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12 outubro 2013

Genial comédia de Frank Tashlin

Assim como Richard Quine, Frank Tashlin é um comediógrafo com lances geniais no cinema americano da década de 50. Em muitos de seus filmes, tem sua inspiração nos cartoons. Avant la lettre praticou a metalinguagem com uma espirituosa dose de sátira. Seu melhor trabalho talvez esteja em Em busca de um homem (título mal colocado para o original  Will Success Spoil Rock Hunter?, 1957, com Tony Randal e Jayne Mansfield), que antecede Se meu apartamento falasse (The apartment, 1960), de Billy Wilder. Outros filmes do cineastas podem lhe dar a dimensão devida: Artistas e modelos (Artists and Models, 1955), com Jerry Lewis (dirigiu muitos filmes deste comediante {Errado para cachorro, O rei dos mágicos, Ou vai ou racha, Bancando a ama-seca, Cinderelo sem sapatos etc) é considerado por Lewis o seu mestre na elaboração da gag), O homem do Diner's Club ( The man from the Diners' Club, 1963, entre muitos outros. 

Assista aqui em versão completa do extraordinário Sabes o que quero (The girl can't help it, 1955), com Edmond O'Brien, Tom Ewell, e Jayne Mansfield. Um gangster contrata um agente de imprensa para fazer a sua namorada loira bombshell uma cantora dando a ela um prazo mínimo de  em 6 semanas. Mas o que é que ele vai fazer quando descobrir que ela não tem talento? E o que vai acontecer quando os dois se apaixonam?


08 outubro 2013

A produção de sentidos via montagem

A chama montagem ideológica ou intelectual é uma operação com um objetivo mais ou menos descritivo que consiste em aproximar planos a fim de comunicar um ponto de vista, um sentimento ou um conteúdo ideológico ao espectador. Eisenstein escreveu na justificativa de sua montagem de atrações: "uma vez reunidos, dois fragmentos de filme de qualquer tipo combinam-se inevitavelmente em um novo conceito, em uma nova qualidade, que nasce, justamente, de sua justaposição (...) A montagem é a arte de exprimir ou dar significado através da relação de dois planos justapostos, de tal forma que esta justaposição dê origem à idéia ou exprima algo que não exista em nenhum dos dois planos separadamente. O conjunto é superior à soma das partes".

Amparado nestes ditos de Eisenstein, há de se ver que, no cinema, como em quase todos os ramos das ciências, quando se reúne elementos (no sentido amplo) para obter um resultado, este é freqüentemente diferente daquele que se esperava: é o fenômeno dito de emergência. Aprende-se, por exemplo, em biologia, que pai e mãe misturam seu patrimônio hereditário para criar uma terceira personagem não pela soma desses dois patrimônios, mas, ao contrário, pela combinação deles em um novo patrimônio inédito. Em química, sabe-se ser possível misturar dois elementos em quaisquer proporções, mas não é possível combiná-los verdadeiramente em um corpo novo se não tem proporções perfeitamente definidas (Lavoisier). Da mesma forma, na montagem de um filme, os planos só podem ser reunidos numa relação harmoniosa.

A montagem ideológica consiste em dar da realidade uma visão reconstruída intelectualmente. É preciso não somente olhar, mas examinar, não somente ver, mas conceber, não somente tomar conhecimento, mas compreender. A montagem é, então, um novo método, descoberto e cultivado pela sétima arte, para precisar e evidenciar todas as ligações, exteriores ou interiores, que existem na realidade dos acontecimentos diversos.

A montagem pode, assim, criar ou evidenciar relações puramente intelectuais, conceituais, de valor simbólico: relações de tempo, de lugar, de causa, e de conseqüência. Pode fazer um paralelo entre operários fuzilados e animais degolados, como, por exemplo, em
 A Greve (1924), de Eisenstein. As ligações , sutis, podem não atingir o espectador. Eis, aqui, um exemplo da aproximação simbólica por paralelismo entre uma manifestação operária em São Petersburgo e uma delegação de trabalhadores que vai pedir ao seu patrão a assinatura de uma pauta de reivindicações (exemplo extraído do filme Montanhas de ouro, do soviético Serge Youtkévitch).

- os operários diante do patrão
- os manifestantes diante do oficial de polícia
- o patrão com a caneta na mão
- o oficial ergue a mão para dar ordem de atirar
- uma gota de tinta cai na folha de reivindicações
- o oficial abaixa a mão; salva de tiros; um manifestante tomba.

