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28 agosto 2010
"Meu nome é Bond, James Bond"
25 agosto 2010
A morte matada da cinefilia
Se um determinado filme era exibido e, por acaso, estivesse doente ou viajando, retirado de cartaz, podia perdê-lo para sempre, excetuando-se os grandes sucessos que sempre eram recolocados. E, na segunda característica, a impossibilidade de intervenção na temporalidade. Projetado o filme, este se desenrolava na tela - ou no écran, como se dizia então, e ninguém podia pará-lo, retrocedê-lo, avançá-lo, salvo se entrasse na cabine de projeção e, revólver em punho, ameaçasse o operador. Mas a inacessibilidade e a temporalidade se tornaram favas contadas com o surgimento do VHS e do DVD. Há, inclusive, creio, uma perda da aura cinematográfica. Se os disquinhos funcionam como o resgate do cinema, por outro lado, no entanto, perdeu-se a magia do espetáculo, visto em comunhão numa platéia. O indivíduo hoje já nasce vendo imagens em movimento e, por isso, elas se tornaram vulgares no sentido de corriqueiras.
Quando me contaram que, nos Estados Unidos, inventaram um aparelho pelo qual se podia ver filmes, que ficavam dentro de uma caixinha, não acreditei. Era o vídeo que então estava inventado e restrito ao território de Tio Sam. Precisei, como São Thomé, ver para crer, o que aconteceu em torno da metade dos anos 80, quando comprei o meu primeiro aparelho de VHS, um Sharp, que me deu muito trabalho de sintonizar. E as cópias eram péssimas. Precisou-se esperar que o DVD surgisse para que o cinema recebesse uma punhalada nas costas (na região pulmonar).
Corria o ano de 1973. Estava no Rio de Janeiro a passar as férias de julho. O jornal da época era o Jornal do Brasil, com seu excelente Caderno B. Neste, tomei conhecimento que Ladrões de bicicleta ia ser exibido na Cinemateca do Museu de Arte Moderna numa única sessão pela tarde. Conhecia muitos filmes, nesta ocasião pré-vídeo, de ouvi dizer e de leitura, alguns importantes com muitas informações. Era o caso de Ladri di biciclette, de Vittorio De Sica, que nunca tinha visto por falta de oportunidade e, também, porque nunca foi exibido em Salvador durante o meu itinerário existencial (depois passou algumas vezes). Assim, fiquei a postos, esperando o horário, com certa expectativa, aliás, que não tenho mais para quase nada. Chovia fino. Entrei na sala da saudosa Cinemateca. Mas, quando saí, um toró se abateu sobre a cidade, que ficou completamente engarrafada. Difícil pegar um táxi. Depois de algum padecimento embaixo da marquise do museu, resolvi ir andando do Flamengo, onde fica este, até Laranjeiras, onde estava hospedado. Cheguei encharcado e, no outro dia, com febre alta, ameaçado de pneumonia. Mas estava feliz por ter visto Ladri di biciclette. Atualmente, tenho-o em VHS e DVD, que fica guardado, parado.
Não seria mais possível um sacrifício tal para ver um filme. Tenho um amigo, por exemplo, que ia sempre à Paris para se meter na Cinematheque Française e ficar o dia todo vendo obras clássicas. Hoje tem um home theater em sua casa e há anos que não viaja. Viajava somente para ver filmes.
24 agosto 2010
Lembrando o grande Vito Diniz

23 agosto 2010
Cukor e a dialética do ser e da aparência


1) Vi recentemente, em DVD, a comédia musical Les girls (1957), do grande George Cukor, que assinala uma das últimas aparições de Gene Kelly como dançarino no cinema. O gênero, na época deste filme, já estava a se esgotar, substituído, logo a seguir, pelas grandes produções musicais, a exemplo de West Side Story, A noviça rebelde, My fair lady. Talvez a derradeira película na melhor tradição do filmusical hollywoodiano tenha sido Gigi (1958), de Vincente Minnelli. Os efervescentes anos 60 ainda proporcionaram alguns filmes interessantes (Positivamente Millie, de George Roy Hill, A moedinha da sorte, de George Sidney, Mary Poppins,
2) Mas estava a falar de Les girls. Um filme de pontos de vista sobre a questão da verdade. O que é a verdade? Há uma verdade de cada um, segundo o ponto de vista de cada um. Cidadão Kane, de Orson Welles, é, neste particular, um puzzle magnífico construído sobre variações de olhares sobre uma determinada personalidade. Em Les girls, há uma variação em torno da questão, e o autor do roteiro deve ter visto e se influenciado por Rashomon (1950), de Akira Kurosawa, que trata do assunto. Três pessoas se abrigam de chuva torrencial debaixo de uma marquise e começam a conversar sobre um assassinato que presenciaram. Em flash-backs, como em Les girls, Rashomon mostra a versão de cada um. No final, as versões se contradizem e aparece o espírito do morto para contar a sua verdade.
