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24 março 2012

Uma lágrima para Chico Anysio


A falta que Chico Anysio nos faz, principalmente nestes tempos politicamente corretos onde imperam a apatia e a falta de humor. Era livre pensador, desligado das patrulhas, seguidor daquela frase lapidar de Millor Fernandes: "Livre pensar é só pensar". Falava o que lhe viesse à cabeça. Os mais de 200 personagens construídos por ele o fazem merecedor de inclusão no "Guiness Book". Vítima de enfisema pulmonar (o cigarro sempre foi um coadjuvante pronto e fiel e morreu por causa dele, mas aos 80 anos, embora passando por sofrimento grande em cativeiro hospitalar). Chico Anysio foi, 'avant la lettre', um homem multimídia: além de comediante, pintor, escritor, e, muitos esquecem disso, excelente compositor. Segundo disse Arthur Xexeo ontem, em O Globo, a história da televisão brasileira está dividida em 'antes' e 'depois' do Chico Anysio Show. Sempre fui seu grande admirador e, nos últimos tempos, revia com rigor as reprises de seus programas no 'Canal Viva' da Sky/Net. Com a decadência da sociedade brasileira, e a compulsão renovatória, Chico Anysio veio sendo ultrapassado pela Tv Pirata e pela Casseta, mas que, na verdade, vinham a satisfazer um público mais amplo que surgia e, também, mais inculto, mais politicamente correto, mais sem graça.

Esteja onde estiver, um abraço saudoso de seu admirador,

23 março 2012

Entrevista inédita com José Augusto Berbert


Há 8 anos (a entrevista foi feita em 18 de julho de 2004), eu e o jornalista Cláudio Leal fomos à residência de José Augusto Berbert de Castro, vizinha à Casa do Rio Vermelho, de Jorge Amado, e fizemos com ele a entrevista que se segue. Na verdade, uma tomada de depoimento muito maior e mais rico mas que, por problemas de não estar todo transcrito, vai aqui apenas uma parte. Sempre esteve em todas. Jornalista polêmico, de personalidade forte, tinha, porém, grande conhecimento filmográfico. Berbert viria a morrer em 2008.

Quando o senhor começa a ir ao cinema? 
Eu fiz em novembro do ano passado 78 anos de idade. Se eu lhe disser que vejo filme há mais de 72, não estou mentindo. Vou contar como foi. Meu pai era diretor do Liceu de Artes e Ofícios, que tinha o Cinema Liceu e, muitos anos depois, o Cinema Popular. Então, se vocês derrubarem o Cinema Popular, que hoje é um depósito de terceira categoria, e procurar a primeira pedra, eu sou um dos que assinaram a ata da primeira pedra. Eu ia ao cinema sem pagar. Dos seis filhos, o único que se interessava por cinema mesmo era eu. Comecei a ver filmes no cinema mudo, Monsieur Bouquet, Rodolfo Valentino, a primeira versão de Rei dos Reis, de Dez Mandamentos. Parece que eu estou vendo. Lembro-me muito mais dos filmes antigos que dos atuais. Depois, durante o Ginásio, via tudo que era filme. Pelo fato de ter entrada grátis no Liceu, arranjava permanente com José de Araújo, que representava todos os cinemas. Fui a vida inteira maníaco por cinema.

