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22 fevereiro 2007

A mistificação do avental branco



Da série 'Medicina faz mal a saúde'. Os médicos, de um modo geral, sentem-se deuses, mas a culpa, em boa parte, é dos clientes que se colocam muitos servis em relação a eles. Tenho um livro traduzido do alemão que analisa o problema, mostrando que o paciente deve ser, sempre, um impaciente, e ter uma visão crítica do próprio tratamento. As próprias pessoas, familiares do paciente, por exemplo, por ignorância, dão-lhe o conselho de 'entregar-se ao médico'. Grande erro. Por outro lado, há certos médicos que são sumidades, verdadeiro cientistas, a exemplo de um Zerbine, de um Jatene, entre poucos. A maioria se caracteriza pela autoritarismo disfarçado de simpatia hipócrita (daí a necessidade de o paciente ter visão crítica e não se deixar levar pela conversa do médico). Sim, poderia me dizer, mas não são somente os médicos que são assim. E os advogados e outros profissionais liberais? É verdade, existe muita arrogância por toda parte, mas com os médicos há uma mística especial, que deve ser combatida para o bem da própria humanidade como a postagem infra pode mostrar.

Medicina faz mal a saúde


Passei, ano passado, quase dois meses hospítalizado. Tive um cinematográfico enfarte agudo do miocárdio e penei até que fossem implantadas duas majestosas pontes de safena. A bem da verdade, fui muito bem tratado pelos médicos e enfermeiras, ainda que algumas destas, principalmente quando no inferno do centro de tratamento intensivo - as famigeradas UTIs, gostassem de exibir autoridade porque, frustradas, precisam, nestas oportunidades, exercer poder. E nada melhor para o exercício do poder do que em cima de um paciente, de um ser temporariamente inválido. Mas de um modo geral, feita a ressalva, sou muito crítico em relação a médicos, que, na sua grande maioria, tirante as sumidades de praxe, são arrogantes e ignorantes. O texto que vai abaixo foi tirado da internet e quem o escreveu foi Sérgio Gwercman.

Dr. Vernon Coleman, tem 57 anos, gosta de escrever livros de ficção e já publicou 12 romances. Divide seu tempo entre o interior da Inglaterra e uma cobertura no centro de Paris. Sofre de "cotovelo de tenista" nos dois braços por causa da má postura ao digitar. Diz que os hospitais mais matam do que curam e que é preciso ser muito saudável para sobreviver a um deles.

Por Sérgio Gwercman

Um selo colado na testa advertindo sobre os perigos que podem causar à saúde. Se dependesse do inglês Vernon Coleman, esse seria o uniforme ideal dos médicos. Dono de um diploma em medicina e um doutorado em ciências, Coleman abandonou a carreira após dez anos de trabalho para ganhar a vida escrevendo livros com títulos sugestivos do tipo : "Como Impedir o seu Médico de o Matar"
Autor de 95 livros, o inglês é um auto-intitulado defensor dos direitos dos pacientes. Em seus textos, publicados nos principais jornais do Reino Unido, costuma atacar a indústria farmacêutica - para ele, a grande financiadora da decadência - e, principalmente, os médicos que recusam tratamentos que excluam a utilização de remédios e cirurgias. Dono de opiniões polêmicas, Coleman ainda afirma que 90% das doenças poderiam ser curadas sem a ajuda de qualquer droga e que quanto mais a tecnologia se desenvolve, pior fica a qualidade dos diagnósticos.

Como um médico deve se comportar para oferecer o melhor tratamento possível a seu paciente?
Os médicos deveriam ver seus pacientes como membros da família. Infelizmente, isso não acontece. Eles olham os pacientes e pensam o quão rápido podem se livrar deles, ou como fazer mais dinheiro com aquele caso. Prescrevem remédios desnecessários e fazem cirurgias dispensáveis. Ao lado do câncer e dos problemas de coração, os médicos estão entre os três maiores causadores de mortes atualmente. Os pacientes deveriam aprender a ser céticos com essa profissão. E os governos, obrigá-los a usar um selo na testa dizendo "Atenção: este médico pode fazer mal para sua saúde".