3) Dirigido por George Cukor, um mestre da comediografia cinematográfica, Les girls gira em torno de um processo judicial com sede num tribunal de Londres, quando uma mulher (Kay Kendall) é processada por antiga amiga por ter escrito um livro que a coloca numa situação difícil, a revelar que, quando eram dançarinas, veio a ser amante de Gene Kelly. O filme então se estrutura a partir dos depoimentos das duas mulheres, a que escreveu o livro e a autora do processo, além do depoimento do próprio Gene Kelly. No final, fica-se sem saber ao certo quem falou a verdade. Para um musical, há, neste particular, um acréscimo temático e filosófico não muito usual. Mas o filme tem números musicais bem coreografados por Jack Cole, um especialista, e as canções foram escritas especialmente por ninguém menos do que o genial Cole Porter.
4) Cukor é um dos maiores diretores do cinema americano. Não há, no cinema contemporâneo, um cineasta de seu refinamento, de sua finesse, cuja maneira toda especial de dirigir atores (principalmente mulheres) ficou como legenda. Veterano dos estúdios de Hollywood, dirigiu as primeiras cenas de ... E o vento levou (Gone with the wind, 1939), mas o todo poderoso producer David Selznick o demitiu a pedido de Clark Gable, que ficava com ciúme de sua dedicação a dirigir Vivien Leigh. Quem aparece como diretor nos créditos e ...E o vento levou é Victor (O mágico de Oz) Fleming, mas houve outros diretores, como Sam Wood. Interessante observar que é um filme de produtor, o diretor funcionando, apenas, como diretor administrativo. E que extraordinário diretor administrativo, como foi o caso de My fair lady! Se o cinema brasileiro possuísse mais diretores administrativos desse quilate não estaria no beco sem saída do ponto da criação como se encontra, a captar recursos e a pensar pouco na emergência do específico cinematográfico. Tem um filme, em particular, de Cukor que ficou no meu caminho para o resto da vida, considerando que o vi, pela primeira vez, no cinemascope do cinema Guarany
5) As três girls do filme são as maravilhosas e deslumbrantes Mitzy Gaynor, Tania Elg e Kay Kendall. Elg, mais desconhecida, era uma bailarina finlandesa que encantou o olhar rigoroso de Cukor e foi logo contratada. Kendall, comediante inglesa, do proscênio britânico, mas também com participação em Hollywood, morreu prematuramente de leucemia e era casada com Rex Harrison, o eterno professor Higgins de My fair lady. O número musical do café, no qual há nítida uma paródia a O selvagem, com Marlon Brando, foi coreografado por Kelly, porque, no dia da filmagem, Jack Cole, o coreógrafo oficial, estava doente. Mitzy Gaynor mostra, neste número, a sua excelência como dançarina. Na verdade, um filme como Les girls não mais poderia ser filmado com o poder de encantamento que tem. Porque não há mais uma infraestrutura capaz de oferecer suporte ao gênero: costureiras, coreógrafos, figurinistas, equipe de balé etc.