Que leitura fazia?
Comecei a colecionar revistas de cinema: Cinearte, A Scena Muda. Tinha a coleção de A Scena Muda completa. Cheguei a vendê-la por R$5.000 a um colecionador do Rio Grande do Sul. Seis volumes deste tamanho. Tenho ainda a coleção completa da Cinemin. Doei muito coisa à biblioteca da ABI (Associação Bahiana de Imprensa). Agora, guardava a vida dos artistas. Quando eu me casei, um dos meus padrinhos foi Antonio Simões, meu amigo, formidável, irmão mais novo de Ernesto Simões Filho. Aí um dia ele me disse assim: "Berbert, você ganha aqui pouco como médico e meu assistente. Eu vou lhe dar um gancho n´A Tarde". E entrei para A Tarde, para escrever a sessão de cinema, substituindo meu xará José Augusto Faria do Amaral, que se mudou para o Rio de Janeiro e veio a ser o grande escritor Van Jafa. Tenho livros de Van Jafa com dedicatórias, retratos meus com ele nas revistas cariocas. O certo é que passei a escrever sobre os filmes da semana. Lá um dia, meu grande amigo Ranulpho Oliveira disse: "Berbert, você escreve com tanta graça que eu vou lhe colocar como repórter. Você não precisa vir todo dia, não". Acabei sendo repórter classe A d´A Tarde durante 47 anos. E escrevi sobre cinema sem parar.
O senhor começa a escrever em 1948?E me formo em 1949. 

Já era a coluna "Indicação para os filmes da semana"?
Não. Era "Por trás das telas". Ainda tenho recortes das primeiras colunas que escrevi. Nunca parei de escrever. Sempre digo que não sou crítico de cinema porque minhas matérias nunca sairiam numa revista especializada em cinema. Na Bahia, morto tem Walter da Silveira e vivo tem ele [Setaro]. Todo hora repito isso. Eu faço comentários, se presta ou não presta... Agora, gostavam do que eu escrevia porque eu escrevia para o público ler. E não para outro crítico ler. Para outro crítico ler, tem que ser em revista de cinema. Pois bem. Continuei escrevendo e conheci todas as casas de cinema daqui. Você não cita um cinema na Bahia, atualmente, que não tenha sido inaugurado por mim, cortando a fita. O último foi o Orient Palace. Recebi do consulado do Japão o título de Samurai. E o dono disse: "Berbert, você pode trazer os sete samurais aqui?". Ora, dos sete samurais, o único não-importante sou eu, os outros são o Reitor da Universidade, que foi vestido de samurai, o cônsul do Japão, o prefeito de São Sebastião do Passé, o maestro Fred Dantas... Como eu era mais velho, cortei a fita. Em 1969, fui convidado a visitar os Estados Unidos, onde levei três meses. Quinze dias em Hollywood. Vi filmar tudo que você pode imaginar.

Em 1969, o senhor participou da sequência de abertura de "Hello, Dolly"?
Aquele desfile...Tanranranran... Eu não sabia a letra, fingia que estava cantando aquilo e me filmaram (risos). Gene Kelly era o diretor. Tenho ainda um crachá, que dizia o seguinte: "O portador deste crachá, José Augusto Berbert de Castro, é hóspede oficial do Governo dos Estados Unidos e do Departamento de Estado e nos responsabilizamos por qualquer despesa que ele possa fazer". Basta lhe dizer que, todo dia de manhâ, me davam 100 dólares trocados. E todos os livros que eu comprava, até o valor de 1.000 dólares, vinham de graça. Vou contar uma coisa que vale a pena. Depois de ter almoçado e feito amizade, lá em Hollywood, com o presidente da Columbia, Henri Levi - como a calça Levi, a pronuncia era "levai" -, ele me disse: "Dr. Berbert, descobrimos uma coisa aqui e estamos envergonhados. O senhor é médico e nós pensávamos que era somente jornalista! Lemos no seu currículo enviado pelo Departamento de Estado e não lhe prestamos nenhuma homenagem por ser médico. Mas hoje vamos compensar isto. O senhor vai jantar com o maior médico dos Estados Unidos, que é o médico do presidente dos Estados Unidos, Eisenhower", que já não era presidente, e sim Nixon. "Mas tem que ir vestido de black-tie". Eu disse: "Sinto muito, mas eu não trouxe black-tie". Ele: "Não tem importância". Fomos na Columbia, e ele chamou um técnico em vestuário, um francês retado, "uma roupa aqui para doutor Berbert". O francês fez assim: "Hummmm...". Não gostou de mim. Me arrodeou assim três vezes e disse roupa tal, tal, tal. Nunca tive uma roupa tão bem feita. Só que a camisa era cheia de babado (risos). Eu me vesti, fui para a casa do médico, que parecia aquela de "E o vento levou...", rapaz. Passei na casa de Henri e fomos.

