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16 fevereiro 2007

Coimbra sai do cinema e da vida


Dele já se disse que era o maior artesão do cinema brasileiro (como escreveu Carlos Reichenbach em seu Reduto do Comodoro). O fato é que menino de calças curtas vi, e fiquei impressionado, A morte comanda o cangaço, realizado em 1960, que talvez seja mesmo superior a O cangaceiro, de Lima Barreto. É verdade que precisaria revê-lo para confirmar a impressão de um garoto, mas o fato é que A morte comanda o cangaço, quando de seu lançamento há quase cinquenta anos, conquistou o público, levando muita gente a aplaudir a aventura patrocinada por Coimbra.


O cinemanovismo, dando preferência aos autores de filmes (e quantos autores chatos, pachorrentos!), desprezava os artesãos. Uma indústria que se queira cinematográfica necessita mais de artesãos competentes do que de autores aporrinhantes. Carlos Coimbra longe estava, portanto, dos ideais do pessoal que tinha como bandeira o Cinema Novo, que, se, por um lado, proporcionou a eclosão de talentos como a de um Glauber Rocha, por outro, esta a verdade, afastou o público dos cinemas e deu de aborrecer a muitos cinéfilos, que, obrigados pelas circunstâncias, e pela necessidade de se estar in, amargaram muitos filmes entediantes e vazios. Um filme de Coimbra, neste particular, não proporcionava nem chamava o sono, mas despertava as emoções do espectador. Este blog, na sua pequenez, presta, neste post, a sua homenagem a Carlos Coimbra.


15 fevereiro 2007

Candeias e Coimbra: antípodas


Fevereiro assinala o desaparecimento de dois realizadores paulistas, que poderiam ser caracterizados como antípodas: Ozualdo R. Candeias e Carlos Coimbra.O primeiro era um artista, um intuitivo, um poeta das imagens em movimento, tendo realizado, em 1967, um dos filmes mais expressivos e mais belos de toda a história do cinema brasileiro: A margem. Já Coimbra se caracteriza por ter sido um realizador aplicado, um artesão, em contraposição ao estilista e ao autor de filmes. Há uma, por assim dizer, carpintaria em seus trabalhos que não pode deixar de ser reconhecida, como em A morte comanda o cangaço, Independência ou morte, O santo milagroso (cito de memória e a postagem não pretende analisar a ficha filmográfica do cineasta). Se se aplicava muito na confecção do roteiro, prendia-se à gramática cinematográfica, que a queria bem colocada e, com isso, por paradoxal, a ausência de mais empenho criativo capaz de um desabrochar poético. Candeias era o oposto. Um intuitivo, as imagens vinham-lhe da imaginação, e capaz de audácias porque não existia, para ele, peias na língua do cinema. Se Coimbra era um CDF, Candeias um moleque (e Meu nome é Tonho, versão de Hamlet, para o mundo do jegue e dos boçais, é um exemplar bastante significativo). O Canal Brasil (Net/Sky, 66) está a fazer uma homenagem a Candeias nesta semana, mas com seus filmes menos significativos. Não gosto, por exemplo, de Caçada sangrenta, que, excetuando-se um ou dois momentos candeilianos, é um veículo para a apostasia de David Cardoso, que o produziu. Também A freira e a tortura, com uma bela - e nua - Vera Gimenez é pouca coisa para o talento do cineasta. Creio que foi quase impossível conseguir cópias de A margem ou Meu nome é Tonho. A foto é de Candeias já no seu outuno crepuscular.


Fiz, nos anos 80, uma entrevista com Candeias para a minha coluna de cinema da Tribuna da Bahia. Nos jardins etílicos do Instituto Goethe no Corredor da Vitória.

