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20 março 2014
19 março 2014
As críticas de Inácio Araújo
Editada pela Coleção Aplauso
(Imprensa Oficial, SP), Críticas de
Inácio Araújo (Cinema de Boca em Boca), livro organizado por Juliano
Tosi, contém as exegeses de Inácio Araújo, sempre precisas e exatas, em ordem
cronológica, desde o ano de 1983. Ainda pelo começo dessa importante obra, a
sua leitura tem me fascinado, ainda que já conheça os escritos do autor de há
muito tempo pelos jornais e, agora, pelo seu blog. Inácio tem, o que poucos
têm, que é o poder da síntese, a capacidade de apreender o sentido da obra
cinematográfica e deixar no leitor a vontade de ver o filme, lendo a sua
crítica.
Os textos iniciais são extensos e parece que todos foram
publicados na Folha de S.Paulo,
jornal do qual Inácio Araújo é o crítico oficial. Atualmente, porém, com a
política de redução textual verificado na imprensa, o grande crítico fica
restrito a linhas mais enxutas (o que é uma pena), mas nem por isso
impossibilitado de dar o seu recado direto e objetivo e, ouso dizer, poético,
ainda que pareça estranha a expressão em se tratando de crítica de cinema.
Uma característica marcante
nos escritos de cinema de Inácio Araújo é a fluência de seu texto, que
proporciona o prazer da leitura, e uma compreensão profunda de que o cinema é mise-en-scène. Sabe ver as qualidades de
um Howard Hawks, de um Douglas Sirk, de um Fritz Lang, entre tantos outros,
realizadores que não eram contemplados pelos críticos de nomeada do pretérito,
mais aguerridos ao tema nobre da obra
cinematográfica do que à sua condição de linguagem autônoma, de que o cinema, antes
de tudo, é uma estrutura audiovisual, havendo, nele, a confluência de um elo
sintático (a linguagem) e um elo semântico. Inácio Araújo, se José Lino Grünewald
não a tivesse inaugurado, seria o fundador da nova crítica brasileira. Mas como
Grünewald já se foi, pode-se dizer, e sem medo de errar, que Araújo dá
prosseguimento à compreensão do cinema nos moldes de seu entendimento como uma
estrutura audiovisual. Com o advento de suas críticas no jornal Folha de S. Paulo, uma crítica arejada,
bem escrita, com marca pessoal, surge no Brasil, com caráter de ineditismo, que
pode ser verificada no recente lançamento delas pela Coleção Aplauso.
A clareza é um elemento
essencial quando alguém se arvora a escrever crítica de cinema. Mas o que se
constata, nos diversos blogs e sites espalhados pelo espaço virtual, é uma
procura de obscuridade, para, com isso, dar ideia de profundidade. O crítico
atual não tem mais uma visão de mundo, uma cultura estabelecida numa cultura
humanista, mas, na maioria das vezes, conhece em profundidade a filmografia de
diretores importantes, faltando-lhe, porém, um lastro mais amplo. O crítico,
com as honradas exceções de praxe, é um "cdf" em cinema, e tem neste
a sua ideia fixa, a sua obsessão. Não é o caso, lógico, de Inácio Aráujo. A
leitura de seus textos demonstra a sua competência e a largueza de sua visão.
Um homem de seu tempo. Um crítico do essencial dotado de um background fundamental.
Inácio Araújo tem um livro particularmente importante para a
compreensão da mise-en-scène
hitchcockiana: Alfred Hitchcock – O
Mestre do Medo, editado nos anos 80 pela editora Brasiliense na coleção
Encanto Radical. Sintético, como de hábito, mas conclusivo. Poucos os livros
editados no Brasil sobre o mestre, sobre o autor de Um corpo que cai (Vertigo). Há um, que me lembre, de Noel Simsolo,
uma tradução do francês, editado pela Record (se não há engano memorialístico)
numa coleção que morreu no segundo
volume, o dedicado ao precioso Joseph Losey. Existem obras dedicadas a Hitch em
Portugal, e o maravilhoso livro de entrevistas entre François Truffaut e
Hitchcock, cuja leitura se faz obrigatória por todos aqueles que gostam de
cinema. Este livro, sobre ser uma obra rica para a compreensão do processo de
criação de Hitchcock, é também uma aula de cinema. Nunca foi traduzido Le cinema selon Hitchcock, de Erich
Rohmer e Claude Chabrol, assim como o do americano Robin Hood. Alfred Hitchcock – O Mestre do Medo está
entre as hermenêuticas mais extraordinárias sobre o itinerário de Hitch.
