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04 maio 2008

Introdução ao cinema (4)



Ainda em torno do segundo elemento determinante da especificidade da linguagem cinematográfica: os movimentos de câmera. Ficamos na panorâmica semana passada. Existem, porém, outros exemplos desse movimento específico e de fundamental importância. Vejamos.
Há também uma panorâmica chamada circular, que, sobre ser mais complexa na sua execução, não é menos eficiente do ponto de vista da significação. Neste caso, a câmera observa à sua volta num ângulo de 360 graus, normalmente com motivos mais do que válidos. A panorâmica circular é utilizada pelos cineastas para captar os diferentes estados de espírito de uma personagem sem interromper a continuidade espacial, deixando-a alegre para voltar a vê-la triste depois de ter percorrido integralmente a sala onde se encontra. Este é o procedimento que a câmera segue de bom grado nas obras de índole "comportamentista", nas quais os protagonistas nunca são perdidos de vista em todas as suas evoluções físicas e psíquicas (Acossado/A Bout de Souffle, de Jean-Luc Godard, 1959, é, nesse particular, um exemplo notável).
Ou, então, a panorâmica circular é usada para fazer denotar uma situação labiríntica em que o protagonista vive, a despeito das aparências tranqüilizantes. Assim, os repetidos movimentos circulares da câmera em Mundo ao Telefone(Welt am Drht, de Rainer Fassbinder, 1973), não tem outra função que não seja a de denunciar a insuspeita condição de robots manipulados por outrem que aflige todas as personagens do filme. Passemos, finalmente, ao travelling, outro movimento de câmera importante que constitui fator dramático muito poderoso e pode ser feito para a frente (passagem de um plano geral para um close) ou para trás (passagem de um close para um plano geral).
Também, existe o travelling lateral, quando a câmera acompanha o andar de um ator, sem haver, propriamente, uma mudança de plano. A rigor, o travelling se dá através de uma plataforma de quatro rodas, que anda me trilhos ou sobre tábuas, na qual é colocada a câmera para as tomadas me movimento. Há o travelling para a frente, o travelling para trás (ou a ré) e o travelling lateral. Por extensão, compreende-se travelling qualquer movimento de câmera colocada sobre um carro ou veículo (trem, automóvel etc). Os movimentos também podem ser obtidos dispensando-se a base móvel e o tripé de apoio: é o caso da câmera na mão, recurso estilístico e ao mesmo tempo econômico. A câmera na mão é umas das características estilísticas do Cinema Novo brasileiro a partir mesmo do slogan glauberiano: Uma câmera na mão e uma idéia na cabeça". Diversas combinações desses movimentos são possíveis e determinadas pela necessidade de acompanhar o movimento do objeto filmado ou pela intenção de abarcar um maior campo visual.
É de se ressaltar, no entanto, que a mesma tomada pode constar de vários planos interligados, não se podendo confundir, portanto, unidade de tomada com unidade de plano. Para melhor exemplificar os movimentos de câmera, e sua funcionalidade na expressão cinematográfica, que se tome, aqui, um exemplo magnífico de um filme de Claude Chabrol: O Açougueiro (Le Boucher, 1969) no qual há uma cena primorosa no que concerne ao uso, pelo cineasta, da possibilidade locomotiva da câmera. Le Boucher é um filme sobre um açougueiro torturado pela mania homicida. Um belo dia, ele confessa o seu afeto à ignara professora da aldeia, declaração que tem lugar num bosque onde os dois se deslocaram para colher legumes. A atmosfera, portanto, seria das mais tranqüilizantes não fora passar-se - durante o colóquio entre ambos -algo que não pode deixar de alarmar o espectador atento. E esse algo não se refere ao comportamento dos personagens - que continuam a dialogar num cenário idílico -mas, e precisamente, ao comportamento da câmera, da máquina de filmar, que, quase inadvertidamente, começa a deslocar-se lateralmente até o primeiro plano de um tronco de árvore se interpor entre ela - a câmera - e o par, escondendo o homem cujas palavras, no entanto, continua-se a ouvir. A vista é desimpedida com a saída do tronco do campo de visão, mas pouco depois desaparece novamente quando o movimento se repete me sentido contrário, conduzindo a câmera à posição inicial.
Eis um caso me que um simples travelling se encarrega de denunciar ao espectador a atitude reticente da personagem, encobrindo-a da vista no momento em que se revela ao ouvido. Esta denúncia, e aqui, neste travelling, se encontra uma das chaves para a compreensão do cinema, considerando a distinção entre narrativa e fábula (que se verá depois me outra oportunidade). Pois bem! A denúncia é dirigida ao público e não,infelizmente, à desventurada professora, que se manterá por um bom tempo na ignorância das verdadeiras intenções do carniceiro degolador. Um movimento inesperado, repentino, da câmera de filmar, é suficiente para colocar o espectador de sobreaviso e o deixar em melhores condições que a vítima inconsciente - como é o caso de Le Boucher.
Semelhantes advertências - ou avisos - feitos pela narrativa e não pela história - não se limitam aos filmes ditos policiais, mas se encontram disseminadas, em medida diversa, por todos os textos fílmicos que pretendem seguir a trajetória que conduz da aparência à essência, isto é, que pretendem desmascarar uma realidade falsa.
Antes que me esqueça: a foto é de Eva Marie Saint em um dos melhores filmes de Hitchcock: Intriga internacional (North by northwest, 1959).

2 comentários:

Jonga Olivieri disse...

Acho a “câmera na mão” uma das grandes invenções do cinema em sua linguagem. Não sei determinar quando e como surgiu, mas Vertov e seu “cinema olho” (apesar de que não ser propriamente, e só, na mão) é a essência de sua filosofia visual que traduz o nervosismo, a balançar nossas idéias sendo a ação ideal para transmitir a narrativa na primeira pessoa.

André Setaro disse...

A câmera na mão pode se desenvolver melhor nos anos 50 quando as câmeras ficaram mais portáteis, menos pesadas, mais ágeis.