogada o xerife local (Tommy Lee Jones, a se destacar como um dos maiores atores do cinema americano atual).

O cinema é que tem vez nos filmes de Joel e Ethan Coen. É a partir da articulação dos elementos da linguagem cinematográfica (nunca é demais repetir) que se estabelece a produção de sentidos nas suas brilhantes "mises-en-scènes". Um movimento de câmera a perscrutar a geometria da ação, os planos de detalhes que transformam os objetos retratados em elementos da fabulação, o silêncio como transformador estético da atmosfera e da criação de clima. Realizadores que procuram fazer uma revisão e uma reflexão do cinema de gênero, encontram-se sempre a oferecer uma leitura nova, a provocar, com a narrativa, o sentimento da emoção e da estesia. Nunca meros fabuladores, contadores de histórias, mas realizadores que procuram, através destas, o enunciado, o princípio do cinema, e, por extensão, da "mise-en-scène" criadora. Importante se observar o comportamento da câmera em relação ao comportamento dos personagens em ação. A fábula aqui, em Onde os fracos não têm vez, assim como nos seus outros filmes, é um pretexto, por assim dizer para a emergência narrativa.

Desde o primeiro longa dos fratelli Coen, uma revisão do film noir, Gosto de sangue (Blood simple, 1984), um estilo revelador, o surgimento, na condução da trama via procedimentos específicos do cinema, da “alta tensão” de seus silêncios, de suas pausas. A seguir, uma outra forma de expressão, a da “screwball comedy”, em Arizona, nunca mais (Raising Arizona, 1987), com seus planos-seqüências devastadores a fazer reviver os bons tempos da comédia americana. Três anos se passaram até o surgimento de uma homenagem aos filmes de gangsteres: Ajuste final (Miller’s crossing, 1990). Já um estilo “desenhado”, já uma maneira particular de expressão cinematográfica que viria a se cristaliza em Barton Fink (1991), uma metaficção, um filme inesperado e asfixiante dotado de síndromes inovadoras e surtos irônicos e insólitos.

Tenho particular admiração por um Coen menos celebrado: Na roda da fortuna (The Hudsucker proxy, 1994), um Capra redivivo com salpicos de Billy Wilder. Toda uma tradição de um específico gênero cinematográfico realizado com engenho e arte e graça insuperável. Mas em 1995 apareceu Fargo para a consagração definitiva (como não estivessem já consagrados) dos irmãos Coen. E mais, muito mais.

André Bazin escreveu certa ocasião: “Quanto mais fácil for se contar, pela narrativa oral, um filme, menos cinematográfico ele é; quanto mais difícil for se contar um filme, pela narrativa oral, mais cinematográfico ele é”.

Onde os fracos não têm vez é cinema puro. E, portanto, difícil de ser contado.

2 comentários:

Saymon Nascimento disse...

Eu discordo quanto ao apresentador. Ele não é tão bom quanto Billy Crystal, mas é melhor que Whoopi Goldberg, Steve Martin, Chris Rock e Ellen DeGeneres, que apresentou ano passado. Jon Stewart apresenta o Oscar pela segunda vez. Na primeira, ano em que outra jóia do cinema americano recente como Brokeback Mountain foi derrotado pela novela mexicana Crash, Stewart fez uma piada antológica. Naquele ano, uma banda de rap chamada Three 6 Mafia venceu o Oscar de melhor canção. Stewart, implacável: "para vocês que atualizam o placar, Three 6 Mafia, 1, Martin Scorsese, 0". Fez piadas boas esse ano, principalmente as políticas: "Toda vez que uma mulher ou um negro é presidente nos filmes, é sinal de que um asteróide vai bater na Terra", piada com Barack Obama e Hillary Clinton.

Quanto ao filme, vc já sabe o que eu penso. É uma obra-prima, e basta. Meu Coen preferido, junto com Barton Fink.

Jonga Olivieri disse...

Ainda não vi o filme dos irmãos Coen, Pretendo assitir na semana que vem. Gosto demais deles. Acho "Fargo" uma obra prima.
Quanto à apresentação do Oscar, é meio difícil aquilo ser um espetáculo que fale com a gente. É ianque demais. Na cafonice, no luxo "noveau riche", em suam, na ostentação mesmo.
Como já referi anteriormente, prefiro mil vezes assistir a entrega dos prêmios em Cannes.
Europerus são outro departamento.
hehehe