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25 julho 2009

Pão, amor e fantasia

A Versátil está lançando Pão, amor e fantasia (Pane, amore e fantasia, 1953), de Luigi Comencini, grande sucesso do cinema italiano na década de 50, e filme que lançou ao estrelato Gina Lollobrigida, que aqui se encontra no auge de sua beleza. Nota-se um aproveitamento dos postulados neorrealistas como uma fórmula para a feitura de comédias mais comerciais e, em consequência, mais superficiais. Mas a direção de Comencini dá um sabor especial ao filme, e serve, pelo menos, como uma amostra do estilo de representação da comediografia italiana da época. Pão, amor e fantasia fez tanta bilheteria que determinou mais duas outras continuações. No elenco, além de Lollô, Vittorio De Sica, o realizador de Ladrões de bicicletas e Umberto D, entre outros títulos notórios, que gostava de posar de galã, ainda que o passar dos anos. Para quem morou em Salvador nos anos 50 e 60, é filme típico do cine Art da rua da Ajuda. A visão, hoje, de Pane, amore e fantasia me fez viajar no tempo e encontrar, nos arcanos de minha memória, o velho cinema da Art Films, que se especializava em importar filmes italianos. Há, por exemplo, um filme italiano, Férias no paraíso (Vacanze d'inverno, 1959), que vi aos 12 anos, neste mesmo Art, e nunca mais me esqueci. Vittorio De Sica pilotava uma moto.

Saudades do cinema Pathé (Rio)

Jonga Olivieri, nos seus périplos pelos antigos cinemas do Rio, fotografou o Pathé, uma sala que tem muita história e, pela sua tela, foram exibidas muitas preciosidades da arte cinematográfica. Os velhos cinemas, para a geração que se iniciou a ver as imagens em movimento nas salas de projeções, fazem parte da memória afetiva e, muitas vezes, associa-se a sala com o filme visto. Assim, quando se falava em Ben-Hur (ou outro filme qualquer) vinha logo à mente, para o carioca, o Metro Copacabana (ou outro Metro do Rio). Com o advento dos complexos de shoppings, as salas são indiferenciadas, iguais, e perdeu-se a atmosfera, o clima característico de cada cinema em particular. Encontrei na internet, sem assinatura, este histórico do Pathé, que vai transcrito abaixo:
"Características físicas: embora o Cinematographo Pathé, inaugurado em 18 de setembro de 1907, seja o cinema existente mais antigo do Rio de Janeiro, poucas informações foram colhidas a respeito do prédio onde se instalara, sabendo-se, pelos comentários de sua inauguração que era “muito amplo, havendo também uma confortável sala de espera”. (6) As projeções animadas que exibiam eram anunciadas como sendo “isentas de trepidação, claras e perfeitas”. (5)

Mudando-se para novo prédio, que ficava ao lado do edifício do Jornal do Brasil, ”possuía um pequeno palco para a realização de conferências” (M. Nunes, v.1. p. 76). E com a formação de uma pequena companhia teatral, organizada por Leopoldo Fróes, as instalações da casa sofreram modificações. “Foi ampliado, apropriado a representações teatrais e construídos camarins, que eram gaiolas de madeira, umas sobre as outras”. (21).

Foi somente na mudança para o prédio da Av. Central 151/153 que, por poucos meses, o Pathé apresentou espetáculos teatrais. A estréia em 12 de maio de 1915 foi com a peça “Mulheres nervosas”, de Blun e Touché, traduzida por Jaime Vitor. Elenco do espetáculo: Lucília Peres, Leopoldo Fróes, Tina Vale, Montani, Julia Vidal, Eduardo Leite, Comendador Matos, Átila Morais, Manoel Pinto e José Castro.

A peça apreentada em duas sessões, com a casa repleta, “fora montada com elegância e a representação tivera um cunho de alta distinção”. (21)

A companhia de Leopoldo Fróes permaneceu até 01 de setembro e o Pathé passou a exibir programas exclusivamente cinematográficos, não se encontrando mais nenhuma notícia a respeito de outros espetáculos de palco.

A inauguração do Pathé, em 1907, exibiu vários filmes, relacionados aqui a título de curiosidade: “Estréia de um patinador; Guarda-chuva fantástico; As duas irmãs; O homem de palha; A caverna da feiticeira; Passeio no campo; Pena de Talião; Clown médico; Danças cosmopolitas e Aprendizagem de Sanchery”. (6). Durante a exibição e nos intervalos apresentava-se um sexteto sob a direção do maestro C. Noli.