Aqui, uma amostra grátis da escrita de Inácio Araújo:
“"Terra Bruta" é visto com
frequência, e um pouco injustamente, como um subproduto de "Rastros de
Ódio", que hoje é considerado a obra-prima de John Ford.
Com todo o respeito pelos "Rastros", "Terra Bruta" é uma variação no mínimo interessantíssima do mesmo tema. James Stewart é o xerife; Richard Widmark, o oficial. Em dado momento, eles devem entrar em território comanche para resgatar prisioneiros brancos.
O confronto entre brancos e índios é isento aqui da paixão que caracterizava o personagem de John Wayne em "Rastros de Ódio". São, antes, dois profissionais que cumprem uma missão. Profissionais bem diferentes, a rigor: Widmark é um militar íntegro, enquanto Stewart é um corrompido.
Mas o olhar cínico que Stewart lança sobre as coisas — essa espécie de descompromisso com a ordem que caracteriza seus atos — é também o que lhe permitirá ver a realidade que terá diante de si com maior elasticidade.
À parte um diálogo de minutos e minutos entre os dois homens (um longo plano à beira de um rio), momento antológico do qual se perde muito na versão dublada, "Terra Bruta" é sintomático do último John Ford.
Em sua trajetória, mostra-se cada vez mais compreensivo em relação aos índios e mais irascível quanto aos brancos (cuja intolerância, aqui, é encarnada pelo oficial). Ao mesmo tempo, o papel da mulher é cada vez menos decorativo, adquire uma essencialidade que já prefacia sua última proeza: "Sete Mulheres", de1966.” (texto publicado na Folha de S. Paulo do dia 15 de
março de 1995)
Com todo o respeito pelos "Rastros", "Terra Bruta" é uma variação no mínimo interessantíssima do mesmo tema. James Stewart é o xerife; Richard Widmark, o oficial. Em dado momento, eles devem entrar em território comanche para resgatar prisioneiros brancos.
O confronto entre brancos e índios é isento aqui da paixão que caracterizava o personagem de John Wayne em "Rastros de Ódio". São, antes, dois profissionais que cumprem uma missão. Profissionais bem diferentes, a rigor: Widmark é um militar íntegro, enquanto Stewart é um corrompido.
Mas o olhar cínico que Stewart lança sobre as coisas — essa espécie de descompromisso com a ordem que caracteriza seus atos — é também o que lhe permitirá ver a realidade que terá diante de si com maior elasticidade.
À parte um diálogo de minutos e minutos entre os dois homens (um longo plano à beira de um rio), momento antológico do qual se perde muito na versão dublada, "Terra Bruta" é sintomático do último John Ford.
Em sua trajetória, mostra-se cada vez mais compreensivo em relação aos índios e mais irascível quanto aos brancos (cuja intolerância, aqui, é encarnada pelo oficial). Ao mesmo tempo, o papel da mulher é cada vez menos decorativo, adquire uma essencialidade que já prefacia sua última proeza: "Sete Mulheres", de
18 março 2014
A liberação de "Dona Flor' durante a ditadura miliitar
1) Luiz
Carlos Barreto, numa longa entrevista ao TV Senado, conta a sua trajetória de
homem de cinema e, lá pelas tantas, fala de Dona Flor e seus dois
maridos, o maior sucesso de bilheteria de todos os tempos baseado em
romance homônimo de Jorge Amado e dirigido por seu filho, Bruno Barreto. O ano,
1976, a
ditadura militar exercia poderosa censura sobre todos os filmes. E implicou com Dona Flor. Queria proibi-lo. Barreto foi à Brasília tentar
convencer os censores, mas tudo em vão.
2) De
repente, ao sair de um ministério, encontra, por acaso, Amália Lucy, filha de
Ernesto Geisel, o general de plantão, a quem se atribui o dito de Chico Buarque
de Holanda ("você não gosta de mim, mas sua filha gosta”). Barreto já conhecia
Amália, e ela, surpresa, perguntou o que ele estava a fazer em Brasília. O produtor
disse a ela que Dona Flor e seus dois maridos" tinha sido proibido
pela censura. Mas por que? indagou a filha do general, que manifestou desejo de
ver o filme.
3) Barreto
marcou um encontro numa sala de exibição brasiliense e projetou Dona
Flor" para Amália Lucy. No final, ela revelou a ele ter gostado muito do
filme e não via razão para ser proibido. E disse a Barreto: "Quem gostaria
muito de ver seria meu pai, pois ele gosta dos romances de Jorge Amado" O
célebre produtor, surpreso, ia dizer alguma coisa, quando ela o interrompeu:
"Você não conhece meu pai. Vamos marcar uma sessão no Palácio do Planalto.