Chegando lá, havia um mordomo. O médico gritou: "Doctor Berbert de Castro!". E avisou que a mulher tinha convidado dois casais, para não ficar monótono. E eu, chateado. Aí chegou a mulher dele, alta, bonita, de vestido longo, e eu olhando. Até que ele perguntou: "O que é que você tanto olha para minha mulher?". Ela era mais velha do que eu, veja só! (risos) "É que ela lembra uma artista que, lá no Brasil, é adorada". Ele: "Quem é essa artista?". Irene Dunne (1898-1990). Começou a rir. "Irene, doctor Berbert lhe conhece...". E aí fui largando, pá, pá, pá, "A Horrível Verdade" [The Awful Truth, 1937], de Leo McCarey, com Cary Grant. Ela ficou encantada. Aí ele disse: "Hoje é mais católica do que o Papa".

E depois falou: "Dr. Castro, eu vi que o senhor gosta mais de cinema do que de medicina, por isso os dois convidados que eu chamei são gente de cinema, o senhor vai ficar melhor com eles. Eu tenho uma cirurgia cardíaca amanhã muito grave. Então, não me leve a mal, eu tenho que me levantar. O senhor fique aqui com minha mulher e meus vizinhos". Sabe quem eram os vizinhos? Fred Astaire (1899-1987) e a esposa. Cesar Romero (1907-1994) e a esposa. César Romero porque falava português ou espanhol misturado. Acabei cantando, como naquele filme "Magnólia" (cantarola)... Veja só, Romero com Fred Astaire. Foi a melhor noite que passei nos Estados Unidos.

22 março 2012

Carlos Vereza esculhamba o PT em Jô

O ator Carlos Vereza, que sempre se notabilizou como homem de esquerda, esculhamba com o PT num entrevista a Jô Soares que a Globo impediu que fosse ao ar. O talk show é de 2006.

O primeiro filme pornô da história do cinema

Observando as estatísticas de meu blog, que já tem mais de 7 anos de existência, a postagem com o maior número de visitas, por incrível que pareça, é esta sobre o primeiro filme pornô da história do cinema. Bate, de longe, todas as outras. Quase trezentos mil (sim, isto mesmo, trezentas mil) visitas.


Pelo que se tem notícia, trata-se do primeiro filme verdadeiramente pornográfico da história do cinema. Uma raridade, portanto. A data, não a consegui localizar, mas, ao que parece, foi feito na primeira década do século passado.

A volta do filho pródigo

O Setaro's Blog, depois de quase um mês hospedado no Wordpress, voltou ao seu torrão natal, que é o Blogger. De agora em diante, as postagens serão publicadas aqui mesmo neste endereço. Mudei o cabeçalho, aproveitando o do outro, e criei uma página sobre a minha triste figura, com um belo texto escrito pelo jornalista Cláudio Leal. 

