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12 abril 2007

Tocaia no asfalto


Escrevi, há poucos dias, neste blog, sobre o grande Roberto Pires, cineasta baiano que dirigiu alguns filmes essenciais da filmografia da terra, entre eles A grande feira e Tocaia no asfalto. Sobre este, algumas considerações.
Thriller genuinamente baiano realizado em 1962, que aborda o relacionamento dos políticos com a criminalidade e as idiossincrasias de personalidade de um pistoleiro de aluguel, Tocaia no asfalto, de Roberto Pires, produzido logo após A grande feira, é um filme que pode ser visto em dois planos: no plano de sua narrativa e no plano de sua fábula (história). No primeiro, destaca-se sobremaneira a artesania de Pires, o domínio pelo qual articula os elementos da linguagem cinematográfica em função da explicitação temática. Seu trabalho, nesse particular, é de ourivesaria e, aqui, em Tocaia no asfalto, tem-se um exemplo onde a narrativa suplanta a fábula, ainda que os dois planos sempre devam ser observados em processo de simbiose.
Realizado em plena efervescência do chamado ’Ciclo Bahiano de Cinema’ - 1959-1963, Tocaia no asfalto atesta o vigor e a sua atualidade temática. Duas seqüências podem ser consideradas antológicas e das melhores do cinema brasileiro: a tentativa de assassinato frustrada na Igreja de São Francisco, e a do cemitério do Campo Santo. Pires demonstra o seu apuro, o seu sentido de cinema, o timing raro, um faro, por assim dizer, para pensar cinematograficamente o estabelecimento da mise-en-scène como fator de impacto e de emoção.

Ainda que uma obra formatada nos moldes de uma linguagem clássica -o que não lhe tira de modo nenhum a qualidade, que se fundamenta na chave narrativa da progressão dramática griffithiana, há, no entanto, uma seqüência que, sem se ter medo de errar, poder-se-ia chamá-la de eisensteiniana. É aquela na qual Roberto Ferreira tenta se ver livre dos presos num caminhão e tenta intimidá-los com um revólver, ocasionando uma fuga em pleno movimento do veículo, quando vem a morrer o irmão do personagem interpretado por Agildo Ribeiro. A rapidez, com que são expostos os rostos embrutecidos dos pobres diabos que estão no caminhão, tem um ritmo que se assemelha a um touch buscado na concepção de montagem de Sergei Eisenstein. Esta seqüência é um flash-back, quando Agildo Ribeiro, dançando, sente-se mal e começa a ter pesadelos retroativos.

Assim, Tocaia no asfalto se sobressai pela narrativa impactante que está a serviço do argumento, mas que predomina sobre este. Que versa sobre um pistoleiro contratado para matar um político corrupto (Milton Gaúcho), que, chegando do interior, vai morar num prostíbulo e se apaixona por uma mulher (Arassary de Oliveira, que foi mulher de Lima Barreto, o famoso diretor de O cangaceiro). Enquanto isso, um jovem político bem intencionado (Geraldo D’El Rey) pretende instalar uma Comissão Parlamentar de Inquérito para investigar as falcatruas do grupo do político que está na mira do assassino. Mas as reviravoltas do argumento determinam uma contra-ordem e o pistoleiro, na iminência de matar, é avisado que não mais precisa cumprir o trabalho. Apesar de um matador profissional, tem, porém, seus códigos de honra e prefere ir até o fim naquilo para o qual fora incumbido. Alguma coisa de Sargento Getúlio no ar.

Tocaia no asfalto se desenrola em dois ambientes: o ambiente burguês da casa do político, abrangendo as festas, os colóquios e o namoro de sua filha (Angela Bonatti) com o jovem e promissor parlamentar, e o ambiente pobre do prostíbulo comandado com mão de ferro por Jurema Penna e, no qual, o pistoleiro é hospedado, vindo a conhecer uma prostituta pela qual se apaixona. A latere, alguns personagens, como o policial interpretado por Adriano Lisboa, que circula entre os dois ambientes, Antonio Pitanga, outro matador, contratado, desta vez, para matar o outro. Pires, em alguns momentos, através da montagem paralela, tenta mostrar os acontecimentos em perspectiva de simultaneísmo, quando, por exemplo, Agildo e Arassary conversam no Farol de Itapoã.