6) Cukor foi um verdadeiro mestre. Fez filmes admiráveis como os citados e, ainda, Núpcias do escândalo (Philadelphia story, 1940), Um rosto de mulher (A woman's life, 1941), com Joan Crawford, Viagens com minha tia (Travels with my aunt, 1973), o intrigante A vida íntima de quatro mulheres (The chapman's report, 63), com uma Jane Fonda em início de carreira etc. O cinema americano do grande segredo, como chamava François Truffaut, é pródigo de talentos na comediografia, a exemplo de Vincente Minnelli, Richard Quine, Blake Edwards, Leo McCarey, entre tantos! Minnelli funcionava bem quer no musical, nas comédias, quer nos melodramas ásperos. Estilista de escol. Neste ponto, mais atraente do que Cukor, sem diminuir, com isto, a excelência deste. Aliás, foi Cukor quem usou cinematograficamente a lente anamórfica em Nasce uma estrela (A star is born, 1955), com uma inesquecível Judy Garland (não conheço nenhuma estrela com o talento dessa excepcional cantora e atriz). O cinemascope, então lançado, se perdia nos planos gerais. Cukor o ajustou à expressão cinematográfica com este filme que mostra a ascensão de uma estrela que se casa com um alcoólatra, com acentos biográficos da vida de Garland, interpretado pela fleuma de James Mason. Uma temática constante nos filmes de Cukor: a dialética do ser e da aparência.
18 agosto 2010
"Cascalho" já saiu em DVD
Final pungente de "Rastros de ódio"
15 agosto 2010
O Professor Aloprado, de Jerry Lewis


12 agosto 2010
Robert Mulligan: evocação e sentimento

O blogueiro (ou blogüista), por coincidência, começou a sua trajetória de cinéfilo na mesma época em que Robert Mulligan deu início a seu percurso como realizador cinematográfico, ou seja, em 1957. E, portanto, acompanhou toda a sua filmografia, ainda que os primeiros filmes tenham sido vistos nas constantes reprises que existiam no cinema do passado (a televisão matou a reprise dos filmes). A começar do princípio, não se podia prognosticar o futuro Mulligan em Vencendo o medo (Fear strikes out, 57), uma tentativa biográfica do jogador de beisebol Jim Piersall, interpretado por Anthony Perkins, que se ajusta ao papel, pois o biografado era homem extremamente neurótico, cheio de tiques, manias, e o filme desvenda uma explicação meio freudiana e mostra a causa do desequilíbrio do jogador na infância difícil, dominada por pai severo e rude (Karl Malden). Ainda no cast: Norman Moore.
Mulligan, após Vencendo o medo, passa três anos a esperar a oportunidade de dirigir o seu segundo longa, ainda que, neste interregno, tenha trabalho muito em episódios e seriados da televisão americana. É um cineasta oriundo da tv, mais liberto das normas pétreas dos estúdios, assim como Sidney Lumet, que com mais de 80 anos dirigiu um dos melhores filmes de 2008: Antes que o diabo saiba que você está morto (Before the devil knows you're dead). O filme que se segue a Fear strikes out é A taberna das ilusões perdidas (The rate race, 1960), baseado em peça de Garson Kanin, com Tony Curtis e Debbie Reynolds.
A lembrança que se tem de O grande impostor (The great impostor, 1961) é muito boa, ainda que memória de adolescente que nunca mais teve a oportunidade de revê-lo. A vida de um homem (Tony Curtis) que, durante a sua existência, adotou perto de vinte identidades diferentes, saindo ileso de todas as confusões. Além de Curtis, Edmond O'Brien, Karl Malden, e música do grande maestro Henry Mancini. Neste mesmo ano, 61, uma sophisticated comedy que causou enorme sucesso de bilheteria, mas que, crê-se, vista hoje, não se sustentaria: Quando setembro vier (Come september), com Rock Hudson (o queridinho das comédias românticas), Gina Lollobrigida (a italiana sensual), Walter Slezak, Sandra Dee, Bobby Darin. Rock é um milionário que descobre que seu caseiro transformou sua belíssima villa na Itália em hotel. Mas ele se apaixona por uma das hóspedes, a sensual Lollobrigida. As canções foram compostas (e cantadas) por Bobby Darin. Recorda-se que o primeiro plano do filme, em cinemascope, colorido, mostra um imenso avião que, abrindo seu compartimento de bagagens, faz sair, dele, um Rolls Royce de prata. O script é perfumaria de Stanley Shapiro.
Rock Hudson é convidado para estrelar Labirinto de paixões (The spiral road, 1961), que tem, ainda, Gena Rowlands (a atriz estupenda e esposa de John Cassavetes), Burl Ives, entre outros menos votados. Na verdade, um melodrama, que viu-se no Rio, no poeira Politeama, quando este saudoso cinema, que ficava no Largo do Machado, passava programa duplo, um vehicle para Rock Hudson. No máximo, uma direção eficiente do ponto de vista artesanal.