Qual a instrução que pacientes recebem sobre os riscos dos tratamentos?
A maior parte das pessoas desconhece a existência de efeitos colaterais. E grande parte dos médicos não conhece os problemas que os remédios podem causar. Desde os anos 70 eu venho defendendo a introdução de um sistema internacional de monitoramento de medicamentos, para que os médicos sejam informados quando seus companheiros de outros países detectarem problemas. Espantosamente, esse sistema não existe. Se você imagina que, quando uma droga é retirada do mercado em um país, outros tomam ações parecidas, está errado. Um remédio que foi proibido nos Estados Unidos e na França demorou mais de cinco anos para sair de circulação no Reino Unido. Somente quando os pacientes souberem do lado ruim dos remédios é que poderão tomar decisões racionais sobre utilizá-los ou não em seus tratamentos.

Você considera que os médicos são bem informados a respeito dos remédios que receitam a seus pacientes?
A maior parte das informações que eles recebem vem da companhia que vende o produto, que obviamente está interessada em promover virtudes e esconder defeitos. Como resultado dessa ignorância, quatro de cada dez pacientes que recebem uma receita sofrem efeitos colaterais sensíveis, severos ou até letais. Creio que uma das principais razões para a epidemia internacional de doenças induzidas por remédios é a ganância das grandes empresas farmacêuticas. Elas fazem fortunas fabricando e vendendo remédios, com margens de lucro que deixam a indústria bélica internacional parecendo caridade de igreja. Acompanhando didaticamente alunos do 6º ano (prestes a entrar na vida profissional) constatei que apenas 5% conhecia a farmacocinética dos produtos que propunham aos pacientes. Entre profissionais experientes não consigo estimar, no entanto suponho ser porcentagem menor, pois a prática usual em vários empregos com períodos extensos e irregulares diminuem a possibilidade de aprender, especialmente bioquímica e farmacologia. Para aumentar este problema, temos alterações periódicas na composição dos produtos comerciais com vistas a aumentarem o preço, por serem considerados medicamentos novos. O que dificulta mais ainda o escasso tempo médico dedicado à atualização.

E o que os pacientes deveriam fazer? Enfrentar doenças sem tomar remédios?
É perfeitamente possível vencer problemas de saúde sem utilizar remédios. Cerca de 90% das doenças melhoram sem tratamento, apenas por meio do processo natural de autocura do corpo. Problemas no coração podem ser tratados (não apenas prevenidos) com uma combinação de dieta, exercícios e controle do estresse. São técnicas que precisam do acompanhamento de um médico. Mas não de remédios.

Receber remédios não é o que os pacientes querem quando vão ao médico?
É verdade que muitos pacientes esperam receber medicamentos. Isso acontece porque eles têm falsas idéias sobre a eficiência e a segurança das drogas. É muito mais fácil terminar uma consulta entregando uma receita, mas isso não quer dizer que é a coisa certa a ser feita. Os médicos deveriam educar os pacientes e prescrever medicamentos apenas quando eles são essenciais, úteis e capazes de fazer mais bem do que mal.

Que problemas os remédios causam?
Sonolência, enjôos, dores de cabeça, problemas de pele, indigestão, confusão, alucinações, tremores, desmaios, depressão, chiados no ouvido e disfunções sexuais como frigidez e impotência.