21 março 2012

Do cinema que se diz baiano


Tudo começa com Redenção. Iniciado em 1956, o filme, que vem a ser o primeiro longa baiano, leva três anos para ser concluído e exibido em noite de gala no cinema Guarany, em abril de 1959. (como mostra um trecho do documentário de Petrus Pires e Paulo Hermida, com todos os presentes em traje a rigor, como era costume na época). Roberto Pires já tinha feito algumas experimentações amadorísticas em curtas como O calcanhar de Aquiles e Sonho. Seu pai tem uma ótica, a Mozart, e, nela, Roberto, fascinado com o cinemascope de O manto sagrado (The robe), que vê no mesmo Guarany no qual seria apresentado o seu primeiro longa, resolve investigar, na ótica do pai, para fazer uma lente anamórfica igual à lente do cinemascope. Desde já, além de um pioneiro, um inventor.
Mas Roberto Pires trabalha com alguns amigos (Oscar Santana, entre eles), mas não está vinculado às pessoas que discutem cinema no clube de Walter da Silveira, como Glauber Rocha, Luis Paulino dos Santos (autor de Um dia na rampa), entre outros. É somente a partir da estréia de Redenção que as pessoas começam a se aproximar dele. Porque ficam impressionadas com a concretização de um sonho: a realidade de um filme baiano de longa metragem projetado na tela de um cinema de escol como o Guarany.
Há, nesta época, pessoas que se interessam pelo cinema. Rex Schindler é um deles e se encontra, numa tarde, no escritório de Leão Rosemberg, com Glauber Rocha, então crítico de cinema do Jornal da Bahia, mas que não o conhecia pessoalmente. Este encontro ocasional entre Rex Schindler e Glauber Rocha dá início ao que mais tarde seria chamado deCiclo Baiano de Cinema. Glauber, que já tem prontos dois curtas, O pátio e Cruz na Praça (desaparecido), não tem experiência prática e chama Roberto Pires para fazer parte do grupo. Schindler e Rocha, a ver o exemplo de Redenção, sonham na viabilidade e exequibilidade de se implantar, na Bahia, uma infra-estrutura cinematográfica. E surge a Escola Bahiana de Cinema, que se estabelece com propostas e um cronograma mais ou menos definitivo. Schindler, associado a outros produtores, produz Barravento, que, incialmente é dirigido por Luis Paulino dos Santos e depois, por força de umgolpe (segundo se propaga), a direção é dada a Glauber e o roteiro completamente reescrito em parceira com o esquecido José Telles de Magalhães. Segundo Schindler, Paulino quer uma mudança mística enquanto a idéia de Glauber é no sentido de, como diz o próprio título, uma mudança social.
O fato é queBarravento demora quase três anos para ser lançado, o que ocorre em 1962, depois do lançamento de A grande feira. Glauber leva ao Rio o copião debaixo do braço para ver se Nelson Pereira dos Santos consegue montá-lo.
Estabelecidos os postulados da Escola Bahiana de Cinema, entre os quais a procura de um cinema com raízes na cultura local sem a perda, contudo, do caráter universalista, o projeto se centraliza na criação de uma infra-estrutura capaz de que fossem realizados filmes de forma continuada e sistemática. O lucro de um seria investido no seguinte, e assim por diante. Num esquema de rodízio entre os diretores. Glauber Rocha assume Barravento e, assim, a seguir o cronograma, A grande feira, com argumento de Rex Schindler, é roteirizado e dirigido por Roberto Pires. O próximo, Tocaia no asfalto, tem programado Glauber Rocha na direção, mas este vai ao Rio montar Barravento e já cogita, no sul do país, a produção de Deus e o diabo na terra do sol, que seria realizado em 1963, com recursos oriundos da produtora de Jarbas Barbosa, a Copacabana Filmes. Além do mais, Glauber lança, por esta época, o manifesto do Cinema Novo no Suplemento Dominical do Jornal do Brasil editado por Reynaldo Jardim.