Marcada a exibição, Barreto entrou meio constrangido para projetá-lo para
Geisel e encontrou uma sala toda equipada para a sessão especial, com farta
distribuição de 'scotch’ e salgadinhos.
4) Barreto
conta que Ernesto Geisel, durante o transcorrer da projeção, riu muito e, no
final, congratulou-o por ter feito um filme ágil e engraçado. Disse que
entraria imediatamente em contato com o Ministério da Justiça para a liberação
de "Dona Flor".
5) Dona
Flor e seus dois maridos foi filmado em Salvador em 1975 e me lembro de
ter acompanhado a filmagem de uma cena no Largo da Palma. Terceiro filme
do jovem Bruno Barreto, que tinha em torno de 20 anos (o primeiro, Tati,
a garota, baseado em
Anibal Machado , o segundo, "A estrela sobe",
segundo Marques Rabelo), Dona Flor foi lançado no Brasil inteiro e
na Bahia em mais de seis salas simultaneamente. Sucesso imenso, filas
quilométricas. Mas aconteceu um fato peculiar. .
6) Programado
para ser exibido em seis salas, na segunda (dia em que os lançamentos entravam
em cartaz), o distribuidor da Embrafilme somente tinha recebido em seu
escritório apenas cinco cópias e não haveria tempo hábil para mandar buscar a
que faltava. Mas, de repente, surgiu uma idéia. A cópia do cinema Bahia poderia
ser exibida também no Tamoio, sala perto daquela. Para funcionar, no entanto, era
preciso que os horários fossem diferentes. Naquela época, um filme de
longa-metragem tinha, a depender de sua duração, cinco, seis latas, contendo,
cada uma, um rolo ou carretel. Exibido o primeiro rolo no Bahia, um funcionário
da Embrafilme corria para levá-lo ao Tamoio. E assim sucessivamente.
7) Apesar de
Barreto ter contado que Geisel tinha ordenado a liberação do filme, o que,
realmente, aconteceu, a minha memória me diz que houve o corte de uma cena,
quando há um coito anal entre José Wilder e Sonia Braga. Mais de 20 anos
depois, quando o filme foi relançado em cópias novas, a cena cortada foi
reposta. Se, em 1976, "Dona Flor e seus dois maridos" foi um êxito
sem precedentes, quando do seu relançamento, duas décadas passadas, revelou-se
um fracasso retumbante no mercado exibidor.
8) Sonia
Braga tinha feito uma Gabriela maravilhosa para uma novela da Globo e o
seu aproveitamento como outra personagem amadiana, a Dona Flor, deu muito
certo, a ponto do próprio escritor ficar encantado com ela. Poucos anos depois,
1982/83, Barreto a dirige numa produção internacional no papel de Gabriela, mas
o filme não soube captar, com a desenvoltura necessária, a crônica de uma
cidade de interior que é Gabriela, cravo e canela. No elenco,
Marcello Mastroianni. Mas nem mesmo assim conseguiu as graças do público.
9) Em Dona Flor e seus dois maridos, além da de Wilker e Braga,
destaca-se a primorosa interpretação de Mauro Mendonça, como o segundo marido
de Flor. O primeiro, Vadinho/Wilker, farrista, boêmio, morre de repente num
domingo de Carnaval, mas o seu espírito reaparece a tentar a bela Dona Flor. Um
triângulo amoroso com acentos espíritas, um "ménage-a-trois" atípico,
portanto.
10) A trilha
musical é funcional e eficiente a cargo de Francis Hime. E há, ainda, a letra e
música de Chico Buarque de Holanda na interpretação de Simone (O que
será, o que será...). Murilo Salles, antes de se tornar realizador, é o
diretor de fotografia e, no elenco, vários atores baianos como Nilda Spencer,
Mário Gusmão, Dinorah Brillanti, Haydil Linhares, João Gama, Wilson Mello,
entre outros. Nesta época, meados dos anos 70, a Bahia virou “décor” de
alguns filmes, entre os quais Tenda dos milagres, de Nelson Pereira dos
Santos, também baseado em romance homônimo de Jorge Amado. Nelson, porém, o
grão-duque do cinema brasileiro, se tem resultados excelentes quando faz
adaptação de Graciliano Ramos (Vidas secas, Memórias do cárcere) não
consegue transferir os romances do escritor baiano para um resultado
cinematográfico convincente (Tenda dos milagres “é melhor, mas” Jubiabá
“decepcionante, ainda que com a ajuda de capital internacional).
16 março 2014
"Moscou contra 007" está cinquentão
Moscou contra 007, quando lançado (e, vejo no Imdb, que a sua estréia se deu primeiro
no Brasil em 27 de abril de 1964) se transformou num fenômeno de bilheteria.