Em um artigo, você cita três greves de médicos (em Israel, em 1973, e na Colômbia e em Los Angeles, em 1976) e diz que elas causaram redução na taxa de mortalidade. Como a ausência de médicos pode diminuir o risco à vida?
Hospitais não são bons lugares para os pacientes. É preciso estar muito saudável para sobreviver a um deles. Se os médicos não matarem o doente com remédios e cirurgias desnecessárias, uma infecção o fará. Sempre que os médicos entram em greve as taxas de mortalidade caem. Isso diz tudo. Aqui no Brasil pudemos constatar o mesmo durante greve prolongada de médicos no Rio de Janeiro

Muitas pessoas optam por terapias alternativas. Esse é um bom caminho?
Em diversas partes do mundo, cada vez mais gente procura práticas alternativas em vez de médicos ortodoxos. De certa maneira, isso quer dizer que a medicina alternativa está se tornando a nova ortodoxia. O problema é que, por causa da recusa das autoridades em cooperar com essas técnicas, muitas vezes é possível trabalhar como terapeuta complementar sem ter o treinamento adequado. Medicina alternativa não é necessariamente melhor ou pior que a medicina ortodoxa. O melhor remédio é aquele que funciona para o paciente.


Em um de seus livros, você afirma que a tecnologia piorou a qualidade dos diagnósticos. A lógica não diz que deveria ter acontecido o contrário?
Testes são freqüentemente incorretos, mas os médicos aprenderam a acreditar nas máquinas. Quando eu era um jovem doutor, na década de 70, os médicos mais velhos apostavam na própria intuição. Conheci alguns que não sabiam nada sobre exames laboratoriais ou aparelhos de raios-X e mesmo assim faziam diagnósticos perfeitos. Hoje, os médicos se baseiam em máquinas e testes sofisticados e cometem muito mais erros que antigamente. Infelizmente tenho constatado mais agravantes neste aspecto de exames:
1- 70% dos resultados de exames onde os pacientes referem que estão normais (ditos pelos médicos que solicitaram) tenho encontrado alterações documentadas no próprio exame (constado nos valores de referência). Isto reflete dupla negligência; do médico que não valorizou a alteração e do paciente que não se dignou a comparar seus resultados com os valores de referência fornecidos.
2- Alguns exames esclarecedores muitas vezes não são solicitados ou valorizados, entre eles cito dois que são pungentes: marcadores tumorais e pesquisa de sangue oculto nas fezes.
3- Realizam exames que já não têm nexo em nosso contexto, como, por exemplo, a mamografia (o ultrassom de mamas é muito mais sensível nos processos iniciais, como tem noticiado fartamente nossa imprensa popular há 3 anos e as publicações técnicas há 7 anos).
4- Solicitam exames caros e arriscados sem indicação clínica adequada (o exemplo aqui é do cateterismo cardíaco - embora eu sempre insista neste assunto, aconteceu com minha família dois acidentes com o contraste durante cateterismo, um por indicação monetária e não clínica e o outro com indicação clínica que resultou em óbito durante o exame)
5- Aonde é importante os exames laboratoriais ao invés de exame físico, a maioria insiste no exame físico. Aqui o exemplo mais pungente é o toque retal para avaliar próstata, pois o ultrassom pode mostrar dezenas de vezes melhor do que a palpação, indicando nodulações (ou outras alterações) internas ou na face anterior onde não é possível palpar. Semelhante perspectiva podemos assumir perante o toque vaginal para avaliar útero e ovários.
6- Solicitam exames complexos e/ou arriscados sem terem realizados os exames mais simples e inócuos previamente. Aqui podemos utilizar o exemplo do ecocardiograma (ultrassom cardíaco) sem Eletrocardiograma ou Rx de tórax prévios. Aqueles que quiserem entender melhor sobre exames, sugiro o link indicado nos meus link favoritos: Guide to Clinical Preventive Services, of Columbia University Medical Center

Você faz ferrenha oposição aos testes médicos realizados com animais em laboratórios. De que outra maneira novas drogas poderiam ser desenvolvidas?
Faz muito mais sentido testar novas drogas em pedaços de tecidos humanos que num rato. Os resultados são mais confiáveis. Mas a indústria não gosta desses testes porque muitos medicamentos potencialmente perigosos para o homem seriam jogados fora e nunca poderiam ser comercializados. Qual o sentido de testar em animais? Existe uma lista de produtos que causam câncer nos bichos, mas são vendidos normalmente para o uso humano. Só as empresas farmacêuticas ganham com um sistema como esse.