A Bahia se torna uma Meca do Cinema, como diz o historiador renomado Georges Sadoul no jornal Les Lettres Françaises. E se torna um pólo aglutinador para cineastas do sul que aqui aportam na esperança de explorar o seu décordeslumbrante. Um dos pioneiros nesse sentido é Trigueirinho Neto, que faz Bahia de Todos os Santos, mas com intenções sérias, de análise dos conflitos sociais de uma sociedade. Não pretende Trigueirinho a exploração do décor, mas, ao contrário, a sua desmistificação. Outros, porém, gananciosos, possuem outros propósitos como a busca do exotismo tropical como faz o francês Robert Mazoyer que, baseado num argumento de Jacques Viot, realiza aqui O santo módico, sobre um jovem pescador desiludido que, apaixonado por uma bela mulher, é abandonado por esta que o troca por outro. Em torno da população, uma imagem sacra que parece solucionar problemas de toda ordem. Viot pretende focalizar a superstição de um povo subdesenvolvido que é manejado por forças ocultas. No elenco, atores baianos entre outros estrangeiros e brasileiros: Irene Boriski, Edgard Carvalho, Heitor Dias, Jorge dos Santos, Gessy Gesse, Zezé Macedo, Leny Eversong, Maria Lígia, Oscar Santana, Léa Garcia, Breno Mello, Jurema Penna, José Telles de Magalhães, Lídio Silva, etc. Ruy Guerra funciona como assistente de direção e a iluminação está a cargo de dois profissionais de alta competência: Roger Blanché e Andréas Winding. Com assistência de Hélio Silva. O filme, porém, está desaparecido.
Assim, Glauber não tem condições geográficas de dirigir no asfalto, como está planejado, que é entregue a Roberto Pires em 1961, ano do lançamento de A grande feira em Salvador, a alcançar uma bilheteria sem precedentes, superando, inclusive, o grande êxito do cinema mundial: Ben Hur, de William Wyler, com Charlton Heston. Os baianos vão em massa ver A grande feira, lançado, com festa, em duas salas: uma de primeira linha, o Capri, e outra mais popular, o Jandaia.
Por que Rex Schindler não produz Deus e o diabo na terra do sol, a precisar Glauber ir ao Rio buscar recursos? Segundo se conta, porque Schindler, ao invés de patrocinar a obra glauberiana, prefere investir numa co-produção de Portugal e Brasil: A montanha dos sete ecos, todo filmado em Cachoeira, cidade histórica, importante na consolidação do 2 de Julho de 1823, quando se dá, realmente, a completa independência brasileira iniciada em 7 de setembro de 1822 (independência, vírgula, bem entendido, pois apenas a dívida portuguesa com a Inglaterra, a dona do mundo naquele momento, passou para o Brasil). A montanha dos sete ecos, de um tal de Armando de Miranda, chega a ser exibido em algumas capitais. Um filme de aventuras com atores baianos como João Di Sordi, Roberto Ferreira (o Zé Coió, o Zazá de A grande feira), João Gama, Milton Gaúcho, Jota Luna, José Telles de Magalhães (que funciona também como diretor de produção). O principal não é da Bahia: Milton Morais.