Notável realizador, Roberto Pires, responsável pelo primeiro longa feito aqui, Redenção (1956-59), pelo seu extremado domínio formal da linguagem, poderia ter ido longe se trabalhasse no exterior, mas as injunções mercadológicas de um cinema caótico como o brasileiro, determinaram-lhe, por vezes, um recesso forçado. Mas filmes como A grande feira e Tocaia no asfalto bastam para se ter um cineasta.

Não se pode deixar de registrar a funcionalidade da partitura de Remo Usai – que soa como um grito trágico na seqüência final do trem, o bom argumento de Rex Schindler – também produtor, associado a David Singer, e a fotografia de Hélio Silva. E uma pergunta que não se quer calar: por que, com todos os recursos existentes hoje, o cinema baiano não consegue fazer algo parecido com Tocaia no asfalto? Eu me lembro é, assim, hors concurs.
E a abertura do filme, antes dos letreiros, com o tiro na testa de Roberto Ferreira. Que impacto!
Não achei, por incrível que pareça, nenhuma fotografia numa pesquisa Google na internet de Tocaia no asfalto. Na sua falta, entra Picasso, que embora nada tendo com a história, ilustra o post, coisa que anima e contenta.

11 abril 2007

No reino do DVD


Nunca pensei que o DVD se estabelecesse no mercado como se estabeleceu. Na era do vídeo, não havia tanto entusiasmo, e os lançamentos de filmes atraentes eram restritos. São lançados no disquinho, além dos blockbusters costumeiros, obras-primas da história do cinema, que, antes, somente se podia vê-las em cinematecas sulinas ou na de Nova York ou de Paris. Há algum tempo, foi lançado um pacote contendo cinco significativos filmes do dinamarquês Carl Theodor Dreyer, um dos maiores realizadores de todos os tempos. Há quase tudo de Fellini, Visconti, Chaplin, Hitchcock, Andrey Tarkovsky, entre muitos outros. É impressionante a quantidade de filmes importantes que estão à disposição. Vi, pela primeira vez, por exemplo, Paixões que alucinam (Shock corridor, 1963) em DVD, obra raríssima de Samuel Fuller, que somente estava disponível na França.

É necessário, porém, ressaltar, que o fato de um filme vir em DVD não significa que a imagem tenha qualidade. Verdade seja dita, a maioria das distribuidoras prima pela qualidade, pelo apuro, colocando no mercado cópias luzidias. Mas há atentados imperdoáveis. Neste particular, a Europa gosta de atentar contra a integridade da obra cinematográfica. O que fez com Menina de ouro, de Clint Eastwood, pode ser considerado um crime, pois o filme, originariamente em cinemascope (ou, como se diz agora, ‘widescreen’), foi reduzido a uma abominável tela cheia (‘full screen’), podando as laterais da imagem e, com isso, desconfigurando o filme.

Quem nasceu antes do surgimento do vídeo ficava restrito às salas escuras dos cinemas se quisesse ver as imagens em movimento. Havia dois aspectos importantes: a inacessibilidade e a impossibilidade de intervir na temporalidade por parte do espectador. Inacessível porque alguns filmes eram exibidos uma ou duas semanas e, depois, quando saíam de cartaz, nunca mais voltavam, excetuando-os aqueles de sucesso, que sempre eram reprisados. Assim, se um determinado espectador interessado estivesse, por acaso, viajando ou, mesmo, doente, vinha a perder a contemplação de um filme que porventura lhe interessasse ver. Sentado em sua poltrona, o espectador não podia intervir na temporalidade, ficando escravo dela. Este último aspecto tem muito a ver com a recepção do filme, na maneira pela qual aquele que o assiste reage. No vídeo e no DVD, a impossibilidade vira possibilidade, e a pessoa pode, a qualquer momento, parar o filme, rever uma determinada cena, ir adiante, se for o caso. E fica com a impressão de ser 'dono' do tempo cinematográfico.

O advento do vídeo, para mim, velho cinéfilo, foi uma revolução. Não acreditei, quando me contaram, que, nos Estados Unidos, existia um aparelho que passava filmes, que era o videocassete. Em princípios dos anos 80, a fita magnética ainda não tinha sido lançada no mercado brasileiro para uso doméstico. Assim, quando me falaram que a pessoa podia ter, numa caixinha, o seu filme preferido, fiquei estupefato. Já em meados dos anos 80, 1986, comprei um vídeo de marca Sharp, e, nesta época, havia, apenas, uma locadora, que se situava na rua 8 de dezembro, na Graça, a Vídeo Club do Brasil. Apesar da novidade, as cópias eram ruins, com bolas alaranjadas em torno dos personagens. Impossível se contemplar a luz, tão importante, na apreciação da obra cinematografia, as cores, e a fotografia de um modo geral. As fitas, com o passar do tempo, foram se aperfeiçoando, mas nunca a substituir o filme visto na sala escura de um cinema. Com o DVD e o avanço da tecnologia nos aparelhos de televisão, o surgimento de telões sofisticados, de ‘datashows’, etc, podendo-se projetar o disquinho na tela, tem-se a impressão de uma projeção de sala de cinema.