O grande Mulligan põe sua manga de fora no ano seguinte, em 1963, em O sol é para todos (To kill a mockinbird, 1962), filme que deu o Oscar de melhor ator a Gregory Peck no papel de um advogado humanista que defende um negro. A ação se localiza numa cidadezinha de Alabama em 1920, racista e preconceituosa. O negro é injustamente acusado de violentar uma branca. Tudo é contado pelo ponto de vista do casal de filhos do advogado e há um tom evocativo que Mulligan viria a adotar em outros de seus filmes. Com Mary Badham, Rosemary Murphy. Baseia-se num livro escrito por Herman Lee, amiga de Truman Capote.
Em 1963, Mulligan resolve fazer um filme in loco em Nova York: O preço de um prazer (Love with the proper stranger, 1963). Cineasta oriundo da televisão, como já aqui se referiu, com os talentosos Frankenheimer, Lumet, há, neste filme, um enfoque que se pretende menos hollywoodiano e com certa influência do neo-realismo italiano (Hitchcock, o grande Hitchcock, o mestre dos mestres, já fizera uma experiência quase neo-realista em O homem errado (The wrong man, com Henry Fonda como o músico que é confundido com um assassino e, no final, quando a polícia descobre o verdadeiro culpado, e os dois se encontram face a face, Fonda tem pena do homicida, porque sabe que vai passar pelo mesmo calvário que ele.) Mas O preço de um prazer é sobre uma caixeira do Macy’s, que não é outra senão a sublime Natalie Wood, que engravida depois de passar uma noite com um estranho (Steve McQuenn). Ela, então, pede sua ajuda para encontrar um médico para que realize um aborto. A partitura é de Elmer Bernstein e a fotografia (em expressivo preto e branco), de Milton Krasner.
Ainda em 1965, Mulligan, apesar de já ter demonstrado ser um realizador acima da média, fora notado apenas por alguns exegetas da crítica francesa, e certos hermeneutas americanos como Andrew Sarris e Peter Bogdanovich, mas, neste ano, realiza O gênio do mal (Baby, the rain must fall), aproveitado o astro (McQuenn) do filme anterior, que, aqui, é um homem que sai da prisão, volta para a mulher (Lee Remick) e tenta ganhar a vida como guitarrista e cantor. Mas o xerife da cidade (Don Murray) vem a se apaixonar por ela, criando, com isso, o conflito básico. O afamado Glenn Campbell aparece no conjunto no qual McQuenn toca.
O touch mulliganiano está acesso com sensibilidade e a devida evocação na obra que se segue: À procura do destino (Inside Daisy clover, 1966), cujo tratamento temático é avançado para a época. Mulligan procura fazer de sua personagem principal, uma estrela juvenil problemática de Hollywood, o protótipo de todas as atrizes que tiveram problemas na sua trajetória (de Judy Garland a Marilyn Monroe): o patrão tirânico, o marido homossexual, a avó psicótica. Com Natalie Wood, em seu esplendor na relva, Robert Redford, Christopher Plummer, colhendo os louros como o Capitão Trapp de A noviça rebelde/The sound of music, e a sempre inexcedível Ruth Gordon.
Subindo por onde se desce (Up the down staircase, 1967) é também um filme in loco, que procura enfocar a problemática de uma professora de escola de periferia de Nova York, Sandy Dennis, obra que procura sempre um tom realista no desenvolvimento de sua narrativa. Ainda que não seja um grande filme, lembra Sementes da violência, de Richard Brooks, com Glenn Ford e Sidney Poitier.
Os anos 60 se aproximam do fim e Maio de 68 se anuncia. Mas Mulligan, alheio ao que se passa, se refugia no western, mas western de primeira linha, um de seus melhores filmes: A noite da emboscada (The stalking moon, 1969), com Gregory Peck, militar do exército que, prestes a se aposentar, encontra, desamparados, uma mulher (Eva-Marie Saint) e seu filho, fruto de uma relação com apache violento, e decide transportá-los a lugar seguro, mas o índio, ao tomar conhecimento, resolve perseguí-los. A perseguição, num desenvolvimento que faz lembrar, tal a tensão, um thriller eletrizante, em nenhum momento faz aparecer o apache. Tudo é tensão, atmosfera, clima. Uma direção de brilhantismo indiscutível.