A Escola Bahiana de Cinema, que tem Schindler como principal produtor, ao lado de David Singer e Braga Neto, tem, a rigor, os seguintes filmes: Barravento, A grande feira, e Tocaia no asfalto. Outros filmes considerados genuinamente baianos, no entanto, aqui são feitos, como O caipora (1963), de Oscar Santana, produzido por Winston Carvalho, sobre um azarento (Carlos Petrovich), um caipora (como se denomina no interior), que se apaixona pela filha do coronel local (Milton Gaúcho), mas sofre o preconceito e a discriminação da população local. Ainda no elenco, Maria Adélia (em impressionante caracterização), Iva Di Carla, João Di Sordi, Garibaldo Matos (que depois se tornaria juiz de futebol), Leonel Nunes, Jurema Penna, Conceição Senna, Lídio Silva (o beato Sebastião do filme de Glauber), José Telles de Magalhães (este está em todas). A fotografia (em excelente preto e branco) é de Giorgio Attili, montagem de Roberto Pires (amigo de Oscar desde os primórdios) e como diretor de produção um futuro cineasta: Agnaldo Siri Azevedo.
Outro filme genuinamente baiano é Sol sobre a lama (1964), uma produção de João Palma Neto, que, antigo feirante e sindicalista, considera que A grande feira trata superficialmente a questão do drama da feira de Água de Meninos. Decide, então, com dinheiro do próprio bolso, dar uma espécie de resposta a A grande feira. O filme tem roteiro escrito por Miguel Torres (que falece em acidente logo depois), e, para dirigi-lo, Palma chama Alex Viany. O resultado final não agrada ao produtor e a questão acaba na justiça. Há, desse filme, uma versão de Viany, a que passa no lançamento no Guarany, e uma versão de Palma Neto. Sol sobre a lama, na versão do crítico carioca Viany, é muito influenciado pelo cinema japonês pelo qual o cineasta está apaixonado e contraria o sentido de timingquerido pelo produtor. Mas se constitui um sucesso, uma produção mais ambiciosa. A fotografia (em deslumbrante colorido) é do consagrado Ruy Santos. Vinicius de Morais coloca a letra noLamento de Pixinguinha especialmente para este filme, que tem no elenco Othon Bastos, Geraldo D'El Rey, Jurema Penna, Dilma Cunha, Roberto Ferreira, Milton Gaúch, Gessy Gesse (que se tornaria a sexta ou sétima mulher do poetinha), Maria Lígia, Garibaldo Matos, Glauce Rocha, Lídio Silva, Carlos Petrovich, Antonio Pitanga, Doris Monteiro...
Em Feira de Santana, Olney São Paulo deseja filmar a novela Caatinga, do fazendeiro Cyro de Carvalho Leite, e encontra neste o apoio para realizar O grito da terra (1964), canto de cisne do Ciclo Baiano de Cinema. Filme sobre o drama de homens e mulheres que vivem a violência e a fome do sertão agreste, O grito da terra tem, no seu cast, Helena Ignês, João Di Sordi, Eládio de Freitas, Augusta São Paulo, Lídio Silva, Orlando Senna, entre outros. Fotografia de Leonardo Bartucci. E partitura musical do maestro Remo Usai, que faz também a música deA grande feira e Tocaia no asfalto. Aluno de Miklos Rosza, Usai é um partiturista de alto nível que vem a valorizar muito os filmes baianos.
Anselmo Duarte filma O pagador de promessas nas escadarias da Igreja do Paço, Nelson Pereira dos Santos, que faz Mandacaru vermelho, porque, indo realizarVidas secas nas Alagoas, acontece chover torrencialmente, impossibilitando o projeto, e, para não perder a viagem, vem a Bahia e realiza este nordestern meio improvisado que o tem como mocinho.
Interessante observar que embora alguns filmes baianos atuais tenham recebido prêmios em festivais, a exemplo de Eu me lembro, de Edgard Navarro, Samba Riachão, de Jorge Alfredo, estes filmes são vistos por uma elite e não alcançam o grande público, apesar de estreados em salas dos complexos. A explicação é simples e repetida: atualmente, o povo não vai mais ao cinema como nos idos dos anos 60.

