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18 março 2006


Em sua relação de filmes notáveis, publicada no Reduto do Comodoro, o cineasta paulista Carlos Reichenbach incluiu O rei dos mágicos (The geisha boy, 1958), de Frank Tashlin, com Jerry Lewis, pela subversão patrocinada na comediografia americana, pelo non sense que a permeia (basta dizer que um japonês gigantesco cai numa piscina em Tóquio e faz inundar toda a cidade). Tashlin, diretor genial, ensinou muito a Lewis, quando, em meados da década de 50, começou a dirigir os seus filmes. O comediante sempre gosta de afirmar que Tashlin foi, para ele, um professor. Mas se nas comédias de Tashlin há uma subversão do gag, nos filmes dirigidos por Lewis esta subversão chega a um grau de exaustão.

17 março 2006

A OBRA-PRIMA DE JERRY LEWIS


Revi recentemente quase todos os filmes dirigidos por Jerry Lewis e, na minha opinião, a sua obra-primíssima é O Otário (The Patsy, 1964), que pode ser encontrado em excelente cópia em DVD - a imagem ao lado é deste filme Impressionante a capacidade de Lewis em experimentar e inovar, subvertendo códigos estabelecidos.Não é à toa que Jean-Luc Godard o considerou um dos mais progressistas cineastas do cinema americano.Infelizmente, para a maioria, que o aprecia, ele é considerado, apenas, um excelente comediante, vinculado, inclusive, às sessões da tarde da Globo dos anos 80. Ledo e ivo engano. Um ensaio sobre a obra lewsiana de autoria de Chris Fujiwara pode ser lido no seguinte link:http://www.sensesofcinema.com/contents/directors/03/lewis.html

16 março 2006



Jerry Lewis e Stella Stevens em O professor aloprado (The nutty professor, 1963), um dos filmes mais importantes do autor, que hoje, dia 16 de março, cumpre 80 anos.