Qualquer pessoa pode ter, atualmente, uma verdadeira cinemateca em casa constituída de obras raras. Como já falei em outro artigo, o ir ao cinema, hoje, está muito diferente do ir ao cinema do passado. A produção da indústria cultural hollywoodiana, se, vez por outra, apresenta algo palatável, na sua grande maioria, no entanto, o que se revela ao espectador é um lixo estupidificante. E o comportamento da platéia mudou muito. Ninguém mais pode agüentar ir ao cinema, pois a pipoca e o celular são os maiores inimigos de uma calma e sossegada visão de um filme. O pegar uma tela de antigamente virou um inferno de Dante. Não consigo me controlar quando alguém, a meu lado, atende um celular durante a exibição de um filme.

Mas no conforto do lar, o amante do bom cinema pode se deliciar com os grandes momentos da história das imagens em movimento. E, há, ainda, os extras. Há, nestes, em alguns discos, documentários que podem ser considerados verdadeiras aulas de cinema. Revi em DVD um ‘cult’, Aquele que sabe viver (Il sorpasso’ 1963), com Vittorio Gassman, Jean-Louis Trintgnant, e Catherine Spaak. Há uma entrevista admirável com o diretor Dino Risi, e uma outra com Gassman, o grande Gassman, pouco antes de sua morte. Na edição especial de Bullit, há vários documentários e um deles, magnífico, sobre a montagem do cinema, que não se pode deixar de ver.

10 abril 2007

Matar ou morrer


Muito mais que um western, este filme, segundo Claude Beylie, ensaísta francês, pretende ser uma parábola sobre a coragem individual diante da covardia coletiva. Faroeste com rosto humano, Matar ou Morrer (Hign Noon, 1952) pode ser considerado, também, uma paráfrase do horror macartista na sociedade americana da época, quando o senador Joseph McCarthy tenta caçar todos os “comunistas” de Hollywood. Fred Zinnemann, diretor austríaco instalado nos Estados Unidos, aproveitando um roteiro de Carl Foreman, faz do western um veículo para a sua visão da sociedade americana. O xerife de uma localidade do oeste, Will Kane (Gary Cooper no auge de sua carreira), procura ajuda entre a população para combater uns marginais que se preparam para atacá-la. Todos, no entanto, lhe negam o apoio e ainda aconselham a se retirar da luta a fim de evitar um derramamento de sangue. Contra a opinião de sua esposa (Grace Kelly), Kane não desiste e, só contra todos, espera, angustiado, a chegada dos assassinos.Zinnemann (A um passo da eternidade, Julia, O dia do Chacal, Espíritos indômitos...) estrutura a sua narrativa com absoluto respeito à unidade de tempo - que serve para potencializar o suspense à medida que a hora fatal vai chegando. Matar ou morrer é um western sólido, sóbrio e bem construído, que, contrariando os cânones tradicionais do gênero, não se apóia na ação física - uma constante do western tradicional. A dimensão psicológica dos personagens adquire, aqui, capital importância: a descrição minuciosa da conduta de cada um, a crescente angústia do xerife situado entre a obrigação moral e o instinto de conservação. Foreman e Zinnemann pretendem refletir uma época na qual muitos setores do país ficam paralisados pelo medo ao contrário de uns poucos que assumem sozinhos suas graves responsabilidades morais. Desde No tempo das diligências (Stagecoach, 1939), de John Ford, western paradigma e emblemático, o gênero, sempre baseado mais na ação física, evolui para sobreviver aos tempos, rompendo, com a ajuda de cineastas como William A. Wellman, Samuel Fuller, Delmer Daves (Flechas de fogo), Howard Hawks, John Sturges, Nicholas Ray, John Ford e Anthony Mann, os estereótipos de outrora. O western humaniza-se, torna-se poético, adulto, adquire status como veículo para a análise de comportamentos e da condição humana (Rastros de ódio, de John Ford, Winchester 73, de Anthony Mann, Johnny Guitar, de Nicholas Ray, Conspiração do silêncio, de John Sturges, Onde começa o inferno/Rio Bravo, de Howard Hawks...).Matar ou morrer representa um divisor de águas no gênero (entende-se por gênero um conjunto de filmes que possuem o mesmo conteúdo narrativo e seguem o mesmo esquema para explicitá-lo) que se intelectualiza a partir deste filme de Zinnemann. Há cada vez mais psicologia e drama de consciência nos personagens, como neste High noon, e em Um homem solitário, de Ray Milland, 1954, não faltando mesmo a nota freudiana, como no insuperável Rastros de ódio, de Ford, e Gatilho relâmpago, de Robert Rouse, 1957. Mas a alegoria do bem e do mal ressurge com força de tragédia grega em duas obras-primas: Madrugada da traição, de Edgar Ulmer, 1956, e Crimes vingados, de Charles Haas, 1957. E a legenda do herói romântico que chega ao povoado, distribui a justiça e vai-se embora como um desconhecido, é retomada em Os brutos também amam (Shane, 1953), de Georges Stevens.
Em Matar ou morrer, Zinnemann respeita a unidade de tempo, isto quer dizer: o tempo físico é igual ao tempo dramático. Com uma duração de 89 minutos, tempo tomado pela projeção do filme, High noon tem sua ação dramática compreendida neste mesmo tempo, ou seja: a compreensão do tempo levado pelos acontecimentos narrados. Assim, Gary Cooper espera os malfeitores durante um tempo igual ao da projeção do filme. Para sinalizar o avanço temporal, é mostrado sempre um plano de detalhe de algum relógio onde se encontre o personagem. Procedimento igual, entre muitos outros, fazem Robert Wise em Punhos de campeão (The set up) e Alfred Hitchcock em Festim diabólico (Rope, 1948). High noon tem uma iluminação bastante funcional de Floyd Crosby, inserida nas solicitações dramáticas, assim como a partitura de Dimitri Tiomkin, cujo tema principal se torna um clássico da música para cinema. E fica no ouvido da gente.
Ao psicologismo reinante, Howard Hawks respondeu com o classicismo de Onde começa o inferno, que se poderia dizer obra mais que prima. Se uma obra é mais que prima, como poderia ser classificada?