O que você faz para cuidar da saúde?
Eu raramente tomo remédios. Para me manter saudável, evito comer carne, não fumo, tento não ficar acima do peso e faço exercícios físicos leves. Para proteger minha pressão, desligo a televisão quando médicos aparecem na tela apresentando uma nova e maravilhosa droga contra depressão, câncer ou artrite que tem cura garantida, é absolutamente segura e não tem efeitos colaterais.

21 fevereiro 2007

A comédia como graça e vanguarda



Jerry Lewis, um dos maiores comediantes de toda a história do cinema, nasceu no dia 16 de março de 1926, a completar, portanto, daqui a menos de um mês, 81 anos. Já publiquei o texto abaixo quando dos seus oitent'anos, mas o faço novamente, considerando que os selvagens não conhecem Lewis - e os selvagens não lêem o blog. Então a publicação somente faz sentido em função daqueles que possam compartilhar da sua admiração pelo comediante, que pode ser considerado um dos mais inventivos da arte da comédia. Pelo menos, ainda que rasgando o conceito, tem duas obras-primas: O otário (The patsy, 1964) e O professor aloprado (The nutty professor, 1963). Obras-primas, diga-se de passagem, do processo de criação cinematográfico em todos os tempos.
Enquanto nos dias atuais inexiste uma, por assim dizer, poética do gag, mas uma exacerbação das situações num speed escatológico ou na procura nerd do ridículo, sempre sem nenhuma inventividade cinematográfica, as comédias de tempos idos evocavam o riso pela imaginação criadora, quer do ponto de vista do ser, quer do ponto de vista da narrativa fílmica. Assim, faz-se necessário, aqui, relembrar com urgência urgentíssima a genialidade de Jerry Lewis, um dos maiores comediantes do cinema em todos os tempos, e de seu singular O Professor Aloprado (The Nutty Professor, 1963), obra-prima não só da comédia mas do cinema. Inclui-se nessa excelência criadora também O otário. Artista criador, revolucionário mesmo na concepção de uma mise-en-scène originalíssima, Jerry Lewis é um poeta ou, como disse Jean-Luc Godard, “o mais progressista cineasta do cinema americano dos anos 60”. Versão (ou inversão?) de O Médico e o Monstro, de Robert Louis Stevenson, O Professor Aloprado conta como um pacato e modesto professor de química, feio, dentuço, desengonçado e mal ajambrado, consegue criar uma fórmula capaz de lhe impor a beleza e o charme. Apaixonado por uma de suas alunas (Stella Stevens), ele tenta conquistá-la quando toma a poção mágica e vira o charmoso Buddy Love. A fórmula, no entanto, tem duração limitada e, de repente, a criatura se transforma, aos poucos, no criador, principalmente nos momentos idílicos entre Buddy e Stella, mas ele, sabidamente, desaparece. Buddy Love provoca celeuma na escola, deixando, estupefatos e apaixonados, desde a secretária (a lewsiana Kathleen Freeman), as alunas e até o grave e circunspecto diretor. O clímax se dá no baile de formatura no momento em que Buddy, o convidado de honra, se metamorfoseia no desengonçado professor.
A inventividade de Jerry Lewis no plano da linguagem cinematográfica é imensa. Cenas brilhantes que se encontram em qualquer antologia que se preze da comediografia cinematográfica: (1) o processo de transformação do professor Kelp em Buddy Love com um extraordinário uso da cor poucas vezes observado na história da arte do filme; (2) a câmera subjetiva em lugar de Buddy finda a metamorfose (e ainda quando o espectador não sabe do resultado) e o espanto dos transeuntes que circulam na porta da boate; (3) a seqüência do ginásio traduz com absoluta perfeição a frustração essencial do personagem lewisiano diante da mitificação esportiva norteamericana; (4) a ambigüidade estampada no close up de Stella Stevens, quando Buddy inicia os tiques diccionais de seu criador; (5) o professor a olhar e imaginar Stella na porta da sala em várias mudanças de sua indumentária; (6) depois da noite perdida, e de ressaca, o professor pálido, na aula, ouvindo, desesperado, o ruído exagerado do giz riscando o quadro, a aluna que assoa o nariz, etc, numa conjugação funcional da imagem e do som; (7) toda a seqüência do baile de formatura, e, em especial, a cena da transformação da criatura no criador; entre muitas outras.