O último cinema Pathé, inaugurado em 1928, constituiu “produto do diligente esforço dos irmãos Marc Ferrez, Julio e Luciano” (21). Trata-se de um edifício com as características arquitetônicas comuns aos demais cinemas da Cinelândia, com sua fachada principal voltada para a Praça Marechal Floriano. Seu interior, de amplas proporções, apresentava bela decoração e iluminação, assemelhando-se ao Capitólio e ao Império.

Vinculação: de propriedade particular da família Marc Ferrez, era administrado pela Empreza Arnaldo & Cia."

23 julho 2009

"Alguém morreu em meu lugar", com Bette Davis

Exemplar típico do filme de suspense e terror do cinema americano dos anos 60, antes dos efeitos especiais, dos monstros, das sextas-feiras e dos aliens, e das gosmas repelentes, Alguém morreu em meu lugar (Dead ringer, 1964), de Paul Henreid, segue a trilha aberta por O que teria acontecido a Baby Jane? de Robert Aldrich, quando Bette Davis, já envelhecida, com o sucesso deste filme, ficou a repetir papéis de mulher má e severa em fitas de terror. Mas Dead ringer é uma produção bem cuidada, dirigida com competência artesanal, apuro visual, e, descobri, agora, que David Cronenberg tirou o título original de seu Gêmeos, mórbida semelhança, com Jeromy Irons, do filme em questão, que no original é o mesmo: Dead ringer. E há ainda a coincidência de se tratar, ambos os filmes, de obras sobre gêmeos.


Bette Davis, em papel duplo, faz as duas irmãs gêmeas, uma pobre, dona de um bar em local meio suspeito, e outra milionária, casada com um aristocrata riquíssimo, mas que vem a morrer. O filme começa no seu enterro, quando a menos aquinhoada pela sorte comparece a ele e é convidada pela irmã rica para uma visita a sua mansão. De volta a seu bar, vê-se às voltas com o despejo do local por falta de pagamento (onde mora em cima). A rica conta a ela que teve um filho com o marido, mas que morreu. No carro de volta, o motorista lhe revela que nunca teve conhecimento de tal criança. Em sua casa, quando retorna, telefona para a irmã e lhe pede que se encontre com ela no bar. A pobre resolve matar a rica e se fazer passar por ela já que são idênticas. O filme se desenvolve a partir do momento em que uma assume o papel da outra e as surpresas vão se sucedendo até o aparecimento de um amante da irmã milionária interpretado por Peter Lawford. Karl Marden comparece como um delegado que gostava da irmã assassinada e que ajuda a complicar o plano perfeito.


Não há, em Alguém morreu em meu lugar, uma sucessão de sustos como sói acontecer em filmes mais chamativos e apelativos. O desenvolvimento da narrativa tem o vagar necessário para que o espectador possa entrar na história. O diretor Paul Henreid, austríaco, que trabalhou no cinema americano, é aquele ator de Casablanca que fez o papel de Victor Lazlo, o sortudo que fica, no final, com Ingrid Bergman. Antes de chegar aos Estados Unidos, trabalhou em teatro com o expressionista Max Reinhardt.

22 julho 2009

"Esta loura vale um milhão", de Minnelli

Nos estertores do filmusical clássico, Vincente Minnelli ainda se atreveu a realizar Esta loura vale um milhão (Bells are ringing, 1960), uma deliciosa comédia musical que tem no elenco a talentosíssima Judy Holliday (que viria a morrer ainda jovem de câncer - e celebrizada dez anos antes por Nascida ontem, de George Cukor), Dean Martin, Fred Clark, Jean Stapleton, entre outros. Baseado num peça de Betty Comden e também roteirizada por ela. A trilha sonora é excelente a cargo de Jule Styne com orquestração primorosa de André Previn. Recomendado apenas para minnellianos fanáticos. Como este desesperado bloguista.