Roberto Pires: cineasta inventor


Se o cinema na Bahia não existisse, Roberto Pires o teria inventado, escreveu Glauber Rocha em 'Revisão Crítica do Cinema Brasileiro' (Civilização Brasileira, 1963), uma reavaliação histórica do processo de criação da cinematografia nacional, um livro importante que provocou polêmicas na época. Nesta publicação, Glauber considera 'Limite' um mito a ser desmistificado, apesar de o filme não ter sido ainda restaurado, diz que 'O Cangaceiro' é um produto falso feito na paisagem paulista, com um 'décor' descaracterizado e uma estrutura narrativa 'westerniana', entre outros pontos provocativos e emergentes de um cinemanovismo. Humberto Mauro é coroado como o patrono do cinema brasileiro, o cineasta que plantou as raízes e colheu os frutos com seus filmes autênticos e enraizados. Mas se está pegando um atalho e saindo da estrada, porque ela, a estrada, é Roberto Pires, o realizador de 'Redenção', a primeira longa metragem feita na Bahia, com lente anamórfica (cinemascope) inventada por ele na ótica de seu pai. 'Redenção', sobre ser uma obra de pioneiro, de desbravador, tem uma singular importância para a eclosão do Ciclo Bahiano de Cinema que viria a seguir. O filme é um exemplo, uma espécie de prova da possibilidade da existência de um cinema nestas plagas. Quem viu a 'avant-première', em 'black-tie', no cine Guarany, em 1959, não esquece o entusiasmo de todos. É vendo 'Redenção' que Glauber Rocha sente que, de fato, seria possível se desenvolver, aqui, uma indústria cinematográfica. Encontrando, por acaso, Rex Schindler, no escritório de Leão Rosemberg, Glauber inicia uma amizade com Rex que vem a resultar no projeto do cinema baiano.

