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04 julho 2007

Desfazendo equívocos



Estão me entendendo mal por causa do post de ontem sobre certos críticos e a diferenciação entre o elo semântico e o elo sintático. Não falei mal nem critiquei Paulo Emílio e Walter da Silveira, pelo amor de Deus! Estes são grandes críticos, dois gigantes do pensamento cinematográfico brasileiro, ensaístas admiráveis. O primeiro pensou a sociedade através do cinema e, no fim da vida, tomou-se de amores pela cinematografia nacional e disse uma frase (dizem que a coisa não foi assim como se conta) que ficou famosa na qual diz que prefere qualquer filme brasileiro ao melhor filme estrangeiro, porque no nacional há, sempre, algo nosso, é uma parte do homem brasileiro, refletindo a sua cultura, as suas raízes. Assim, disse que gostava mais de Ainda agarro esta vizinha, de Pedro Carlos Rovai, comédia de sucesso na época, do que de Gritos e sussurros, de Ingmar Bergman, que estava a estabelecer uma verdadeiro bergmania. Já Walter da Silveira, baiano, além de conhecer profundamente o cinema, tinha um estilo, barroco, é verdade, mas admirável. Os dois, Paulo Emílio e Walter faziam reflexões sobre a natureza da arte do filme com singular brilhantismo.


Mas, apesar de cultos, eruditos, tinham um estilo de crítica que não se alicerçava no elo sintático. O pioneiro, nesse sentido, foi José Lino Grunewald, cujas críticas, brilhantes, podem ser conferidas no livro editado pela Companhia das Letras Um filme é um filme, organizado pelo mesmo Ruy Castro que reuniu os escritos do grande Moniz Vianna em Um filme por dia, também pela mesma editora. Grunewald soube ver, na frente de todos, o problema da diferenciação do elo sintático e do elo semântico. Mas demorou um pouco para que os críticos dessem conta que o cinema é uma estrutura audiovisual e foi preciso que se absorvessem, direito, o que propunnha Alain Resnais em O ano passado em Marienbad. Mas ainda volto ao assunto.

03 julho 2007

Da santa ignorância


Interessante observar que os grandes críticos de cinema do passado (vale para Paulo Emílio Salles Gomes, Walter da Silveira, entre tantos!, excetuando-se, talvez, Moniz Vianna e, principalmente, José Lino Grunewald, entre poucos) apenas se reportavam em seus ensaios, em suas críticas, aos grandes cineastas (Eisenstein, Orson Welles, Griffith, Dreyer, etc), aos movimentos e escolas que instauraram novos tempos (neo-realismo italiano, a avant-garde, o realismo poético francês...), relegando certos filmes e certos realizadores ao completo esquecimento. Muitas vezes davam valor ao filme por seu tema nobre, confundindo o elo semântico com o elo sintático. O saber distinguir estes dois elos, tão caro à crítica de Grunewald, como se pode ver no livro que reúne seus melhores momentos organizado por Ruy Castro, foi fundamental para a compreensão do cinema. Ainda hoje, neste tempo de contemporaneidade imbecil, há pessoas que se dizem cultas e consideram bons filmes aqueles que tratam de temas sérios e nobres. A ignorância é imensa. Conheço um cineclube - não posso citar o nome - que, embora organizado, eficiente, bem administrado, cultiva a ignorância em termos cinematográficos, considerando que quase todos os seus membros não sabem fazer a diferença entre o elo sintático e o elo semântico. A programação é estruturada com a exibição de um filme seguido de debate, quando é convidado algum especialista. Por exemplo: quando exibiram Psicose, de Hitch, convidaram um psiquiatra, quando mostraram Testemunha de acusação, de Wilder, o palestrante foi um advogado, e assim por diante. Santa ignorância. Nada a ver com nada. Uma vez, convidado para um debate sobre Laranja mecânica, de Kubrick, quase fui agredido por um psiquiatra porque ele teimava em afirmar que a compreensão do filme estava no problema da esquizofrenia do personagem de Alex enquanto eu queria mostrar que o cinema, sendo uma estrutura audiovisual, devia ser pensado e analisado nestes termos e, no caso em questão, o problema maior, para Kubrick, seria o tolhimento do livre arbítrio do homem.


Mas gostaria de dizer que um dos melhores filmes que já vi em minha vida de cinéfilo foi Se meu apartamento falasse (The apartment, 1960), de Billy Wilder. Não se sabe por que não saiu ainda em DVD. É uma obra mais que prima: primíssima.

02 julho 2007

Desafio à corrupção




Nunca vi Desafio à corrupção (The Hustler, 1961), de Robert Rossen, porque, quando do seu lançamento, em 63, 64 - antigamente os filmes demoravam dois, três anos, para chegar ao Brasil, e ainda mais um bom tempo para entrar no circuito soteropolitano; quando ia ao Rio, por exemplo, ia muito a cinema e, de volta, os filmes vistos demoravam a chegar; adolescente, achava isso uma façanha, ter visto primeiro certos filmes importantes e, naquela época, havia muitos filmes importantes ao contrário dos tempos que correm povoados de mixórdias - não tinha idade. The Hustler era rigorososamente proibido até 18 anos e, contando 13, 14, não pude entrar. Ainda nesta mesma idade, consegui uma carteira falsa de estudante que me dava 18 anos. A classificação por idade era muito severa: 5 anos (livre), 10 anos, 14 anos, 18 anos e, de vez em quando, um filme de 21 anos para efeito mais comercial do que censório.