Grande mostra de Godard no V Semcine


O V Seminário de Cinema e Audiovisual está nas portas e, para este ano, além das costumeiras mesas redondas e quadradas, programada uma grande mostra retrospectiva de Jean-Luc Godard, que acontece entre os dias 28 e 31 de julho no Teatro Martim Gonçalves (Escola de Teatro do Canela). Com a curadoria do estudioso francês Alain Bergala. Os filmes programados são: Alphaville, Carmem de Godard, O demônio das onze horas (título absurdo que tomou o maravilhoso Pierrot, le fou), O desprezo (Le mépris, com uma esfuziante Brigitte Bardot nua e delirante como Deus a criou), Detetive, Elogio do amor, Infelizmente para mim, Je vous salue, Marie, Made in USA, Uma mulher é uma mulher, Nouvelle Vague, Para sempre Mozart, Passion, O pequeno soldado, e Tempo de guerra (Les carabiniers).
Há, também, sobre Godard, mesas redondas que discutirão a sua estética e a sua arte, todas programadas para o palco do Teatro Castro Alves. Todas as informações para o V Semcine estão aqui neste site, inclusive as inscrições: http://www.seminariodecinema.com.br/
O belo cartaz acima é de Pierrot, le fou. Dê um clique para vê-lo ampliado e mais belo.

21 julho 2009

50 anos de "Intriga Internacional"

No final dos créditos de Intriga Internacional (North by Northwest, 1959) é que aparece Hitchcock com a porta do ônibus a bater em sua cara. Leiam meu comentário sobre este filme que publiquei hoje no Terra Magazine. Cheguei à conclusão, depois de muito pensar, que é o meu preferido do mestre, ainda que difícil escolher o melhor deste artista genial.

20 julho 2009

"Pau Brasil", de Fernando Belens

Mais um filme genuinamente baiano já está pronto e será exibido em avant-première no próximo dia 31 de julho no Teatro Castro Alves dentro da programação do Seminário de Cinema e Audiovisual (Semcine), às 20 horas e 30 minutos (em ponto?). Trata-se de Pau Brasil, de Fernando Belens, que ganhou um edital patrocinado pelo Governo do Estado, mas que tem também capital alemão na produção. Baseado em livro homônimo de Dinorah do Valle, premiado em concurso cubano da Casa de las Americas, Pau Brasil sofreu alguns contratempos quando do início de sua realização por causa de verbas que foram desviadas, mas encontrou apoio em Peter Przegodda, montador alemão de vários filmes de Win Wenders, que, com sua produtora, decidiu ajudar Belens. Przegodda é velho conhecido da Bahia, desde os tempos em que aqui esteve para dar um curso de cinema no já longíquo ano de 1976 (há, portanto, 33 anos).
Fernando Belens, conheço-o desde priscas eras, quando, ainda estudante de Medicina (é dublê de cineasta e psiquiatra), apresentava suas experiências radicais em Super 8 nas jornadas baianas. Sempre se caracterizou, desde as fitinhas desta bitola, por um humor insólito e uma estética inconformista. Do Super 8 passou para o 16mm e, como consequência, o 35mm e, agora, neste Pau Brasil, realiza o seu primeiro longa-metragem. Lembro-me bem do poético Anil, Heteros, a comédia (a intolerância heterossexual na história de um mestre que se transmuta em mulher), Pixaim (sobre os salões de beleza no Pelô e as transformações ocorridas no look das mulheres com o passar do tempo), Europa, França e Bahia, todas as experiências, e aquela do papagaio dilacerado, entre outros filmes de sua já extensa quilometragem pelo cinema baiano.
O roteiro, gestado desde 1987, só ficou pronto, segundo Belens, dois meses antes das filmagens. E trata de duas famílias, a de Joaquim e de Nives, que coexistem num pequeno povoado, perdido no coração do país, chamado Pau Brasil. Elas vivem frente a frente, com modos diferentes de ver a vida.“Numa casa mora uma mulher (personagem representada por Fernanda Paquelet) que transa com todos os caminhoneiros e tem um marido que é o marceneiro (Bertrand Duarte). Eles se gostam e esse amor, que ela tem demais e pode dar a outras pessoas, não é impedimento para o amor deles. Isso gera uma grande reação na outra família, que tem um pai falso moralista, que de noite assedia as filhas sexualmente”, relata Belens.
Para arrematar, os personagens são cercados por uma bruxa, “uma maga que transita nos enterros, nos velórios, na natureza... E são esses microplots (pequenas células narrativas) não conclusos e partidos para outros que, no final, deixam as coisas em aberto”.Sem época definida, o filme não segue a estrutura narrativa tradicional, de conflitos que se criam e se resolvem no decorrer da história.“São fragmentos de história. O filme transita por semicírculos, perguntas que não são respondidas, expectativas frustradas... É uma obra que pede a participação do espectador, para que complemente algumas coisas que, intencionalmente, foram deixadas em suspenso”.