Em 1970, porém, volta-se aos jovens contestadores, apoiando-se num argumento bem de acordo com sua época contestatória e faz uma espécie de documento sociológico em O caminho da felicidade (The pursuit of happiness). Michael Sarrazin é um rebel withou a cause que, com seu carro, para escapar de pagar o estacionamento, mata um operário e vai para trás das grades, mas foge e, com sua namorada (Barbara Hershey) empreendem uma fuga alucinante que parece não ter fim num autêntico road movie.
E vem Houve uma vez um verão (Summer of ’42, 1971), obra delicada e feita com sensibilidade sobre a iniciação sexual de um adolescente (Gary Grimes) que, num verão de 1942, quando os Estados Unidos entram em guerra, seduz a esposa (Jennifer O’Neil, carioca de nascimento, que Howard Hawks, por causa deste filme, aproveitaria em seu derradeiro western, Rio Lobo, ao lado de John Wayne) de um oficial que está ausente envolvido no conflito bélico de então. Mulligan conduz o relato com extrema finesse e o filme é uma mostra da vacuidade de certas mulheres que, deixadas sozinhas por circunstâncias alheias à sua vontade, ficam ao relento do desejo e das paixões. Há um tom evocativo que o cineasta repete com plena consciência de suas possibilidades poéticas, principalmente quando a partitura é de um maestro como Michel Legrand. E a fotografia de Robert Surtees é um assombro.
Talvez não exista um filme que trata da maldade embutida na infância do que A inocente face do terror (The other, 1972). Ambientado em Connecticut, em 1935 – e novamente aquele atmosfera de evocação tão peculiar a Mulligan, dois garotos gêmeos se deparam com a maldade e a perversidade. A mise-en-scène do realizador atesta o seu vigor, a sua singularidade, a sua marca no cinema americano. Mas o melhor, por incrível que possa parecer, ainda estaria por vir: Jogos do azar, testamento do cineasta, uma obra de densidade exemplar, um pulsar envolvente, magistral, cinema puro na sua procura de decifrar e fazer ver a beleza possível de uma mise-en-scène. O intérprete principal de Jogos de azar (The nickel ride, 1974) é Jason Miller, que viria, neste mesmo ano, a fazer um padre em O exorcista, de William Friedkin.
Encerra-se esta breve homenagem a Robert Mulligan com as palavras de Carlos Reichenbach, que fecha com chave de ouro a trajetória desse importante realizador, destacando, o Comodoro, a beleza de um filme como The nickel ride.
“É curioso notar que outros cineastas da mesma geração, como Robert Mulligan, por exemplo, que não foram tão incensados pela crítica no começo, acabaram realizando uma obra menos pretensiosa e muito mais coerente. No caso de Mulligan, o sucesso popular e o prestígio em Hollywood, só veio a acontecer no meio da carreira, com Houve uma vez no verão (Summer Of 42) e A inocente face do terror (The other), ambos de 72, embora ele já tivesse realizado filmes mais notáveis como Fear strikes out (Vencendo o medo - 57), To kill a mockingbird (O Sol é para todos - 63), Baby, the rain must fall (título deslumbrante, burramente "traduzido" como O gênio do mal - 64), Inside daisy clover (À Procura de um destino - 66), Up the down staircase (Subindo por onde se desce - 67) e The pursuit of happiness (uma ode radical ao inconformismo, lançada no Brasil com o título de O caminho da felicidade - 70). É verdade que, após o sucesso com os dois filmes citados acima e o fim de sua parceria com o produtor Alan Pakula - que também se tornou diretor de cinema, mas num estilo mais cool e menos arrojado que Mulligan - sua obra caiu em desgraça. Embora tenha produzido e dirigido o filme mais anticomercial de Hollywood, The nickel ride (Jogos de azar - 74) - um drama chumbo grosso e depressivo sobre viciados em jogo, fotografado inteiramente com iluminação vertical onde mal se vê os olhos do atores - encerrou a carreira com uma péssima adaptação ianque de Dona Flor E Seus Dois Maridos e o chorumela Clara´s heart."