14 fevereiro 2007

Risos deslocados e folia industrial



Gostaria de ter incluído, nos dez mandamentos para se ser um bom cinéfilo, um que considero de modelar importância para fazer valer o sossego do espectador: a proibição, se possível fosse, das risadas fora de hora. A patuléia costuma rir de certas situações que nada têm de engraçadas e, quando chegam os momentos certos de humor, desconhece-nos porque ignorante. Um filme de humor inglês, por exemplo, faz parte de uma cultura que nada tem a ver com a cultura baiana, por exemplo, principalmente a que se formou nas últimas décadas, bebendo de um caldo cultural ácido e desestruturante, que faz emergir a deselegância e a ignorância, nunca a inteligência, o bom senso, ou, mesmo, o non sense. A bem da verdade, o comportamento de vândalos não se restringe à Salvador, mas é fato em grandes cidades como São Paulo, Rio, Beagá, Porto Alegre, Curitiba, Recife, etc. Para ficar num exemplo do momento: estamos em pleno Carnaval, que, se antes, era romântico, melodioso, atraente, atualmente é um inferno. O Carnaval soteropolitano é excludente (o povo não tem mais vez pois esmagado pelos blocos e camarotes de luxo), é um espetáculo para ser visto por pessoas bem aquinhoadas pela sorte, que podem pagar uma fortuna por um camarote ,e por uma juventude que também tira do bolso boa soma para comprar o ingresso em bloco considerado, ingresso que se traduz no abadá. Industrializado, mina de ouro para poucos que enchem suas burras, o Carnaval de Salvador, na opinião deste bloguista, não tem graça nem espirituosidade, mas muito barulho, muito som, muita algazarra. Corro dele como o diabo da cruz. Não é mesmo 'cinéfilo'?

12 fevereiro 2007

Para ser um bom cinéfilo





Freqüentar atualmente os cinemas é um ato de sacrifício para quem gosta da arte do filme, de vê-lo em silêncio, tal a esbórnia, a esculhambação estabelecidas por uma avalanche de debilóides. Assim, para efeito prático e didático, vejo-me na obrigação de oferecer aqui, fugindo, com isso, aos propósitos iniciais do blog, algumas regras de condutas, normas comportamentais, se se quiser. Vou jogar, neste espaço virtual, uma tábua que contém uma espécie assim de dez mandamentos para quem queira ser um bom cinéfilo.


1) Procurar ver o filme com a máxima atenção, evitando se mexer, mantendo, na medida do possível, postura firme e atenta.

2) Desligar o celular. No caso de ter alguém prestes a morrer, cuja notícia fatal poderá ser dada a qualquer momento, evitar, neste dia, ir ao cinema.

3) Não comer pipoca. Comprar, se muito, drops, tábuas de chocolate, evitando, sempre, qualquer barulho no ato de desembrulhar estes.

4) Não conversar com a sua companhia. Ficar em silêncio. No máximo, uma troca de palavras muita rápída para fazer observar algo importante. Mesmo assim crê-se inconveniente.

5) Evitar encostar as pernas na cadeira vizinha. E acomodar seu braço para não aborrecer o vizinho. Evitar ficar olhando para os lados mesmo nos intervalos, salvo se o interesse, neste caso, venha a ser outro.

6) Ficar sentado até que o último fotograma se apague da tela. A maioria dos espectadores, dado o desenlace, no entanto, já procura a porta de saída.

7) Procurar sentir nos créditos finais uma continuação da mise-en-scène e, caso não se interesse pelos letreiros, sentir a partitura, deixar-se levar pela música.
8) Evitar ficar masclando chiclete. Incomoda.

9) Pode chorar à vontade. Nesse caso, levar lenço.

10) Ter no cinema a dimensão de uma função e não de uma rinha de galos.
A foto que ilustra a postagem é de um quadro do grande e genial Matisse, contemplação quase diária desse neurastênico bloguista.