19 julho 2009

"Rio Vermelho", de Howard Hawks


Se existe um clássico perfeito para caracterizar o western, o cinema americano por excelência na definição de André Bazin, Rio Vermelho (Red River, 1948), de Howard Hawks, é o exemplar mais autêntico e paradigma de outros filmes do gênero. É verdade que No Tempo das Diligências (Stagecoah, 1939), do mestre John Ford, lança as bases do arquétipico westerniano, mas a fita de Hawks representa, nove anos depois, uma espécie de cristalização e amadurecimento do western na sua mais pura tradução e pureza antes que o gênero seja contaminado pelo psicologismo. Obra-prima incontestável, Rio Vermelho faz parte de um quarteto junto com Onde Começa o inferno (Rio Bravo, 1959), Eldorado (idem, 1965), uma espécie de remake deste último, e, por fim, Rio Lobo (1972), realizado já no ocaso de carreira desse genial diretor, que, aqui, despede-se do cinema.
As fontes míticas do gênero estão na anexação do estado independente do Texas (1845) e a conseqüente guerra dos Estados Unidos contra o México (1846-1848), na descoberta do ouro na Califórnia (1848), na construção da via-férrea transcontinental "Union Pacific" (1864) e na guerra civil entre sulistas e nortistas, a chamada Guerra de Secessão, retratada em inúmeros filmes de O nascimento de uma nação (1914-15), de David Wark Griffifh a ...E o Vento Levou (Gone with the Wind, 1939), de Victor Fleming e David Selznick. Sobre a base da realidade histórica, o western, de fato, construiu uma mitologia, e o crítico André Bazin pôde dizer que o gênero nasceu do encontro de uma mitologia com um meio de expressão. Nele, o cowboy (vaqueiro) é elevado à dignidade de mito: o mito do homem livre, próximo de suas raízes telúricas e captado num estado nascente da sociedade, à qual tem de impor, pela força, a ordem e a prosperidade.
Howard Hawks é um exemplo raro de cineasta que é autor sem se prender a um gênero específico. Se faz westerns primorosos como Rio Vermelho, é capaz, também, de incursionar pelo musical (Os homens preferem as louras), pela comédia (Levada de Breca, Bola de fogo, O Inventor da Mocidade...), pela aventura (Hatari!...), pelo thriller (À Beira do Abismo/The Big Knife...), etc. Em todos os gêneros, entretanto, sua marca está presente, o comportamento de seus personagens é sempre igual, o estilo do cineasta nunca muda, chegando, mesmo, a se dizer da existência de um homus hawksiano.
Rio Vermelho se concentra na história da transferência de um rebanho de Rio Rojo a Abilene, onde os bois e vacas devem ser vendidos no mercado de gado. John Wayne é Thomas Dunson, o chefe, um déspota, que, com seus métodos brutais, provoca uma rebelião entre os vaqueiros.Um destes, Montgomery Clift (Matthew Garth) toma o comando e abandona Wayne, com um cavalo, em pleno deserto.Uma vez vendido o gado em Abilene, Wayne, que com muito esforço consegue chegar à cidade, desafia Clift, mas este, recusa-se a duelar e luta com Wayne com os punhos cerrados. Os dois parecem que não se compreendem, mas a astúcia de uma mulher (Joanne Dru), que Clift salva dos índios, consegue, por fim, a reconciliação entre os dois homens. Além das interpretações excelentes de Montgomery Clift e John Wayne (talvez em seu melhor papel no cinema), assim como a do elenco secundário (Walter Brennan, John Ireland, Noah Beery Jr...), o mais importante em Rio Vermelho é que este filme funciona como um excepcional documento da vida dos cowboys, seus costumes, seu folclore, o ambiente e a paisagem daquele período da colonização norteamericana.
E mais ainda: o sentido perfeito de cinema de Hawks, o alento épico, a paisagem, a simplicidade e força das personalidades individuais. "Rio Vermelho" é a história de uma amizade – um dos temas fundamentais da obra de Hawks. Clift, órfão, depois que seus pais são mortos pelos índios, é recolhido por Wayne que, na travessia de Rio Rojo a Abilene, se desentende com aquele que é quase um filho. O western mais telúrico de Hawks, ainda que Rio Bravo seja mais cortejado, Red River mostra o eterno conflito de seus personagens, que se resolve através de um itinerário físico, captado pela câmera com a força do imediatismo. A música de Dimitri Tiokim fica nos ouvidos.