A imagem é do filme O sol é para todos, com Gregory Peck.
11 agosto 2010
O cinema italiano está na U.T.I.

Publicado originariamente na revista eletrônica Terra Magazine (10.08.2010)
Na coluna de terça passada, falava sobre os lançamentos simultâneos de A aventura, de Michelangelo Antonioni, A doce vida, de Federico Fellini, e de Rocco e seus irmãos, de Luchino Visconti. Vivia-se, nesta época, 1960, o auge do cinema italiano, com gênios indiscutíveis que conseguiam abafar outros criadores notáveis da mesma cinematografia. A partir dos anos 80, no entanto, a cinematografia italiana entrou num processo de franca decadência e, atualmente, excetuando-se três ou quatro diretores (Tornatore, Bellochio - cujo Vencer/Vincere, lançado recentemente, está sendo considerada uma obra-prima, Moretti...), pode-se dizer que o cinema italiano morreu dominado pela indústria cultural hollywoodiana.
No Brasil, por exemplo, não existe mais espaço para outras cinematografias que não a oriunda de Hollywood, principalmente porque o mercado exibidor é controlado pelas multinacionais. O que não acontecia décadas atrás, quando o mercado lançava películas francesas, italianas, japonesas, espanholas etc. Havia distribuidoras importantes que se dedicavam à importação de filmes europeus, a exemplo da famosa Art Films, que proporcionou aos cinéfilos brasileiros a oportunidade de ver grandes obras da cinematografia italiana. A Toho, entre outras, distribuía fitas nipônicos. A Condor, por exemplo, também se especializava em distribuir filmes vindos da Europa. Tudo isso hoje acabou. Um blocksbuster, nos dias atuais, quando lançado, toma conta de todo o circuito com mais de 500 cópias.
Para os filmes franceses, a França Filmes do Brasil e a Companhia Cinematográfica Franco-Brasileira. Quase todos os filmes da Nouvelle Vague, por exemplo, tiveram as suas estreias patrocinadas pelo canal distributivo da França Filmes, que foi substituído pela Franco-Brasileira, e, alguns anos depois, pela Gaumont.
Mas o cinema italiano não se restringia apenas a Roberto Rossellini, Michelangelo Antonioni, Luchino Visconti, Federico Fellini ou, mesmo Pier Paolo Pasolini. Havia uma cultura cinematográfica, por assim dizer, na qual estavam em atividade excelentes realizadores como Mario Monicelli (O incrível exército de Brancaleone, A grande guerra, Pobre e milionários, Os companheiros...), Dino Risi (Aquele que sabe viver/Il sorpasso, Vejo tudo nú, Férias à italiana...), Florestano Vancini (Enquanto durou o nosso amor, O delito Matteoti...), Mauro Bolognini (O belo Antonio), Damiano Damiani (O sicário, O batom, O dia da coruja...), Valerio Zurlini (Verão violento, A moça com a valise, Dois destinos, A primeira noite de tranquilidade, O deserto dos tártaros...), Bernardo Bertolucci (Prima della rivoluzione, O último tango em Paris, O conformista...), Marco Ferreri (A comilança...), Sergio Leone (Era uma vez no Oeste, Quando explode a vingança, Era uma vez na América...), Gillo Pontecorvo (A batalha de Argel, Queimada...), Ettore Scola (Ciume à italiana, O baile, Casanova e a revolução...), os importantíssimos irmãos Paolo e Vittorio Taviani (Pai patrão, Aconteceu na Primavera, A noite de São Lourenço...), Mario Bava (A maldição do demônio, Hércules no centro da terra...), Pietro Franciscus (As façanhas de Hércules...), Carlo Lizzani (Réquiem para matar...), Dario Argento (Terror na ópera, Gialo...), Steno (das comédias com Totó), Luciano Salce (Casei contigo por divertimento...), Francesco Rosi (O bandido Giuliano, O caso Mattei...), Vittorio Cottafavi (A revolta dos gladiadores...), Renato Castellani (Romeu e Julieta...), Elio Petri (Investigação sobre um cidadão acima de qualquer suspeita, A classe operária vai ao paraíso, Os dias são numerados...), Alberto Lattuada (Em nome da lei, Venha tomar um café conosco...), Pietro Germi (Divórcio à italiana, O ferroviário, Aquele caso maldito...), Francesco Masseli (tem um filme que vi com Paulette Godard cujo nome esqueci), Vittorio DeSica (Ladrão de Bicicletas, A viagem proibida, O juízo universal, Os girassóis da Rússia...). Acho melhor parar por aqui, pois há ainda outros nomes dessa brilhante constelação de cineastas.
