Caro Setaro, andei meio sumido com o inicio das aulas na universidade,
mas acabei de ver Gran Torino
(aqui em Campina Grande a turma é meio impaciente e não gosta de
esperar os lançamentos oficiais nem a pirataria oficializada, baixa
logo da fonte) e me lembrei de você. O personagem é um dos mais fortes
interpretados por Clint( aliás, no Oscar 2010 acredito que a estatueta
de ator, filme e diretor é dele) que dá uma aula completa sobre a
arte de representar diante de uma câmera. O filme é uma grande
metáfora dos EUA nos últimos 30 anos, a casa de Walt (Clint) tem uma
bandeira americana fincada na entrada e seus vizinhos são todos
coreanos, chineses, tailandeses...a imagem é clara: a América(do
norte) é uma ilha cercada de conflitos. Walt lutou na guerra da Coréia
e foi condecorado por heroísmo e bravura, mas o método americano de
resolver os conflitos à bala (como nos lendários westerns), está em
crise( vide Vietnam e,agora, o Irak). O filme começa com um velório na
casa do ex-combatente e, paralelamente, um batizado na casa dos
vizinhos, um tipo de vida morre ( o american way of life idealizado
principalmente pelo cinema) para dar lugar a uma nova realidade( a dos
imigrantes, expulsos de seus países pelas guerras patrocinadas pelos
próprios americanos, e que buscam refúgio na terra da estátua da
liberdade). Gran Torino é uma confissão dos erros cometidos pela
xenofobia americana que sempre viu o resto do mundo como
estrangeiros, mas sobretudo é uma autocrítica que aponta para a
conciliação, o diálogo, a cooperação e a convivência pacífica entre
os povos como solução para o caos social que temos de suportar( no
limite) hoje.Tem um forte tom místico (inclusive numa das imagens
finais que não vou descrever para não estragar a surpresa). Em
sintese: é a imolação, o sacrificio supremo de Dirty Harry/Josey
Wales na crença por um mundo mais humano.
A canção-tema, escrita por Clint e pelo filho dele, é um brinde
especial no desenrolar dos créditos no final.
Desculpe o clichê, mas Clint Eastwood é mesmo como o vinho...
Segunda mensagem:
Gran Setaro, fiz o rapídissimo comentário, para usar uma expressão
que lhe é tão cara ,no "afogadilho da hora", ainda com o coração
pulsando com os acordes da bela canção final. Falei coração porque, me
parece, que o filme( e Clint) propõe uma leitura menos razonativa (
mental) do mundo contemporâneo (argh !) e mais emocional (consciente).
Até agora, desde Aristóteles, passando por Descartes e finalizando em
Kant, o uso e abuso da razão ( o famoso, e equivocado, penso,logo
existo) gerou os campos de concentração nazista, a bomba de Hiroshima
e Nagasaki, o Vietnam, o Iran-Irak, a meleca total que vivemos hoje em
qualquer cidade infestada por gangues de adolescentes e jovens
rebeldes sem causa que enchem de gordura e estupidez as salas de
cinema nos shoppings....e outras coisas mais terríveis ( vide o
documentário A Corporação)
Em Gran Torino, Clint se inspira nos orientais e sua cultura de
meditação e reflexão (aqui no ocidente mal traduzida como "confissão
religiosa") e revoluciona a moral vigente ao reconhecer os erros que
contribuíram para gerar tudo isso e, num ato de autocrítica e solidão
suprema( como de resto foram todos os personagens que criou/viveu),
entrega as armas e se imola em holocausto a um mundo melhor para
todos. Não é um filme fácil de ser digerido porque vira de ponta a
cabeça todos os dogmas e clichês que compõe o imaginário
cinematográfico deste gran cineasta, a maior parte da crítica vai cair
de pau, muitos vão confundir o ato revolucionário de Walt com uma
jogada de toalha na lona, aí reside o ledo "e ivo" (como você gosta de
falar) engano.
De quebra, tem um ótimo elenco jovem que serve para mostrar que nem
sempre o frescor da juventude, das idéias e atitudes jovens, estão na
menor idade.
Num tempo em que os rinocerontes predominam, Eastwood nos aparece
louvando a borboleta. Isso para mim é cinema novíssimo.
7 comentários:
Imagino que deva ser de fato um filmaço. Clint é o cara.
Pena que o filme dele ficou de fora do Oscar...
Este Romero é mesmo um 'connaissseur', como diz você, caro Setaro.
Não gostei tanto quanto Romero Azevedo. "Gran Torino", com efeito, é uma xerox envelhecida de "Menina de Ouro". A fraqueza de um jovem conquista, por si, a simpatia de um senhor extremamente mau-humorado e extremamente moral que se põe na função derradeira de "salvar" a vida deste jovem. E a salvação para Eastwood reside sempre nos nobres valores. A atuação dele é boa, apesar de umas caretas de bulldog enraivecido. A direção está no ponto, para variar.
Entrando nas comparações futebolescas, tão caras ao nosso presidente, Eastwood é Zidane. Vendo, parece fácil fazer.
O filme, evidente, vale o ingresso.
O filme não ficou de fora do Oscar, como só foi lançado em janeiro desse ano ele só pode concorrer ao Oscar do próximo ano(2010)
Na verdade, o filme ficou de fora do Oscar. Ele estreou dia 12/12 nos EUA, em circuito limitado, justamente para estar apto às premiações (tanto que foi lembrado no Globo de Ouro e alguns círculos críticos). Em janeiro, estreiou em grande circuito e foi quando sua bilheteria estourou.
Uma pena.
Segundo o IMDb, o filme foi lançado, de forma limitada, em Dezembro de 2008 nos EUA. Não sei se o foi em LA, que basicamente é o que importa, mas acho que isso o exclui do Oscar-2010. Posso estar errado.
Setaro, Tuma e Gabriel Carneiro estão certos, "Gran Torino" está mesmo fora da premiação do Oscar. Que fazer ?
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