A experiência de Kulechov demonstra o papel criador da montagem: um primeiro plano de Ivan Mosjukine, voluntariamente inexpressivo, era relacionado a um prato de sopa fumegante, um revólver, um caixão de criança e uma cena erótica. Quando se projetava a seqüência diante de espectadores desprevenidos, o rosto de Mosjukine passava a exprimir a fome, o medo, a tristeza ou o desejo. Outras montagens célebres podem ser assimiladas ao efeito Kulechov: a montagem dos três leões de pedra - o primeiro adormecido, o segundo acordado, o terceiro erguido - que, justapostos, formam apenas um, rugindo e revoltado (em
 O Encouraçado Potemkin, 1925, de Eisenstein); ou ainda a da estátua do czar Alexandre III que, demolida, reconstitui-se, simbolizando assim a reviravolta da situação política (em Outubro).

O que Kulechov entendia por montagem se assemelha à concepção do pioneiro David Wark Griffith, argumentando que a base da arte do filme está na edição (ou montagem) e que um filme se constrói a partir de tiras individuais de celulóide. Pudovkin, outro teórico da escola soviética dos anos 20, pesquisou sobre o significado da combinação de duas tomadas diferentes dentro de um mesmo contexto narrativo. Por exemplo, em Tol'able David (1921), de Henry King, um vagabundo entra numa casa, vê um gato e, incontinente, atira nele uma pedra. Pudovkin lê esta cena da seguinte forma: vagabundo + gato = sádico. Para Eisenstein, Pudovkin não está lendo - ou compreendendo o significado - de maneira correta, porque, segundo o autor de
 A Greve a equação não é A + B, mas A x B, ou, melhor, não se trata de A + B = C, porém, a rigor, A x B = Y. Eisenstein considerava que as tomadas devem sempre conflitar, nunca, todavia, unir-se, justapor-se. Assim, para o criador da montagem de atrações, o realizador cinematográfico não deve combinar tomadas ou alterná-las, mas fazer com que as tomadas se choquem: A x B = Y, que é igual a raposa + homem de negócios = astúcia. Em Tol'able David, quando Henry King corta do vagabundo ao gato, tanto o primeiro como o segundo figuram proeminentemente na mesma cena. Em A Greve ( Strike ), quando Eisenstein justapõe o rosto de um homem e a imagem de uma raposa (que não é parte integrante da cena da mesma forma que o gato o é em Tol'able David, porque, para King, o gato é um personagem),esta é uma metáfora.

Em
 Estamos construindo (Zuyderzee, 1930), de Jori Ivens, várias tomadas mostram a destruição de cereais (trigo incendiado ou jogado no mar) durante o débacle de 1929 da Bolsa de Valores de Nova York, a depressão que marcou o século XX. Enquanto apresenta os planos de destruição de cereais, o realizador alterna -os com o plano singelo de uma criança faminta. Neste caso, o cineasta, fotografando uma realidade, recorta uma determinada significação. Os planos fotografados por Jori Ivens podem ser retirados da realidade circundante, mas é a montagem quem lhes dá um sentido, uma significação. Os cineastas soviéticos, como Serguei Eisenstein e Pudovkin, procuravam maximizar o efeito do choque que a imagem é capaz de produzir a serviço de uma causa.

Considerada a expressão máxima da arte do filme, a montagem, entretanto, vem a ser questionada na sua supremacia como elemento determinante da linguagem cinematográfica com a introdução - em fins dos anos 30 - das objetivas com foco curto que permitiu melhorar as filmagens contínuas - a câmera circulando dentro do plano - com uma potenciação de todos os elementos da cena e com um tal rendimento da profundidade de campo (vide
 Cidadão Kane (1941), de Orson Welles, Os melhores anos de nossas vidas, 46, de William Wyler) que possibilitou tomadas contínuas a dispensar os excessivos fracionamentos da decupagem clássica. A tecnologia influi bastante na evolução da linguagem fílmica, dando, com o seu avanço, novas configurações que modificam o estatuto da narração - o próprio primeiro plano - o close up - tão exaltado por Bela Balazs como "um mergulho na alma humana" - com o advento das lentes mais aperfeiçoadas já se encontra, esteticamente, com sua expressão mais abrangente e menos restrita. Tem-se, como exemplo, as faces enrugadas e pavorosas de David Bowie em Fome de Viver/The Hunger, 1983, de Tony Scott, com Catherine Deneuve e Susan Sarandon.

