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30 maio 2010

Eterno Quincas

Há poucos dias, escrevi um artigo, acho que para a minha coluna da Tribuna da Bahia, sobre Quincas Berro D'Água, e comentei que quem deveria ter feito o papel título era Wilson Mello, ator baiano que o protagonizou em várias montagens teatrais. Sobre ser um ator antológico, uma das presenças marcantes do cinema brasileiro, Paulo José, como Quincas, perde feio para Mello, porque, na verdade, o elenco, como o filme, tinha que ser global e com nomes chamativos. Sabendo ontem da morte de Wilson Mello, talvez possa até ter sido chamado, mas já doente não pôde assumí-lo.
O desenho que ilustra o post deste domingo é da autoria de Caó Alves Filho, desenhista de humor e cineasta (Catálogo das meninas, por exemplo). Mas o desaparecimento de Wilson Mello, o Eterno Quincas, causou consternação nos meios intelectuais e artísticos de Salvador, pois já era uma de nossas instituições culturais. Ator histriônico, que provocava gargalhadas na platéia, mas também capaz de desempenhos notáveis em dramas passionais, Wilson Mello também tinha uma presença boêmia nas noites soteropolitanas da boa época. A ascendente decadência do centro histórico da cidade e a violência assustadora fizeram com que as noites baianas acabassem, reduzidas a barzinhos insossos da orla marítima.
Wilson Mello trabalhou em muitas peças, passando por vários autores, mas a imagem que dele fica é a do eterno Quincas Berro D'Água. Em cinema, sua participação sempre fizera enriquecedora os filmes nos quais trabalhou, a exemplo de Dona Flor e seus dois maridos (1976), de Bruno Barreto (filmado quase todo no bairro da Moraria em Salvador), no papel de Vivaldo; Diamante bruto (1977), que Orlando Senna filmou na sua Lençóis baseado no romance Bugrinha, de Afonso Peixoto; Antonio Conselheiro e a guerra dos Pelados (1977), de Guga de Oliveira, baseado em Os Sertões, de Euclides da Cunha; J. S. Brow, o último herói do gibi (1980), de José Frazão; Jubiabá, de Nelson Pereira dos Santos, baseado em homônimo de Jorge Amado, uma co-produção franco-brasileira filmada na cidade histórica de Cachoeira (Bahia); Cascalho (2004), de Tuna Espinheira; Cidade Baixa (2005), de Sérgio Machado, como Ferreirinha; Eu me lembro (2005), o premiado filme de Edgard Navarro.
TUNA ESPINHEIRA SE DESPEDE DO AMIGO
Wilson Mello, Ator e Personagem

A notícia do passamento de um ícone da dramaturgia baiana, Wilson Mello, com certeza, muito mais que entristecer os amigos e admiradores, que foram e são muitos, vai desfalcar a Bahia de um dos seus personagens mais significativos. Ele próprio. De tanto representar e dar vida a inumeráveis personagens da ficção teatral, em mais de uma centena de peças que encenou para o palco, na chamada vida real, na contramão do tempo e o vento, resistiu em manter um jeito de ser, comum em décadas atrás, entre boa parte dos viventes que se esmeravam em praticar a cordialidade na Terra Mãe de então.
Wilson, o personagem indômito, jamais se perguntou: “Mudou o Natal ou foi eu quem mudou”? As metamorfoses acometidas no lombo da Roma Negra, através de acontecimentos absurdos, tais como os incêndios perpetrados contra a Feira de Água de Meninos; no antigo Mercado Modelo; na livraria Civilização Brasileira e na Confeitaria Triunfo; para citar apenas estes três locais emblemáticos como pontos de encontro.
Outros acontecimentos da série, Triste Bahia, foram se sucedendo, e era uma vez... o gato comeu mágicas Festas de Largo; o Carnaval de Rua; e outras e outras manifestações populares que definiam a gostosura do viver e vadiar. Genuinamente baiano.
O nosso personagem, passageiro do tempo, foi testemunha de todas estas agônicas transformações. Eram fatos consumados, só restava mesmo por a bola pra frente.
Como um legítimo baiano de outras eras, mesmo sem usar ou ter usado o figurino do colarinho duro do venerável, Major Cosme de Farias, para ele não havia nenhuma diferença angustiante, uma vez que trazia as duas províncias, a velha e a nova, na algibeira.
Por estas e outras razões, sempre esteve de bem com sua terra, da qual, em tempo algum, cogitou em se apartar, assim como sempre driblou o canto das sereias, no chamamento hipnótico para luzes do Sul Maravilha.
Amigueiro, bom de papo, nunca fez diferenças etárias, novos e velhos, todos eram iguais na hora de conversar a sério ou jogar conversa fora. Sua credencial constante era o bom humor.
Ter sido amigo de Wilson Mello foi muito gratificante, uma amizade apadrinhada pelo cinema , No filme ele incorpora, com abençoado brilho, o personagem, Dr. Marcolino, que pisou o solo sagrado da ficção, no mesmo chão que conserva os rastros dos outros personagens do livro , Cascalho, de Herberto. Sales, um clássico da literatura brasileira.
Não se faz mais Wilson Mello como antigamente...
Saudades,
Tuna Espinheira

3 comentários:

Jonga Olivieri disse...

Surpreendente a carreira deste ator, conterrâneo meu, e seu por afinidade.
O reconheci em seu papel em "Dona Floe e..."
Talvez ele não tenha podido mesmo ter representado Quincas em função de seu estado de saúde.
Mas fica a pergunta no ar. Talvez somente você possa sabê-la. Tambem caso lhe interesse fuçar.
Ainda não vi o filme, tal a revolta que me causou a "chupação" do cartaz de Saul Bass para "Anatomia de um crime".
Sei até que o "cu não tem muito a ver com as calças"... Mas, para alem disso o filme não está parecendo agradr muito!

pseudo-autor disse...

Gostei muito da adaptação do Sérgio Machado e concordo com você: seria interessante ver o Wilson no papel do Quincas. Contudo, gostei muito dos atores escolhidos para fazer os amigos de quincas. Eles tem uma química boa entre si.

Cultura? O lugar é aqui:
http://culturaexmachina.blogspot.com

luiz Mario disse...

Nao gostei dessa adapatacão do romance de Jorge Amado. Claro, sào linguagens diferentes,mas os diretores brasileiros, atualmente, têm uma tendência de transformar tudo em vídeoclipe, compromentendo os diálogos. Outro romance assassinado pelo cinema foi O Coronel e o Lobisomem, na tentativa de usar efeitos especiais e atores globais, o diretor matou o texto, os devaneios e as "facanhas"do coronel. Calma pessoal!!!