Estou a embaralhar as coisas, porque queria dizer algumas palavras sobre The Hustler. Mas voltemos à classificação etária dos filmes. Havia, além do porteiro, fardado, gravatinha borboleta, sempre em pé, um comissário de menores para impedir a entrada destes em filmes proibidos. Mas o comissário tinha uma hora que saia. Havia maneiras para se entrar, no caso de menores. Uma delas era a compra do ingresso inteira, pois não se precisava apresentar a carteira de estudante, mas, mesmo assim, tinha o risco do porteiro desconfiar e barrar. Outra maneira era através da falsificação das carteiras de estudantes, que se podia conseguir com amizades no grêmios das escolas. Não era muito fácil, pois precisava ter amigo influente no grêmio. Naquela época, as carteiras eram todas padronizadas com faixas: azul (menores de 14 anos), vermelha (entre 14 e 18), e verde (maiores de 18 anos. Quando tinha menos de 14, consegui uma vermelha, e aos 15, 16, arranjei uma verde.


Mas o fato é que nunca vi na vida Desafio à corrupção, de Rossen, com grande interpretação de Paul Newman, entre outros grandes atores com George C. Scott, Jackie Gleason. Filme adulto sobre a errância e a desilusão, a falta de caráter, e o jogo de sinuca. Martin Scorsese, com o mesmo Paul Newman, quis repetir The Hustler em A cor do dinheiro, que é apenas um pálido reflexo do filme de Rossen, este, sim, considerado uma quase obra-prima do cinema americano. Será que tem em DVD?

01 julho 2007

Introdução ao Cinema (2)



A introdução ao cinema, que comecei quarta passada, penso em estabelecê-la aos domingos, quando serão pingados capítulos como pílulas sem outro propósito que o de esclarecimento didático.


Assim, existem, na linguagem cinematográfica, os elementos determinantes - planos, movimentos de câmera, montagem - e os elementos componentes - fotografia, cenografia, som, música... Vamos dar continuidade ao que foi apresentado na semana anterior, começando por um dos elementos que determina a linguagem cinematográfica: O PLANO. Cada plano representa uma posição particular da câmera em relação aos objetos e pessoas que estão sendo filmados. E, como de um plano a outro a câmera tem que mudar de posição, o plano é considerado a unidade fundamental do filme. Importa ressaltar, porém, que, num sentido mais visual do que técnico, usa-se a palavra enquadramento como sinônima de plano. Mas o enquadramento possui um significado estático,enquanto unidade figurativa do filme, constituída pelo conjunto dos elementos humanos, cenográficos e plásticos, que figuram no quadro fílmico. Já plano tem um significado dinâmico enquanto unidade narrativa. O tamanho do plano -e, conseqüentemente, seu nome e seu lugar na nomenclatura técnica - é determinado pela distância entre a câmera e o objeto filmado e pela duração focal da cena utilizada. Os planos constituem, no dizer de Henri Agel, uma verdadeira orquestração da realidade. Numerosos e, de resto, raramente unívocos, vale lembrar que todos os tipos de planos foram utilizados desde antes do cinema pelas artes plásticas, decorativas e de ourivesaria (paisagens, retratos de corpo inteiro ou de busto, medalhões, camafeus, etc).

O PLANO GERAL de uma paisagem pode perfeitamente enquadrar um personagem entrando em PRIMEIRO PLANO e é mesmo possível dispor atores em diversas distâncias. Vejamos aqui a nomenclatura dos planos:


PG - PLANO GERAL (Long-Shot): vê o ator de longe de corpo inteiro no conjunto do cenário, que pode ser observado nitidamente e que predomina na imagem. O PLANO GERAL pode exprimir a solidão (Robinson Crusoé gritando seu desespero face ao oceano no filme homônimo de Luis Buñuel), a impotência às voltas com a fatalidade (a miserável silhueta do personagem de Ouro e Maldição/Greed, de Erich von Stroheim, acorrentado a um cadáver no meio do vale da morte), a ociosidade (Os Boas-Vidas/I Vitelloni, de Federico Fellini, matando o temo na praia),a nobreza da vida livre e orgulhosa nos grandes espaços (nos westerns), a vista da parte baixa da Cidade do Salvador com sua feira e seu porto (A Grande Feira, de Roberto Pires...)


PM - PLANO MÉDIO (Medium-Shot): Se o plano anterior, o geral, tem função atmosférica, localizando a ação e preparando o espectador para recebe-la, o PLANO MÉDIO tem função descritiva, pois introduz as reações de um ator em correspondência com o ambiente e os atores que o cercam. Nele, nota-se um ou vários protagonistas de pé e, ainda, alguns pormenores do cenário podem ser vistos, mas estão esses pormenores, subordinados aos intérpretes. Mesmo quando aparece sentado, o ator preenche a tela de alto a baixo com o seu corpo.