11 fevereiro 2007

Platéia de débeis mentais



Atualmente, nos dias que correm, quando preciso ir aos cinemas (como acontece no momento quando os dois filmes de Clint Eastwood, imperdíveis, entram em cartaz), evito as horas da algazarra, restrigindo-me às primeiras e últimas sessões. Se, por acaso, for a uma sessão no sábado de tarde, por exemplo, corro o risco de ter elevada a minha tensão arterial, e, quem sabe?, ter até um troço por lá. O público mudou muito, acompanhando a decadência cultural, bem de acordo, aliás, com o lixo que está a ver, com o momento presente. Lembro-me das finas e majestosas bombonières de tempos idos, com os drops, os chocolates, as guloseimas enfileiradas, a maneira de tragá-los em silêncio, a se comer como um passarinho. Já ver um semelhante masclar chiclete em minha frente, porque sou neurastênico, me incomoda, tenho que sair de sua companhia, fico nervoso. Vamos aos fatos, no entanto!
O que se observa atualmente dentro das salas de exibição cinematográfica é um, por assim dizer, ato de selvageria, que determina os gestos predatórios, os comportamentos esdrúxulos e incompatíveis com o homem civilizado. O filme pouco importa para aqueles que o assistem nos complexos Multiplex ou Aeroclube (estou me referindo ao mercado de Salvador), constituindo-se num mero pretexto - ou, mesmo, conseqüência - do ato de ir ao shopping ou, se quiser, shoppear. Vai-se aos centros de compras da cidade para passear, consumir, praticar o lazer, após a destruição das praças e dos jardins e do comércio tradicional que se fazia nas ruas e avenidas de um centro deteriorado pela inércia, falta de vontade política, descaso pela memória. O ir ao cinema, então, se transformou numa das etapas desse processo de shoppear. Após a perambulação pelo shopping, o desfile costumeiro, o encontro com amigos, surge o cinema como uma espécie de saideira do passeio. A maioria do público, adolescente, que faz parte dessa chamada muito propriamente geração fim-de-mundo, não se programa para ver determinado filme com antecedência. Os multiplexados consumidores do lixo cultural ficam atraídos pelos cartazes, inclinando-se pela fita que, por acaso, sugira ação e aventura, sexo e violência e tenha, no seu elenco, um ator ou atriz da moda.
Após a tomada do circuito exibidor pelas multinacionais estrangeiras, com a entrada em cena da UCI, Cinemark, etc, que conseguiram fechar os cinemas de rua, restando, apenas, pequenos oásis fora desse esquema - a Sala de Arte do Bahiano e a Walter da Silveira, pode-se observar desde 1998 - data da inauguração do Multiplex - uma mudança nos hábitos, nas maneiras, no comportamento diante do espetáculo cinematográfico. Estimulados pelo modelo americano, os jovens associam o cinema à pipoca e as empresas procuram dar-lhes a consciência de que é preciso comer para ver. Assim, a comilança tornou-se uma regra, com as companhias estabelecendo em suas salas de espera verdadeiros centros de fast food. O comer para ver virou um reflexo condicionado a ponto de os jovens não admitirem assistir a um filme sem a complementação das bacias de pipocas e refrigerantes gigantescos, além de hambúrgueres variados. E, para pasmo geral, como não bastasse tal festim de colesterol, vendem-se, agora, dentro das salas, os estimulantes guloseimosos que tanto desesperam os cinéfilos que gostam, em paz e sossego, de ver um filme. Acrescente-se a isso, as conversas laterais, o atendimento solícito de celulares em plena audiência fílmica, os risos fora de hora, que geram a total ausência de integração entre a emissão da obra cinematográfica e a sua recepção. Para o amante do bom cinema, ir aos complexos de salas, quer seja no Iguatemi, quer seja no Aeroclube, tornou-se um inferno. Registra-se, com isso, dois fenômenos: o da incivilidade e o da falta de educação. Mas o interessante a observar é que no passado havia um certo respeito, um comportamento diferente mesmo nos chamados cinemas populares, os poeiras. Se, atualmente, nota-se uma apatia e desinteresse diante do filme, o que se observava antes era uma interação, ainda que barulhenta, em salas de segunda, entre o público e o espetáculo cinematográfico. Gritava-se e batia-se nas cadeiras (de pau) quando a cavalaria chegava a tempo de salvar os personagens de um ataque de índios, torcia-se pelo herói, aplaudia-se um beijo romântico... Qual a causa dessa selvageria, dessa decadência, dessa brutalidade? Entre outros fatores, um poderoso: a influência devastadora da teledramaturgia que condicionou o receptor a uma passividade absoluta. Considerando que um filme tem uma duração limitada, todo e qualquer plano lhe é importante. O que não ocorre na televisão com as novelas, pois, aqui, o enchimento tradicional de lingüiça se faz no sentido de possibilitar a quem as assista uma desatenção já prevista. Assim, quem assiste a três capítulos de uma novela pode deixar de ver quatro ou cinco, e, quando retorna, encontra a história perfeitamente inteligível. A história é sempre repetida em vários ângulos a fim de dar ao receptor uma possibilidade de encontrá-la sempre compreensível. Resultado: a deformação provocada pela teledramaturgia televisiva - no modo de recebê-la, no modo de assisti-la, pois existem ótimas novelas, diga-se logo de passagem - fez com que a nova geração pratique a mesma atitude descompromissada quando diante de uma obra cinematográfica. Pensa-se numa choldra de débeis mentais, numa escumalha de aloprados imberbes, alucinados diante da tela luminosa da sala de projeção. Uma patuléia desvairada que se agita no escuro à procura de um modo de ser mais peculiar às tribos ágrafas. Ir aos complexos, hoje, principalmente nas sessões vespertinas de fim de semana, é um convite ao desespero, salvo se a pessoa também faz parte dessa patuléia, dessa choldra, dessa escumalha.