'Redenção' não pode ser incluso dentro dos postulados cinemanovistas, pois um 'thriller', um policial com acentos amadorísticos. Mas, como acontece com a projeção de 1895 - data do nascimento do cinema - da chegada do trem dos Irmãos Lumière, apenas o fato de se ver, na tela, imagens de pessoas participando de uma história 'em movimento', o filme se torna uma lenda. O orgulho é imenso, e, naquela época, aquele que participa, numa pontinha, do filme de Roberto Pires, faz questão de dizer: 'Eu trabalho em 'Redenção' Roberto Pires o filma nos finais de semana e o roteiro, imaginado e pré-visualizado em 1955, tem suas filmagens iniciadas no ano seguinte . A equipe técnica, trabalhando nos dias úteis em outras atividades para sobreviver, só se encontra disponível aos sábados e domingos. Assim, a fita é rodada a prestações até que um ilheense apaixonado por cinema, Élio Moreno de Lima, decide aplicar mais recursos, injetar mais verbas para o aceleramento da produção que, afinal, só fica pronta em 1959. Pires, um inventor e um artesão que se forma na intuição, vendo filmes policiais americanos, sem freqüentar o Clube de Cinema de Walter da Silveira, consegue, e não se sabe a que custos, finalizá-la, lançando-a com sucesso surpreendente no mercado soteropolitano. Rex Schindler e Braga Neto resolvem bancar 'Barravento', de Glauber Rocha, dando início ao que se chama a 'Escola Bahiana de Cinema'. Glauber, crítico de cinema do então recém-fundado Jornal da Bahia, entra no meio das filmagens de ''Barravento', remodelando o roteiro e o idealizando à sua imagem e semelhança. Schindler, Glauber, Braga Neto e outros têm um projeto para a instalação de uma indústria de filmes - Glauber como mentor intelectual da turma. Dá-se início às filmagens de 'A Grande Feira' (1961), com argumento de Rex, roteiro deste e de Pires com direção do último. A artesania, que Pires demonstra na construção da 'mise-en-scène', o habilita como cineasta neste drama sobre a Feira de Água de Meninos com acentos cordelísticos e brechtinianos. Sucesso estrondoso em Salvador, anima os produtores a partir para 'Tocaia no Asfalto' (1962), que seria dirigido - segundo o esquema de rodízio estipulado - por Glauber, mas este, já detonando o Cinema Novo no SDJB - o célebre Suplemento Dominical do Jornal do Brasil editado por Reynaldo Jardim - e preparando, no Rio, a produção de 'Deus e o Diabo na Terra do Sol', indica Roberto Pires. 'Tocaia no Asfalto' tem um tema atual pois trata da corrupção, da tentativa de se instalar uma CPI e do pistoleirismo. A sua estrutura narrativa é de um 'thriller', bem ao gosto de seu diretor, e há momentos de puro cinema: a perseguição de Agildo Ribeiro, o pistoleiro, para matar um político no interior da Igreja de São Francisco e o tiroteio no cemitério do Campo Santo. O que se denomina de 'Escola Bahiana de Cinema' se restringe aos filmes idealizados pelo grupo de Rex, Glauber, Pires e Braga Neto, entre outros - 'Barravento', 'A Grande Feira', Tocaia no Asfalto', mas, nesta época, de imenso burburinho, a Bahia vive o cinema, com produtores do sul e até do estrangeiro ('O Santo Módico', de Jacques Viot), além de outros baianos que conseguem se estabelecer com produções de outras empresas - como a Winston Carvalho que banca 'O Caipora', de Oscar Santana; como a Tapira de Palma Netto, que tenta dar uma resposta ao problema feirante através de um outro filme, 'Sol Sobre a Lama', que é dirigido pelo carioca Alex Viany, mas produção genuinamente baiana; como Ciro de Carvalho Leite, que financia 'O Grito da Terra', de Olney São Paulo, em Feira de Santana. O Ciclo Bahiano de Cinema' reúne todos os filmes que são realizados na Bahia entre 1959 e 1963, inclusive os da 'Escola... Roberto Pires é muito ligado a Iglu Filmes - que tem este nome por causa de um bar na Praça da Sé, onde os cineastas costumam se reunir. Faz-se, neste período, até atualidades como 'A Bahia na Tela', um cine-jornal cuja estampa é o cartão postal do Elevador Lacerda.. Pires tem um sentido, diga-se assim, intuitivo da construção de uma mise-en-scène, tem, aliás, como poucos brasileiros, um faro excepcional para trabalhar com o específico fílmico, com a linguagem cinematográfica. 'Redenção' é um rascunho, mas 'A Grande Feira' e 'Tocaia no Asfalto' são exemplos significativos da artesania do cineasta, de sua 'posta em cena'. Ainda que seguindo os cânones de uma estrutura narrativa clássica - e, de certa forma, acadêmica, Pires possui o que muitos não têm: o engenho e a arte de saber se articular por meio de elementos puramente cinematográficos. Seus melhores filmes ('Feira', 'Tocaia') mostram um realizador em plena consciência de seu ofício. Mas um cineasta que precisa do apoio de um argumento e de um roteiro sólidos. É, nesse ponto, mais um executor do que um autor, um artesão que sabe com maestria desenvolver um argumento alheio. E de artesãos como Pires é que o cinema brasileiro precisa para conquistar o mercado, envolver o público, cativar o cinéfilo. Com a derrocada do Ciclo Bahiano de Cinema - o velho problema de distribuição, Pires vai tentar a vida no Rio de Janeiro e realiza, em 1963, 'Crime no Sacopã', filme que, desaparecido, precisa, urgentemente, de uma revisão. Montando filmes alheios para sustentar a família, enquanto aguarda o próximo longa, o cineasta, em 1967, realiza um policial na medida certa do seu talento: 'A Máscara da Traição', com Tarcísio Meira, Glória Menezes e Cláudio Marzo, então atores globais em alta. O filme conta a execução de um grande assalto aos cofres do estádio do Maracanã em dia de jogo decisivo. Convidado por produtor americano para realizar um 'thriller' à brasileira, recusa o convite e indica Alberto Pieralisi, que dirige 'Missão Matar', com Tarcísio Meira na pele de um James Bond dos trópicos. Uma experiência em 16mm, para posterior ampliação em 35mm e exibição nos cinemas, é um fracasso em 1970: 'Em Busca do Su$exo', com Cláudio Marzo, Eulina Rosa, Sílvio Lamenha. Filmado no Rio, aproveita atores globais, mas não se vê, neste filme, o 'metteur-en-scène' tão proclamado. A seguir um ostracismo de dez anos até que arranja produção, monta um estúdio na Boca do Rio e se aplica numa 'science-fiction': 'Abrigo Nuclear'. Para dar certo, no entanto, precisaria de uma infra-estrutura que Pires não consegue arranjar. O resultado é outro fracasso. Anos depois, faz, em Goiânia e Brasília, um filme sobre o acidente do césio, que recebe elogios mas não consegue a circulação merecida. Assistente de Glauber Rocha em "A Idade da Terra", participa também de "Di Cavalcanti". O seu grande momento, todavia, se encontra nos anos 60. Esperava-se, de Pires, uma nova longa: 'Nasce o Sol a 2 de Julho', cujo argumento é de Rex Schindler. Mas ele morreu. Morreu de cancer, que, dizem, pegou quando filmava em Goiania o seu filme sobre o acidente nuclear.
O maior cineasta baiano, Roberto Pires. Claro, há Glauber Rocha, mas este é universal e não se compara. Separa.
A foto ao lado é da bela Helena Ignêz num enquadramento de 'A grande feira', um dos grandes filmes do cinema baiano em todos os tempos.