PA - PLANO AMERICANO (Two-shot): Permite que se veja o ator dos joelhos para cima contra um cenário não obstrutivo, ficando, claramente delineados os gestos e o movimento do personagem. Tem este nome porque era muito usado por David Wark Griffith, americano considerado pai da linguagem cinematográfica, que realizou duas pelo menos duas obras fundamentais: O Nascimento de uma Nação (The Birth of a Nation, 1914) e Intolerância (Intolerance, 1916).


PP - PRIMEIRO PLANO (Close-up): Destina-se a mostrar o rosto de um só ator ocupando a tela inteira. Constitui uma das contribuições mais prestigiosas do cinema no campo de sua especificidade. É no close-up que se manifesta melhor o poder de significação psicológico e dramático do filme. E, pode-se dizer, é esse tipo de plano que constitui a primeira e, no fundo, a mais válida tentativa de cinema interior. Sobre o close up disse André Malraux: "Penso no primeiro plano de uma maca em Terra/Semlia, de Dovchenko (cineasta russo da época de Eisenstein), podendo-se afirmar sem paradoxo que alguém que não tenha visto esse plano jamais viu uma maca". O PRIMEIRO PLANO, além de ser o fator que diferencia o cinema do teatro, cria um microcosmo desligado do espaço e da materialidade. O mundo da fisionomia (rosto ampliado e isolado pelo close como num microscópio) confunde-se com o mundo da alma, segundo o teórico húngaro Bela Balazs. O primeiro plano é a dimensão humana de um rosto isolado sobre a tela e toda referência ao espaço e ao tempo desaparece em vista de sua existência autônoma. A expressão da fisionomia, para este teórico, é completa e compreensível em si mesma e, por conseqüência, não temos de concebê-la como existente no espaço ou no tempo. Nossa consciência do espaço é abolida e nos encontramos em outra dimensão: a dimensão da fisionomia. O ponto de referência de Balazs é o filme A Paixão de Joana D "Arc (La Passion de Jeanne D" Arc, 1928), de Carl Theodor Dreyer, cineasta dinamarquês que realizou este filme na Franca. Se a montagem fraciona a totalidade do tempo, o PRIMEIRO PLANO fraciona a totalidade do espaço. O Primeiro Plano corresponde, excetuando-se os casos em que tem um valor simplesmente descritivo, a uma invasão do campo da consciência, a uma tensão mental considerável, a um modo de pensamento obsessivo. O Primeiro Plano sugere, assim, uma forte tensão mental do personagem. Exemplos: os planos faciais de Laura toda vez que ela mergulha no passado (Desencanto/Brief Encounter, de David Lean) ou os de Joana D"Arc submetida à tortura moral por seus juízos no filme de Dreyer. Ou os planos de Liv Ullmann e Bibi Andersson em Quando Duas Mulheres Pecam (Persona), de Ingmar Bergman.


PD - PLANO DE DETALHE (Big Close-up): aparece somente a boca, os olhos, ou a parte de um objeto muito aumentado. A intenção, aqui, é frisar, mais do que no Primeiro Plano, um traço peculiar do personagem ou um pormenor isolado, como um disco caindo no prato do aparelho de som, o olhar da jovem que abraça o oficial ferido em Adeus às Armas (A Farewell to Arms), de Frank Borzage, o olhar do bêbado em Farrapo Humano (The Lost Week-End), de Billy Wilder, arrancado de seu sono alcoólico pelo toque do telefone. Considerando que um plano é determinado pela distância entre a câmera e o objeto filmado, a escolha de cada plano é condicionada pela clareza necessária à narrativa - o plano, a rigor, é tanto maior ou próximo quando menos coisas há para ver e, também, o tamanho do plano aumenta conforme sua importância dramática ou sua significação ideológica.

Bahia capital do cinema



Entre os dias 9 e 14, no majestoso Teatro Castro Alves, acontece o III Seminário Internacional de Cinema e Audiovisual. Segundo me revelou Walter Pinto Lima, organizador do evento, já estão confirmadas as presenças de: Walter Carvalho (diretor de fotografia), Cláudio Assis (cineasta), Edgard Navarro (cineasta), Mimmo Calopresti (cineasta), Fernando Trueba (cineasta), Tariq Ali (escritor), Massimo Canevacci (Univeristà La Sapieneza, Roma), Michel Marie (Sorbonne, Paris VII), Daniel Diaz Torres (Escola Internacional de Cinema e TV de San Antonio de Los Baños, Cuba), Afrânio Catani (USP), Olgária Mattos (USP), Ivana Bentes (URFJ), Maria Teresa Ventura (URFJ), Claude Murcia (Sorbonne University. Os inscritos receberão, ao fim do seminário, certificados da Universidade Federal da Bahia. Para maiores informações, acesse o site: http://www.seminariodecinema.com.br/