06 outubro 2013

Notas ligeiras sobre Blake Edwards


Quem, se cinéfilo for, não se lembra dos desenhos animados das aberturas da série A pantera cor-de-rosa (The pink panther), com a partitura do maestro Henry Mancini? Último grande comediógrafo do cinema americano, com o desaparecimento de Edwards, a comédia requintada, elegante, ou com as loucuras do Inspetor Clouseau, deixa de existir. A bem da verdade, no entanto, há mais de 15 anos que Blake Edwards pendurou as chuteiras. Em 2004, ganhou um Oscar honorário pelo conjunto de sua obra, e, ao receber, foi ao palco conduzido por uma cadeira de rodas automática que andava em alta velocidade - como fosse mais uma gag delirante de seus filmes. Era casado desde novembro de 1969, há mais de trinta anos, portanto, com a excepcional atriz e cantora Julie Andrews, que dispensa apresentação.

A pantera cor-de-rosa tinha em Peter Sellers a sua mola propulsora a tal ponto que se poderia dizer que ele era quase co-autor dos filmes. Sellers era inexcedível na pele do desastrado Inspetor Clouseau. Insubstituível. Mas a indústria cultural hollywoodiana ainda teve a coragem de fazer uma ou duas refilmagens de A pantera cor-de-rosa, com Steve Martin (sim, é um bom comediante, mas não se pode substituir Sellers no personagem). Pior ainda fez o próprio Blake Edwards que, em seu último filme (melhor não o tivesse feito), nos anos 90, contratou o italiano Roberto (A vida é bela) Benigni para O filho da pantera cor-de-rosa, uma lástima em todos os sentidos.

Blake Edwards tem uma carreira versátil, embora seja mais conhecido como comediógrafo. Mas, em sua extensa filmografia, tem, além de comédias, thrillers (Peter Gunn, Escravas do medo/Experiment in terror), aventuras burlescas em ritmo de cartoon (A corrida do século/The great race), melodramas (As sementes do Tamarindo/The tamarindo seed), dramas pungentes (Vício maldito/Days of the wine and roses), western (Os dois indomáveis/Wild rovers, com William Holden e Ryan O'Neil), entre outros.

Nasceu em Tulsa (Oklahoma), descendente de pessoas ligadas ao teatro, foi colaborador de Richard Quine, príncipe da sofisticação e do requinte, com o qual aprendeu a arte de introduzir a finesse nos seus filmes. O ano de nascimento: 1922, mas somente começou a dirigir em 1955, já com 33 anos (Bring your smile along 0 que, parece, é inédito no Brasil).

A extensão de sua ficha filmográfica não permite que se coloque, aqui, todos os títulos. Vejamos os mais interessantesalguns inesquecíveis. Como Bonequinha de luxo (Breakfast at Tiffany's, 1961), uma adaptação do livro de Truman Capote sobre uma garota de programa novaiorquina que está prestes a se casar com um milionário, mas que se apaixona por seu vizinho (George Peppard). Mas ele é um escritor pobre e ela, fugindo a seus planos de enriquecer, apaixona-se e tem que optar entre a riqueza e o amor. Ela é interpretada por Audrey Hepburn que, como de hábito, dá um show de elegância e charme. Blake Edwards trata com muita suavidade um tema amargo, pois, na verdade, a mulher é uma prostituta.  Vi Bonequinha de luxo no cine Excelsior, que ficava na Praça da Sé, quando as salas exibidoras de primeira linha se concentram no centro histórico. Na saída, lembro-me bem, caiu um temporal violento. Mas, isto, outra história.

Considero o melhor filme de Blake Edwards Victor ou Victória?, comédia musical de grande inteligência, dotada de um incrível senso de humor para tratar da ambiguidade sexual (que faz lembrar, em outro tom, Quanto mais quente melhor, de Billy Wilder). Julie Andrews é uma cantora desempregada que conhece um cantor homossexual (o último papel do grande galã Robert Preston) e ficam amigos. Os dois planejam então montar uma farsa na qual ele irá apresentar Julie como um transformista, um conde húngaro. Mas as coisas se complicam quando um gangster (interpretado por James Gardner) se apaixona por ela. Belíssimo filme. 

Um convidado bem trapalhão (The party, 1968) é uma comédia já inscrita definitivamente na galeria das grandes obras do gênero. Sellers faz um ator indiano desastrado que destrói uma filmagem e, de repente, é convidado, por engano, para uma festa na mansão de um poderoso produtor hollywoodiano. O filme se passa quase todo dentro da festa, e Sellers consegue provocar uma desordem que acaba numa total bagunça, destruindo, com isso, o party.

O que escrevi aqui não chega a dar uma ideia da extensão da filmografia de Blake Edwards, que, sem dúvida, foi um dos grandes comediógrafos do cinema americano.