O que aconteceu ao cinema italiano? Deslumbrou o mundo a partir dos meados dos anos 40 com a explosão do neorrealismo, configurando um novo modo de expressão cinematográfica que traumatizou toda uma geração. Os postulados neorrealistas influenciaram movimentos ou escolas que lhe foram posteriores, a exemplo do Cinema Novo, Free Cinema Inglês, e, mesmo, a Nouvelle Vague. A falência do cinema italiano é impressionante. Não se pode compará-lo ao americano, que não cabe comparação, mas separação, e excetuando-se o cinema feito nos bons tempos de Hollywood, a cinematografia italiana já foi, e de longe, a mais expressiva de toda a história do cinema. Onde se pode encontrar um cinema único, original, como o de Fellini? E a estética perfeccionista dos filmes-óperas viscontianos, o cinema de poesia pasoliniano, a anti-narrativa de Antonioni?
A Itália já teve um dos estúdios cinematográficos mais importantes do mundo: o Cinecittà, complexo de teatro e estúdios situados na periferia oriental de Roma (a
O cinema italiano de sua boa época exportou astros e estrelas, que foram filmar em Hollywood, a exemplo da diva Sophia Loren, Gina Lollobrigda, Elsa Martinelli, Claudia Cardinale e atores de primeiríssimo nível como Vittorio Gassman e Marcello Mastroianni. Mastroianni é um ator essencialmente cinematográfico, que sabe, como poucos, dialogar com a lente, com a câmera, enquanto Gassman, apesar de excepcional intérprete, carrega o ranço teatral. Há outros atores e atrizes que não podem deixar de serem registrados: as belas Rossana Schiaffino, Eleonora Rossi Drago, Catherine Spaak, Gian Maria Volonté, Enrico Maria Salerno, Saro Urzi, Ugo Tognazzi, Nino Manfredi, Totó, Renato Salvatori etc.
O capitalismo selvagem, que impõe um consumo desenfreado de forma imperativa através dos meios de comunicação de massa, após a queda do Muro de Berlim, é, talvez, o responsável pela perda cada vez mais crescente do humanismo de um modo geral e particularmente no cinema. E o cinema italiano se caracterizava justamente por este humanismo, principalmente no esplendor de seu neorrealismo. Não cabem mais, para mentes descrentes de um porvir mais humano, e condicionadas ao consumo, ao egoísmo, ao prazer imediatista, filmes que possam oferecer uma reflexão sobre o momento histórico, o homem e sua circunstância. Os filmes viraram montanhas russas, o homem desapareceu de sua paisagem, restando apenas títeres e marionetes que comandam a ação, o fio condutor da trama.
10 agosto 2010
Em memória de Patricia Neal

09 agosto 2010
Miguel Littin recebe Tuna Espinheira
08 agosto 2010
A tortura do medo


Desprezado pela crítica e pelo público, Peeping Tom precisou esperar mais de uma década até que foi redivivo nos anos 70 e considerado, por realizadores e críticos como Martin Scorsese, Francis Ford Coppola, Peter Bogdanovich, Claude Beylie, entre tantos, uma obra-prima. Scorsese, inclusive, chegou a comprar o negativo em 35mm para restaurar o filme em suas cores magníficas. Com o advento do DVD, a Criterion (distribuidora que somente lança obras luminosas e bem definidas) distribuiu Peeping Tom no mercado americano. A Silver Screen, embora não mantendo a qualidade das cópias da Criterion, lançou, há dois anos, o filme no Brasil. É um acontecimento importante para o cinema e para quem gosta de cinema já que o circuito comercial, honradas as exceções de sempre, impõe ao mercado o lixo cultural oriundo da indústria americana.