Ninguém ficava indiferente a sua ação frenética, ao compasso da partitura
eletrizante de John Barry, às tiradas humorísticas, ao dínamo propulsor de sua
estrutura narrativa, envolvente.
Seus produtores Albert R.
Broccoli e Harry Saltzman não tinham ideia, quando lançaram Dr. No que o filme faria um sucesso sem
precedentes capaz de lhes estimular uma continuação, que foi este From Russia with love. Mas não
esperavam, mesmo cônscios do êxito deste, que o filme fosse além dos
prognósticos. Como aconteceu e a série se desdobrou em outras películas a
seguir. James Bond virou uma coqueluche.
Na época, a ideologia,
porém, imperava entre os estudantes. E Bond, agente secreto à serviço de sua
Majestade, não agradava à esquerda, que lhe fazia vista grossa. Recordo-me que,
na sala de espera do cinema onde estava sendo exibido, deparei-me, de repente,
com um militante que, ao me ver, desceu escada abaixo para se esconder no
banheiro. O que iriam dizer seus companheiros quando tomassem conhecimento que
ele estava a ver filme reacionário de James Bond?
Creio que o fascínio de
James Bond supera e está acima das ideologias. Devo fazer uma confissão agostiniana: adoro os filmes de James Bond – pelo
menos aqueles interpretados por Sean Connery e alguns com Roger Moore, ainda
que tenha visto com muito prazer o penúltimo Cassino
Royale, com Daniel Craig.
A apresentação, quando Bond,
ereto, pistola na mão, surge na tela do lado direito e caminha a seu meio e, de
repente, posta-se de frente e atira, caindo, na tela, uma tinta vermelha, é
espetacular e emocionante, com a música tema de John Barry.
Em From Russia with love,
inaugura-se o prólogo antes dos créditos. Steven Spielberg confessou, há algum
tempo, que sua grande frustração era a de nunca ter feito um filme de James
Bond. A séria Indiana Jones,
guardadas as suas diferenças, é uma tentativa de dar ao filme o ritmo frenético
das aventuras bondianas. Tanto é que
Spielberg, assim como nos filmes do agente secreto, também estabelece um
prólogo antes da apresentação dos créditos.
Em Moscou contra 007, o que se
passa antes dos letreiros iniciais embalados com a música From Russia with love, é um fake.
Bond (Sean Connery) persegue Robert Shaw (Red Grant), mas é derrotado com um
fio de aço por este. Morto, diante de um castelo exuberante, as luzes se
acendem com estrépito e vemos um homem tirar a máscara do derrotado que se
pensa ser James Bond. Em seguida, a emergência dos créditos, dando já ao filme
um impacto.
A Spectre planeja
decodificar os segredos nucleares da União Soviética e, para isso, conta com a
ajuda de uma mulher irascível e violenta (Lotte Lenya, que foi esposa de Kurt
Weil, autor, com Bertold Brecht, de A
ópera dos três vinténs) e seu fiel escudeiro Red Grant (Robert Shaw), homem
treinado para matar e destituído de qualquer sentimento de humanidade ou
compaixão. Precisa, no entanto, também, da ajuda de uma mulher (Daniela
Bianchi), disciplinada soviética que trabalha na embaixada de seu país sediada
na Turquia. Porque os ingleses também estão interessados nos segredos da União
Soviética, a Spectre pensa contar com a colaboração involuntária deles, mas
James Bond, convocado, entra em ação, desarma todo o esquema e, como é de
praxe, leva a bela Daniela Bianchi para a sua alcova íntima.
A luta final, entre Lotte
Lenya e Sean Connery é muito estimulante para aqueles que gostam do bom filme
de ação (atualmente os filmes de ação, honradas as exceções de praxe, são
rápidos e dentro da estética
do videoclip,que resultam pobres e ruins).
François Truffaut escreveu,
em seu extraordinário livro de entrevistas com Alfred Hitchcock, sobre a
influência imensa de Intriga
internacional (North by northwest, 1959) sobre todo o cinema do gênero thriller a partir dos anos 60, inclusive, disse
ele, toda a série de James Bond, cuja estrutura narrativa é bastante
influenciada pelo filme hitchcockiano. O que é verdadeiro.
Terence Young, o diretor,
inspira-se em Intriga
internacional. Vejam a luta no trem, por exemplo, entre Shaw e Connery. E
mais: a textura da mise-en-scène
advém da estrutura hitchcockiana de North
by northwest.
Baseado em Ian Fleming , assim
como todos Bonds-movies,
Moscou contra 007 é, segundo penso, o melhor de toda a série, porque um thriller bem ajustado sem as novidades que
viriam adornar os filmes posteriores.
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