Lewis desmistifica o espetáculo, revelando seus códigos com uma coragem inusitada para a linguagem da época. O final é de uma terrível elegância, quando os principais atores, um a um, como se estivessem num palco de teatro, agradecem enquanto seus nomes são creditados na tela. O último é Jerry Lewis que, literalmente, quebra a lente da câmera. Este artista mal compreendido, que somente vem a receber o respeito crítico a partir do número especial que lhe dedica o sisudo Cahiers du Cinema, é o máximo representante da comicidade non sense do cinema americano posterior a 1945. Lewis parodia, com seus filmes dirigidos nos anos 60, e com singular acerto, as frustrações psicológicas do american way of life. Os seus instrumentos de análise (ou, se se quiser, o seu método) estão na utilização imaginativa da técnica do gag.
Gênio da comédia, cantor das orquestras de Jimmy Dorsey e Ted Florita, Jerry Lewis (Joseph Levitch, New Jersey, 1926) forma dupla com Dean Martin em 1946, atua em televisão e rádio, e, em pouquíssimo tempo, torna-se popular coast to coast em toda a América. A dupla mais burlesca do mundo do espetáculo logo é convidada para ingressar no cinema – e isto se faz através da Paramount. Entre 1949 e 1956, Lewis começa uma extraordinária carreira solo sob as ordens de um mestre da comédia: Frank Tashlin. Aliás, a sua separação de Dean Martin revela que o êxito da dupla radica fundamentalmente no talento cômico de Lewis. Artistas e modelos (1955), filme que assinala a sua estréia sob a direção de Tashlin, dá início a uma série de títulos que se constituem em agudas sátiras da sociedade norte americana expostas com um estilo refinado que se aproxima algumas vezes do cartoon e das histórias em quadrinhos. É, porém, quando Jerry Lewis decide montar uma companhia independente (a Jerry Lewis Productions Inc.) que emerge o seu gênio. Desde O Mensageiro Trapalhão (The Bellboy,1960), obra de estréia, o indicativo da originalidade na arte de conceber a mise-en-scène está presente. Neste filme, não há progressão dramática mas uma sucessão de sketchs, assim como em Mocinho encrenqueiro (The errand boy, 1961). O Terror das mulheres (The ladie´s man, 1961) deslancha a sua fase de obras-primas absolutas (se é possível a um artista ter mais de uma obra-prima!). Filme que representa na obra de seu autor um inequívoco manifesto sobre a concepção da mulher e uma irrefutável fulminação do matriarcado, O Terror das mulheres é delirantemente desmistificador (a partir mesmo do cenário, uma grande mansão na qual os segredos do décor são revelados ao público). Vem O professor Aloprado em 1963 e, em seguida, O Otário (The Patsy, 1964), outra obra magistral, onde aperfeiçoa, amadurece e enriquece definitivamente o seu estilo: a crueldade que consiste em fazer rir de si próprio; a magistral utilização do showburn; o gosto do espetáculo e a vontade em revelar ao espectador o décor, o desdobramento de sua personalidade autor-ator, a explosão em personagens múltiplas, etc. Lewis continua a filmar, tem uma crise nos anos 70, mas seus maiores filmes, os geniais, estão na década de 60. Mas o que dizer de O fofoqueiro (The big mother, 1967), filme absolutamente genial? Fica-se por aqui, no entanto, não por questão de espaço, que na internet, é infinito, mas por questões de pressa e contenção. Porque há, ainda, muito o que falar da genialidade lewsiana. Um dos maiores conhecedores da obra de Lewis é o ensaista Sérgio Augusto, que dei uma das mais elucidativas entrevistas dos últimos tempos sobre jornalismo cultural. Augusto acho que nos filmes de Lewis há, por assim dizer, uma espécie de psicanálise da vida americana.
P.S: Revi quase todos os filmes dirigidos por Jerry Lewis e, na minha opinião, a sua obra-primíssima é O Otário (The Patsy, 1964), que pode ser encontrado em excelente cópia em DVD. Impressionante a capacidade de Lewis em experimentar e inovar, subvertendo códigos estabelecidos.Não é à toa que Jean-Luc Godard o considerou um dos mais progressistas cineastas do cinema americano.Infelizmente, para a maioria, que o aprecia, ele é considerado, apenas, um excelente comediante, vinculado, inclusive, às sessões da tarde da Globo dos anos 80. A nova geração, pude pesquisar, não tem capacidade, infelizmente, de entender a genialidade lewsiana. Pena. Ledo e ivo engano. Um ensaio sobre a obra lewsiana de autoria de Chris Fujiwara pode ser lido no seguinte link: http://www.sensesofcinema.com/contents/directors/03/lewis.html

