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19 abril 2007

Cinema no vestibular


Escrevi o artigo que se segue para a revista Lupa editada pela Faculdade de Comunicação da UFBa.


Louvável a iniciativa, posta em prática há alguns anos, de introduzir, no programa do vestibular da Universidade Federal da Bahia, obras cinematográficas de certa relevância para que sejam devidamente apreciadas, assim como ocorreu, no final da década de 60, com a obrigatoriedade do candidato ler uma relação de obras literárias.

Com a ausência no ensino de segundo grau de disciplinas que façam referência à linguagem cinematográfica, o aluno que, aprovado no vestibular, ingressa na universidade, com as raras exceções de praxe (daqueles que já se iniciaram por interesse pessoal), encontra-se em absoluto estado de analfabetismo no que se refere à maneira pela qual o realizador cinematográfico articula os elementos da linguagem em função da explicitação temática. O cinema tem uma linguagem própria, específica, enquanto a literatura uma outra completamente diferente. Mas a maioria das pessoas que vai ver um filme não tem a percepção de que este produz sentidos de uma forma particular, interessando-se, apenas, pelo enredo, pela trama, pela história.

A introdução das obras cinematográficas, se não sanaria a deficiência do ensino do segundo grau, pelo menos poderia dar uma iniciação, ao postulante, sobre noções básicas de linguagem, auferidas pela visão dos filmes. Mas o que está a acontecer pode se rotular de um equívoco e um paradoxo, pois os filmes são discutidos apenas pelo seu conteúdo, pelo seu tema, desprezando-se o fato de que possuem uma linguagem específica. Poder-se-ia mesmo dizer que os filmes são debatidos como se fossem livros.

Estas duas práticas narrativas, cinema e literatura, baseiam-se numa diferente noção do espaço e do tempo. A menos que se queira ficar-se pela ilustração de histórias contadas pelo romance, o filme deve converter para o seu espaço-tempo a ação que pediu de empréstimo ao romance. Não deve haver, portanto, qualquer preocupação de fidelidade à letra do texto original, mas, pelo contrário, a mais ampla liberdade na procura de soluções dramáticas e de figuras estilísticas capazes de produzir na tela o mesmíssimo efeito poético confiado na página a outros tantos recursos ao dispor da linguagem escrito-verbal.

É preciso alertar estas diferenças de linguagem e fazer ver ao vestibulando que o cinema é uma linguagem. A julgar, no entanto, pela maneira com que os filmes são analisados em colégios, cursinhos e, mesmo, em palestras, as obras cinematográficas não estão sendo lidas como uma leitura do específico fílmico em função de seu desenvolvimento narrativo. Presos aos grilhões do conteúdo, os responsáveis pelos debates dos filmes indicados para o vestibular se encontram amarrados à ditadura do tema e do conteúdo, desconhecendo completamente que a expressão cinematográfica advém da forma pela qual o realizador procura transmitir o seu tema. Desse modo, tem-se, num saco de gatos, filmes e livros, a disputar, cada um, o seu valor dentro de uma visão equivocada na qual o tema é o valor primeiro a considerar.

Os equívocos considerados levam a um paradoxo, como se não existissem uma linguagem literária e uma linguagem cinematográfica. E, infelizmente, a constatação é a de que o vício continua e, ao invés de um esclarecimento, para a exata compreensão do cinema, tem-se, patente, um discurso simplesmente voltado para a significação, não se levando em consideração que esta advém de cada linguagem específica.

Um comentário:

Jonga Olivieri disse...

Tem toda razão. Existe até aquele velho comentário: "este filme é muito fiel à obra" (no caso literária) da qual pressupostamente partiu o filme.
Mas, a linguagem cinematográfica deve dar à obra suas caracterísiticas próprias, individualizando-a como o filme.
Claro, que iso não significa uma ruptura completa com um romance, um conto, poesia ou sei lá o que originou a obra. Mas entendi perfeitamente a sua preocupação quanto aos resultados.
E estou de acordo...