Jerry Lewis faz 80 anos


Jerry Lewis, um dos maiores comediantes de toda a história do cinema, nasceu no dia 16 de março de 1926, completando, portanto, hoje, 80 anos. O blog não poderia esquecer a data de um dos mais inventivos diretores (quando resolveu também dirigir) do cinema americano dos anos 60. Pelo menos, ainda que rasgando o conceito, tem duas obras-primas: O otário (The patsy, 1964) e O professor aloprado (The nutty professor, 1963). Obras-primas, diga-se de passagem, do processo de criação cinematográfico em todos os tempos.
Enquanto nos dias atuais inexiste uma, por assim dizer, poética do gag, com uma exacerbação das situações num “speed” escatológico ou na procura “nerd” do ridículo, mas, sempre, sem nenhuma inventividade cinematográfica, as comédias de tempos idos evocam o riso pela imaginação criadora, quer do ponto de vista do ser, quer do ponto de vista da narrativa fílmica. Assim, faz-se necessário, aqui, relembrar com urgência urgentíssima a genialidade de Jerry Lewis, um dos maiores comediantes do cinema em todos os tempos, e de seu singular O Professor Aloprado (The Nutty Professor, 1963), obra-prima não só da comédia mas do cinema. Inclui-se nessa excelência criadora também O otário. Artista criador, revolucionário mesmo na concepção de uma mise-en-scène originalíssima, Jerry Lewis é um poeta ou, como disse Jean-Luc Godard, “o mais progressista cineasta do cinema americano dos anos 60”. Versão (ou inversão?) de O Médico e o Monstro, de Robert Louis Stevenson, O Professor Aloprado conta como um pacato e modesto professor de química, feio, dentuço, desengonçado e mal ajambrado, consegue criar uma fórmula capaz de lhe impor a beleza e o charme. Apaixonado por uma de suas alunas (Stella Stevens), ele tenta conquistá-la quando toma a poção mágica e vira o charmoso Buddy Love. A fórmula, no entanto, tem duração limitada e, de repente, a criatura se transforma, aos poucos, no criador, principalmente nos momentos idílicos entre Buddy e Stella, mas ele, sabidamente, desaparece. Buddy Love provoca celeuma na escola, deixando, estupefatos e apaixonados, desde a secretária (a lewsiana Kathleen Freeman), as alunas e até o grave e circunspecto diretor. O clímax se dá no baile de formatura no momento em que Buddy, o convidado de honra, se metamorfoseia no desengonçado professor. A inventividade de Jerry Lewis no plano da linguagem cinematográfica é imensa. Cenas brilhantes que se encontram em qualquer antologia que se preze da comediografia cinematográfica: (1) o processo de transformação do professor Kelp em Buddy Love com um extraordinário uso da cor poucas vezes observado na história da arte do filme; (2) a câmera subjetiva em lugar de Buddy finda a metamorfose (e ainda quando o espectador não sabe do resultado) e o espanto dos transeuntes que circulam na porta da boate; (3) a seqüência do ginásio traduz com absoluta perfeição a frustração essencial do personagem lewisiano diante da mitificação esportiva norteamericana; (4) a ambigüidade estampada no close up de Stella Stevens quando Buddy inicia os tiques diccionais de seu criador; (5) o professor a olhar e imaginar Stella na porta da sala em várias mudanças de sua indumentária; (6) depois da noite perdida, e de ressaca, o professor pálido, na aula, ouvindo, desesperado, o ruído exagerado do giz riscando o quadro, a aluna que assoa o nariz, etc, numa conjugação funcional da imagem e do som; (7) toda a seqüência do baile de formatura, e, em especial, a cena da transformação da criatura no criador; entre muitas outras. Lewis desmistifica o espetáculo, revelando seus códigos com uma coragem inusitada para a linguagem da época. O final é de uma terrível elegância, quando os principais atores, um a um, como se estivessem num palco de teatro, agradecem enquanto seus nomes são creditados na tela. O último é Jerry Lewis que, literalmente, quebra a lente da câmera.
Este artista mal compreendido, que somente vem a receber o respeito crítico a partir do número especial que lhe dedica o sisudo Cahiers du Cinema, é o máximo representante da comicidade non sense do cinema americano posterior a 1945. Lewis parodia, com seus filmes dirigidos nos anos 60, e com singular acerto, as frustrações psicológicas do american way of live. Os seus instrumentos de análise (ou, se se quiser, o seu método) estão na utilização imaginativa da técnica do gag. Gênio da comédia, cantor das orquestras de Jimmy Dorsey e Ted Florita, Jerry Lewis (Joseph Levitch, New Jersey, 1926) forma dupla com Dean Martin em 1946, atua em televisão e rádio, e, em pouquíssimo tempo, torna-se popular coast to coast em toda a América. A dupla mais burlesca do mundo do espetáculo logo é convidada para ingressar no cinema – e isto se faz através da Paramount.Entre 1949 e 1956, Lewis começa uma extraordinária carreira solo sob as ordens de um mestre da comédia: Frank Tashlin. Aliás, a sua separação de Dean Martin revela que o êxito da dupla radica fundamentalmente no talento cômico de Lewis. Artistas e modelos (1955), filme que assinala a sua estréia sob a direção de Tashlin, dá início a uma série de títulos que se constituem em agudas sátiras da sociedade norte americana expostas com um estilo refinado que se aproxima algumas vezes do cartoon e das histórias em quadrinhos. É, porém, quando Jerry Lewis decide montar uma companhia independente (a Jerry Lewis Productions Inc.) que emerge o seu gênio. Desde O Mensageiro Trapalhão (The Bellboy,1960), obra de estréia, o indicativo da originalidade na arte de conceber a mise-en-scène está presente. Neste filme, não há progressão dramática mas uma sucessão de sketchs, assim como em Mocinho encrenqueiro (The errand boy, 1961). O Terror das mulheres (The ladie´s man, 1961) deslancha a sua fase de obras-primas absolutas (se é possível a um artista ter mais de uma obra-prima!). Filme que representa na obra de seu autor um inequívoco manifesto sobre a concepção da mulher e uma irrefutável fulminação do matriarcado, O Terror das mulheres é delirantemente desmistificador (a partir mesmo do cenário, uma grande mansão na qual os segredos do décor são revelados ao público). Vem O professor Aloprado em 1963 e, em seguida, O Otário (The Patsy, 1964), outra obra magistral, onde aperfeiçoa, amadurece e enriquece definitivamente o seu estilo: a crueldade que consiste em fazer rir de si próprio; a magistral utilização do showburn; o gosto do espetáculo e a vontade em revelar ao espectador o décor, o desdobramento de sua personalidade autor-ator, a explosão em personagens múltiplas, etc. Lewis continua a filmar, tem uma crise nos anos 70, mas seus maiores filmes, os geniais, estão na década de 60.
Parabéns Jerry Lewis! Muitos anos, ainda, de vida!

15 março 2006

Sensualidade à flor da pele


Poucas as mulheres com o poder de sedução de Linda Fiorentino, que possui uma sexualidade à flor da pele. Não é, no entanto, uma atriz de primeira grandeza, mas convence nos filmes que trabalha. Como é exemplo Jade, de William Friedkin, obra impactual cujo lançamento em DVD ceifou-lhe as partes laterais, pois o filme originariamente é em cinemascope e está apresentado em tela cheia.Até quando as distribuidoras vão praticar esses atentados à integridade da obra cinematográfica? Até quando? Creio que vão continuar o massacre, pois as distribuidoras pequisam o gosto médio do público, que é péssimo. Ariano Suassuna tem razão quando diz: "Infeliz do artista que molda sua arte pelo gosto médio do público". Se Jade se encontra massacrado em DVD, o que resta fazer aquele que nunca o viu? Esperar por uma reprise em cinemas é esperar Godot. Talvez seja o caso, dada a excelência do filme, de tapar o nariz e procurar ver assim mesmo no abominável full screen.