18 março 2012

Imagens que fascinam

James Stewart em Um corpo que cai (Vertigo), de Alfred Hitchcock

Momentos inolvidáveis proporcionados pela chamada sétima arte. Momentos que ficaram na memória do cinéfilo. Momentos que ajudaram a formar o amante do bom cinema. Momentos inesquecíveis em suma.
1.) Quando Kim Novak sai do toilette já transfigurada em Madeleine, a pedido de James Stewart, é como se uma auréola que se impõe à imagem da mulher, imagem fascinante, que não parece real. Em seguida os dois se beijam e a câmara passa ao espectador a impressão de estar circulando ao redor dos personagens envolvidos no idílio amoroso. Enquanto ela, a câmara, circula, imagens outras aparecem e desaparecem no fundo, imagens do lugar onde Madeleine tinha se atirado. Ao ver Kim saindo, feito Madeleine, Stewart, emocionadíssimo, chega a chorar. A música, brilhante, de Bernard Herrmann, dá o tom adequado e a solenidade auditiva necessária. Um corpo que cai (Vertigo, 1957), de Alfred Hitchcock.
2.) Os travellings se sucedem na mansão, a câmara passeia pelos corredores, investindo na procura de um cinema que se faz como um processo de investigação do universo mental. Delphine Seyrig salta na cama imensa, como se fosse um pássaro numa gaiola dourada. Nas imagens, a incursão na mente. Matéria de memória. O ano passado em Marienbad (L¿anné dernière a Mariebad, 1961), de Alain Resnais. Com roteiro do pai do nouveau Roman, Alain Robbe Grillet.
3.) A suspeita do espectador se faz através do ato criador do artista. Inventor de fórmulas, o artista criador procura sugerir ao invés de mostrar explicitamente. Diferentemente de obras que se apóiam nos efeitos, em que o recurso fácil ao susto é um dos sustentáculos do choque, nos filmes realmente criativos é muito mais a sugestão que encanta e faz suspense. É o ato criador do cineasta utilizando-se dos recursos da linguística fílmica, dos seus elementos constitutivos. Assim, Cary Grant, numa angulação expressionista, sobe a escada, uma grande escada meio circular, com um copo de leite na mão. O espectador suspeita que o leite esteja envenenado e Cary vai matar a mulher. O artista colocou uma lâmpada dentro do copo para fazê-lo mais sugestivo. Suspeita, de Alfred Hitchcock.
4.) O início lembra um clássico antigo do cinema: A turba, de King Vidor. O enquadramento dá idéia do formigamento de um escritório burocrático estadunidense, com suas mesas e máquinas de escrever e muitos funcionários trabalhando. Um simples enquadramento capaz de sugerir um escaldante depósito de homens e máquinas. Se meu apartamento falasse(The apartment, 1960) de Billy Wilder.
5.) No final do Cidadão Kane, morto Charles, o magnata da imprensa, suas coisas, no Palácio de Xanadu, são empilhadas para serem transferidas. Caixotes e mais caixotes, o cineasta faz com que a câmara execute um travelling para mostrar ao espectador a imensidão da herança de Kane. Mas, ao executar otravelling, a impressão que se tem dos caixotes é a de vários arranha-céus de uma grande metrópole. O efeito é perfeito. E a câmara, sempre em travelling, termina por parar numa imensa lareira onde o fogo começa a consumir o trenó de Charles menino no qual está inscrita a tão procurada palavra enigma de Rosebud. Cidadão Kane (Citizen Kane, 1941), de Orson Welles. 6.) No princípio, apresentando-se como mágico, com cartola e tudo, Welles diz que tudo que vai falar durante uma hora é verdade, mas a partir desta, o que contar a partir de uma hora de projeção de filme, é mentira. Assim, tem-se o relato sobre o falsificador Elmyr De Hory. E depois a história de uma musa que inspirou Picasso. A verdade sobre De Hory verdadeira. A história da musa é pura mentira. Brilhante exercício de cinema, um ensaio sobre a faculdade do artista em deturpar a arte e a realidade. E, principalmente sobre a arte da falsificação. Verdades e mentiras(F for fake, 1975), de Orson Welles.
7.) Quando Manoel mata o fazendeiro latifundiário por causa da exploração, o tom retumbante toma conta do filme com um ritmo de cavalgada que lembra John Ford. Os capangas do fazendeiro investem contra a modesta morada de Manoel, matando sua mãe. O clima é alucinante, com ritmo rápido, envolvente. O cinema se faz pleno. Deus e o Diabo na terra do Sol, 1964, de Glauber Rocha.
8.) Há quem diga que uma das sequências mais bem construídas da história do cinema seja a do concerto do Albert Hall de O homem que sabia demais (The man who know too much, 1954), de Alfred Hitchcock. Os planos, nesta sequência monumental, acompanham as notas musicais que são dadas a ouvir pela orquestra regida pelo próprio Bernard Herrmann, enquanto James Stewart percorre o teatro em busca do suposto homem que irá matar um mandatário de outro país. O toque de címbalo é o momento culminante, o clímax, dessa sequência extraordinária da história da arte do filme.