19 fevereiro 2007

A morte matada do jornalismo cultural



Não há dúvida da decadência imensa do jornalismo contemporâneo, da regressão que se abateu sobre a imprensa, principalmente no jornalismo cultural. Sou do tempo em que lia o Quarto Caderno do Correio da Manhã, quando, na redação deste, pontificavam, como num Petit Trianon, homens e sábios como Otto Maria Carpeaux, Antonio Houaiss, Cony, Moacyr Werneck de Castro, Paulo Francis, entre outros. A entrevista que Sérgio Augusto concedeu ao site Digestivo Cultural é leitura obrigatória e que bem reflete o caos da chamada contemporaneidade. Está neste link: http://www.digestivocultural.com/entrevistas/entrevista.asp?codigo=10


Leio Sérgio Augusto (companheiro de geração do saudoso Paulo Perdigão) desde os tempos em que escrevia no Jornal do Brasil, fazendo parte do Conselho de Cinema, que se reunia toda sexta para criticar determinado filme da semana (naquele época toda semana tinha um filme a respeitar), e que era composto (salvo omissão da memória) por Alex Viany, Alberto Shatovsky, Ely Azeredo (por onde anda este, que, na época, era detestado pelos cinemanovistas, mas que tinha um estilo surpreendente), José Carlos Avellar (o antípoda de Ely em visão de mundo e visão de cinema), Valério Andrade, Sérgio Augusto, José Wolff, Ronald F. Monteiro, entre outros que posso ter esquecido assim no momento em que digito este post.


Sérgio Augusto depois foi para O Pasquim em sua época de ouro. Tem artigos (melhor dizendo: ensaios) espalhados pelas melhores revistas e jornais brasileiros. Escreveu recentemente As penas do ofício (que já mandei buscar na Livraria Cultura via internet), há alguns anos, Lado B, e entre muitos outros, tem um livro essencial sobre a chanchada brasileira: Este mundo é um pandeiro.

A leitura da entrevista é algo que não se deve perder.