Polanski e Nicholson na Bahia




Em 1973, fevereiro, Roman Polanski e Jack Nicholson estiveram em Salvador, quando passaram alguns dias. Imagens raras da chegada deles ao aeroporto sendo recebidos por jornalistas. Naquela época, tinha ido ao Rio de Janeiro conhecer o Carnaval carioca e decidiram dar um pulo na Bahia. Nicholson estava se preparando para filmar Chinatown, daí o corte de seu cabelo rente, e Polanski gostava de exotismo, tanto que fez questão de conhecer o relógio de sol de Arempebe. Foi na kombi da Tribuna da Bahia levado, dia seguinte, pelo repórter fotográfico Lázaro Torres. O autor de Rosemary's baby também esteve na Casa do Rio Vermelho para conhecer, in loco, Jorge Amado. Zélia Gattai tem várias fotografias desse encontro de celebridades.


09 abril 2007

Objetos em eterno retorno


Amanhã, dia 10 de abril, às 19 horas, no Instituto Goethe, lançamento da exposição de Ediane do Monte, que se intitula Desutilidades Poéticas. O Goethe (ou o Icba como é também conhecido) fica, como todo mundo está careca de saber, no Corredor da Vitória. O que ela pretende é apresentar trabalhos em diferentes formas "quando um objeto codifica o outro, estabelecendo, assim, um eterno retorno, um círculo, onde todos se encontram como micro e macro cosmo". Entenderam? As palavras, catei-as do convite da exposição. Para se ter uma idéia melhor do que a artista pretende a única solução é ir ver seus trabalhos in loco, isto é, no Icba, que estarão abertos à visitação pública até o fim do mês, 30, de segunda a sexta das 9 às 18 horas. A entrada é franca.