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31 maio 2010

O fascínio da 'mise-en-scène' de Brian De Palma

1) De repente, em zapping, deparei-me, ontem, domingo, no Telecine Cult, com Vestida para matar, de Brian De Palma, e, mesmo na abominável tela cheia, destruindo o cinemascope original, fiquei preso ao filme, sem poder, literalmente, me levantar do sofá. E considere-se que não vejo filmes assassinados pelo canal Cult, quando destruídos os seus formatos originais. Trata-se de cinema puro, pura mise-en-scène, de um rigor extraordinário. A sequência do museu é antológica, além do carnal knowledge dentro do táxi, e, Angie Dickinson, depois da tarde brava com um desconhecido, relutante, que se veste para ser morta no elevador, ainda que a calcinha que deixara dentro do táxi, percorre um itinerário mortal. O momento do assassinato é Psicose, de Hitch, mas não se deve, como diz a sabedoria de Inácio Araújo, dizer que Palma copia o cinema do mestre, mas, e tão somente, aproveita certos lances temáticos e estilísticos para fazer, na verdade, uma reflexão sobre o processo de criação do cinema. Seu cinema é muito particular, muito interessante, há singularidade total. Vejam, por exemplo, como se desenvolve a mise-en-scène do elevador, com Angie Dickinson, banhada de sangue, e Nancy Allem apavorada, e, na hora, quem grita é a partiura de Pino Domaggio e, por extensão, uma arrumadeira que se encontra no corredor.

2) Se Nancy Allen é uma beleza, Angie Dickinson perdeu-a com o tempo implacável, ainda que conserve um corpo a desejar, ela que, no seu pretérito, tinha uma das pernas mais bonitas entre as estrelas do cinema. Conhece-se que uma pessoa tem certa idade, e que está ficando velha, pelos olhos. É impressionante como os olhos de Dickinson demonstram, estampada no rosto, o tempo trilhado. Dressed to kill é um filme apaixonante e um exemplo marcante do domínio que Brian De Palma tem de sua arte. De todos os seus filmes, o que mais gosto é Trágica obsessão (Obsession), uma obra-prima, delirante, fantástica, com Geneviève Bujold e Cliff Robertson, realizada em 1976.

3) Palma gosta de sustos no fecho de suas obras. Carrie, a estranha, Um tiro na noite, este Dressed to kill, entre outros, possuem finais impactantes. Interessante observar que a partitura de Pino Donaggio é dissonante, uma partitura, se assim se pode dizer, contemplativa, que procura uma ascese sem haver uma pontuação para reforçar o clima, como é hábito na maioria dos filmes. Domaggio tem influência do mestre Morricone.
4) Deixo, para terminar, Vestida para matar com as palavras de Inácio Araújo em comentário que fez ontem, domingo, na Folha de S. Paulo: "Uma das injustiças que se pode fazer a Brian de Palma é tomá-lo por um imitador de Hitchcock. Basta ver Vestida para Matar (TC Cult, 20h, 14 anos) que isso fica visível. Mas é preciso paciência. No início, temos Um Corpo que Cai. A identificação de uma mulher é seu fundamento. Depois, Psicose e a mudança de sexo.É isso a prova da imitação? Na verdade, não. De Palma reorganiza peças, mistura sonho, realidade e cinema. O sujeito de duas identidades (homem, mulher) terá de confrontar o fantasma que o fascina e aterroriza: o feminino em pessoa.
5) Impossível não sentir vontade de continuar a rever, pela semana, outros filmes de Brian De Palma, que lavam a alma de qualquer cinéfilo que se preze como tal.

Um comentário:

Jonga Olivieri disse...

É um puta dum diretor no gênero que abraçou.
Se inpirou-se em Hitch, foi atrás do que há de melhor, 'the best'... Mas o fato inegável: construiu uma obra, tomando-se este termo como um conjunto de peças.
Gosto tambem de "Dublê de corpo"...
E Angie Dickinson, como diz o próprio nome: um anjo de criatura.
E você me lembrou que 'criminosamente' esqueci dela em meu Album de Cinema no FB.
Vou agora mesmo atrás de fotos dela!!!