14 março 2006

"Jade", de Friedkin: força e impacto


Jade, quando lançado nos cinemas, na segunda metade dos anos 90, passou batido. Mas o filme me causou um grande impacto, registrando-o na época, como uma voz a clamar no deserto, na minha coluna em jornal local. Se houve alguma manifestação favorável da crítica, não a vi pela imprensa. Creio que Jade foi exibido em brancas nuvens. E há, inclusive, um certo preconceito em relação a William Friedkin, seu autor, por causa do obscurantismo de se achar que todo filme de ação é uma mixórdia oriunda de Hollywood. Poucos os diretores que sabem usar e determinar o tempo cinematográfico como William Friedkin, mais conhecido por causa de filmes como Operação França e O exorcista. Há poucos dias, revendo Bullit, alguém comentou que o que importa realmente neste filme é o tempo. Jade envolve o espectador de tal maneira, mas um envolvimento, por assim dizer, estético, pela sua delirante mise-en-scène. Com roteiro de Joe Eszterhas (o mesmo de Instinto selvagem, de Paul Verhoeven), Jade é um filme brilhante. Quando o vi na tela grande, retornei três vezes, mas ontem, localizando-o numa locadora, aluguei-o na hora sem olhar e ler se estava íntegro no seu enquadramento. Colocado no aparelho, eis que vejo, horrorizado, que Jade está sendo lançado (como Menina de ouro, de Clint Eastwood) em abominável full frame ou full screen ou seja lá que denominação possa ter um filme quando é ceifado, arruinado, destruído na sua integridade para se moldar ao gosto de um público débil mental, que prefere a tela cheia ao cinemascope. Retirei o disco, não revi Jade. Devolvi à locadora e não o joguei fora porque teria prejuízo. No elenco, David Caruso, a sensualíssima Linda Fiorentino, Chazz Palminteri, Richard Crenna, entre outros. A iluminação é de um artista da luz: Andrzej Bartkowiak. E a música de James Horner fica no ouvido.

12 março 2006

"O jardineiro fiel" em DVD


Fernando Meirelles, realizador formado pelo filme publicitário, tem predileção pela câmara na mão e se recusa, sempre, a estruturar as suas seqüências em pontos geométricos - a seqüência com paredes onde a câmara se situa em lugares determinados como que a fechar um espaço determinado. Em Meirelles, a indeterminação do espaço é uma de suas características. O resultado final é um estilhaçamento, estabelecendo sua mise-en-scène com tomadas rápidas, frenéticas. Mas da extrema fragmentação consegue, por talentoso, fazer emergir uma poética, uma escrita consistente. Ainda que não aprecie a chamada estética do videoclip acoplada à narrativa cinematográfica, aceitando-a, apenas, no videoclip como tal, rendo-me ao discurso fílmico de O jardineiro fiel, que acaba de sair em DVD. É um filme muito acima da média do que estamos acostumados a ver no cinema contemporâneo industrial. Adaptação do livro de John Le Carré (O espião que saiu do frio, entre outros), Meirelles adaptou-o à sua maneira, inserindo uma parte documental filmada in loco, na África, que faz lembrar, em alguns momentos, Cidade de Deus. Há uma tomada de um galo a correr que me parece uma citação deste último. Ao contráro de Baz Luhrmann, que em Moulin Rouge faz do estilhaçamento um processo de esfacelamento narrativo corrosivo, provocando, no espectador, apenas ruídos indesejáveis, o realizador de O jardineiro fiel sabe juntar os cacos de sua intempestiva fragmentação com engenho e arte. A estrutura narrativa dessa obra de insólita importância é pensada e bem articulada, a oferecer ao espectador informações em conta-gotas a respeito da trama, criando, com isso, um filme in progress, que se faz surpreender a cada instante no seu desenvolvimento. Quem o perdeu na tela grande, tem, agora, a oportunidade de avaliá-lo no disquinho.

Europa mata a Menina de Ouro

A distribuidora de DVDs Europa matou, praticamente, a oportunidade de contemplação de Menina de ouro (Million dollar baby), de Clint Eastwood, com o lançamento de cópias standard de um filme originariamente concebido em cinemascope. Menina de ouro não deve ser visto em DVD assim como está, porque o que a Europa fez se caracteriza como um atentado criminoso à integridade da obra cinematográfica. Adaptou-se ao gosto médio do público, infelizmente, que se interessa apenas pelo enredo do filme, preferindo-o, inclusive, segundo pesquisas das próprias distribuidoras, dublado em português. Sempre evitei ver filmes dublados, pois considero a dublagem uma intromissão indevida que descaracteriza o filme. Em primeiro lugar, a inflexão vocal tem muita importância na interpretação dos atores e, em alguns casos, faz mesmo parte da própria mise-en-scène. E, quando dublado, há um descontrole na mixagem da obra cinematográfica, ficando as bandas dos ruídos e da partituras diminuídas em função dos diálogos em português. A Europa, que nunca teve assim muita credibilidade, perdeu-a por completo com o lançamento no abominável full screen (tela cheia) de Menina de ouro, quando o certo seria o letter box, a preservar o cinemascope original.