Mark Lewis (interpretado por Karl-Heinz Boehm, conhecido como o imperador, marido de Romy Schneider, na série Sissi) é um jovem cameraman que vive, para cima e para baixo, com sua câmera portátil 16mm debaixo do braço.Tem prazer em filmar, com ela, as prostitutas que o abordam na rua e matá-las com um estilete dissimulado no pé da máquina. Para aumentar seu prazer, ele mostra a suas vítimas, no momento crucial, um espelho parabólico que reflete a imagem de seu pavor na hora exata de morrer. Ele faz confidências à vizinha (interpretada por Anna Massey, que, mais de dez anos depois, em 1972, Hitchcock, quando filmou em Londres seu extraordinário Frenesi/Frenzy, a convidou para o papel da namorada de Jon Finch, vítima de estrangulamento pelo serial Barry Foster - e não a dúvida que o mestre se influenciou muito no filme de Powell em Frenzy) e exibe, no seu quarto, através de um projetor 16mm, para ela, os filmes amadores feitos pelo seu pai, um psiquiatra que utilizava o filho como cobaia para estudar a reação das pessoas diante do medo. Interessante observar que o pai (visto nos filmes projetados em preto e branco) é interpretado pelo próprio Michael Powell. Renomado psiquiatra tem como objetivo a investigação do pavor no ser humano. O filho passa a infância sendo filmado a toda hora e a qualquer momento. O que lhe provoca nada menos que um imenso trauma. Seu gosto perverso pelo voyeurismo vemdaí.Filmes sobre o voyeurismo são presenças marcantes no cinema (Janela indiscreta do mestre, Dublê de corpo, de Brian De Palma, entre tantos), mas nunca o voyeurismo atingiu a dimensão e a sutileza verificadas em Peeping
Powell, cineasta essencialmente inglês, foi produtor dos primeiros filmes de Hitchcock e, antes de Peeping Tom, era muito considerado por causa de filmes como Neste mundo e no outro(A Matter of Life and Death, 1946), Coronel Blimp (The Life and Death of Colonel Blimp" 1943), com Deborah Keer, Narciso negro (Black Narcissus, 1947), também com Deborah Keer e Jean Simmons, e, principalmente pelo fascinante Sapatinhos vermelhos (The Red Shoes, 1948), que tem no seu elenco a mesma Moira Shearer de Peeping Tom. Fala-se que este filme revolucionou o balé. Todos os citados, menos Peeping Tom, foram dirigidos em parceria com Emeric Pressburger.Filme fantástico do segundo ou mesmo do terceiro grau, sentenciou o crítico francês Claude Beylie a respeito de Peeping Tom, esta obra surpreendente apresenta o caso de um Jack, o Estripador, moderno, que teria visto muito Um cão andaluz, de Buñuel, e Janela indiscreta.Beylie, aliás, se impressionou tanto com A tortura do medo que o colocou entre os melhores filmes de todos os tempos em seu imprescindível livro As obras-primas do cinema (editado aqui no Brasil pela Martins Fontes, mas esgotadíssimo). Segundo o ensaísta, "Este filme que seríamos tentados a atribuir a algum epígono de Buñuel ou Hitchcock, é obra de um respeitável cidadão britânico, Michael Powell (nascido em 1905), que, até então, dedicara-se a trabalhos prestigiosos (mas já marcados por um sólido humor) como Coronel Blimp ou Neste mundo e no outro. Retrospectivas recentes permitiram aquilatar a dimensão de um talento que não é indigno dos mestres americanos do cinema de aventuras ou do musical".
Ainda Beylie: "A escolha de uma história - bastante sórdida - que evoca os romances de crime de Edgar Wallace, e apimentada com private jokes, pode surpreender. De fato, não só tudo neste filme gira em torno da escoptofilia, concebida como uma variante inquietante da cinefilia, mas o diretor multiplica-as 'as piscadas de olhos': ele próprio faz o papel de um pai indignado que filma os medos de um garoto (seu próprio filho), enquanto o deux ex machina cabe a uma senhora alcoólatra e cega! Para coroar tudo, Powell afirma tranqüilamente que não há nada de malsão nisso, que se trata, ao contrário, de um filme 'terníssimo, delicadíssimo, quase romântico'. Em todo caso, a obra impressionou várias gerações de espectadores - e de cineastas como Martin Scorsese e Brian De Palma".