18 fevereiro 2007

Impacto e estesia



O dvd de Era uma vez no Oeste, de Sergio Leone, lançamento em edição especial, que já saiu há algum tempo, cheia de extras, é, simplesmente, uma beleza. O filme, com o passar do tempo – é de 1968, ficou ainda melhor, não perdendo em nada do seu impacto inicial, quando o vi pela primeira vez na gigantesca tela do cinema Tupy em cópia de 70mm. Ainda que a dimensão da tela doméstica não possua o mesmo poder de envolvimento e êxtase – sim, é a palavra correta em se tratando de uma obra-prima como essa, momento, sem exagero, de rara inspiração em toda a história da arte do filme, vejo Era uma vez no Oeste como se fosse uma sinfonia, como se uma música de imagens. A partitura do maestro Ennio Morricone está tão entrosada no filme que faz parte dele, e, neste caso, poderia dizer que Morricone é uma espécie assim de co-autor da obra da mesma maneira que Michel Legrand o é de Os guarda-chuvas do amor, de Jacques Demy. Morricone, com sua extraordinária musicalidade, exerce, aqui, em Era uma vez no Oeste, não apenas uma complementação da narrativa, mas uma mise-en-musique. E Leone é um esteta, um mestre absoluto, que sintetiza neste western sui generis toda a sua primeira fase constituída de obras que rascunham esta belíssima reflexão sobre a estética westerniana num prisma novo e insinuante, apátrida, singular e original. Quem viu Por uns dólares a mais, Por um punhado de dólares e O bom, o mau e o feio – também conhecido por Três homens em conflito – pode testemunhar que estes filmes são uma anunciação de Era uma vez no Oeste. A sua revisão comprova a magnificência de Sergio Leone que, nos anos 80, com seu canto de cisne, Era uma vez na América, traumatizou toda uma década, realizando uma das maiores obras de toda a história do cinema. Pena que a morte prematura – ia fazer 60 anos – o tenha levado embora.
Morricone compôs quatro temas fundamentais destinados a cada um dos personagens principais: Claudia Cardinale, Jason Robards, Charles Bronson e Henry Fonda – magnífico no papel de vilão, cínico, cruel, frio, super maquiado, super estilizado, capaz de matar até criancinhas com irrepreensível sangue frio. Quando os personagens se cruzam, as partituras também entram em rodízio com um resultado impressionante em se tratando da relação música e imagem. A seqüência inicial, de abertura, é uma obra-prima à parte, que mostra a espera, por três pistoleiros, em uma velha e encardida estação, da chegada do trem. Morricone chegou a compor um tema, mas desistiu e, influenciado por John Cage – para quem todo ruído num concerto é música, fez dos ruídos uma espécie de sinfonia. Assim, o estalar dos dedos de um dos pistoleiros, a gota d’água que cai modorrenta no chapéu de Woody Strode, a mosca que fica zoando no rosto de Jack Élan, o ranger do moinho, a chegada estrepitosa do trem, etc, formam uma tensão inusitada. Leone tem um sentido de duração que difere da maioria dos cineastas, aproximando-o mais, na utilização do tempo cinematográfico, dos realizadores japoneses. Gosta de alternar extremos close ups com planos gerais de grande amplitude, provocando, com isso, um contraste nos códigos perceptivos. Mas para Leone o rosto humano não é uma face oculta, mas, e principalmente, também uma paisagem. Seus closes demoram na tela, enchendo-a, para perscrutar a alma humana, para adentrar na interioridade dos seres. Tudo é muito estilizado e rigoroso sem perder, contudo, o caráter de introspecção.
O argumento de C’era una volta in West/Once upon a time in West foi escrito a seis mãos: as de Bernardo Bertolucci, o consagrado cineasta de O último tango em Paris, as de Dario Argento, diretor cult de terroríficos e crítico afamado, e as de Sergio Donati, que ficou responsável pela decupagem, além, é claro, da participação de Leone em todas as fases do processo de criação cinematográfica.O dvd é especial mesmo e tem muitos extras, inclusive um documentário precioso com depoimentos de Tonino Delli Colli, o fotógrafo, Alex Cox, Gabrielle Ferzetti, Bertolucci, Claudia Cardinale, Henry Fonda, entre outros. O híbrido Telecine Cult o exibiu criminosamente, há pouco, em full screen (a abominável tela cheia, que me fez, quase, quebrar o aparelho de televisão). Para assistir de joelhos.