Com o advento das novas tecnologias, dos novos
suportes, a recepção das imagens em movimento tomou novos contornos. Se, há
poucas décadas, elas apenas podiam ser contempladas dentro das salas escuras
dos cinemas, e mediante o pagamento de ingressos, atualmente as imagens em
movimento fazem parte do cotidiano do homem, e não seria exagero afirmar que
ele nasce a vê-las através da televisão sempre ligada no hospital onde é dado à
luz.
As imagens, portanto, estão
em todos os lugares - em casa, na televisão, nos shoppings, nos anúncios em
movimento - e a sala exibidora, que era dona da exclusividade delas, é mais
um local onde são apresentadas.
Para ficar apenas no cinema, este tinha, em anos
passados, uma total exclusividade. E a recepção das imagens em movimento
causava, naquele que as via pela primeira vez, certo assombro, certa
estupefação. É célebre um texto do escritor russo Gorki quando relata a sua
primeira impressão ao entrar para ver um filme. Por causa da planificação, dos
cortes, e neófito neste tipo de recepção, conta que o que viu foram pessoas
despedaçadas, cabeças, pernas estraçalhadas, enfim, uma sucessão de fragmentos
das partes do corpo humano e das coisas. O que era apenas um filme romântico se
tornou, para ele, uma manifestação de terror.
Nunca me esqueço da primeira
vez que fui ao cinema. As imagens também se me afiguraram deformadas até que
consegui focá-las adequadamente na sua dimensão espacial.
Iniciada a minha trajetória de cinéfilo nos anos 50,
em Salvador, onde moro até hoje, naquela época não havia sequer televisão.
Imagens em movimento somente podiam ser vistas dentro das salas exibidoras. Se
a Tv no Brasil surgiu em 1950, graças aos esforços de Assis Chateaubriand, na
Bahia ela foi somente instalada em novembro de 1960, uma década depois,
portanto.
Poucas os soteropolitanos
que compraram o caro aparelho, privilégio de uma classe média mais alta. Mas as
imagens eram ruins e sempre havia defeitos, como o ajuste do horizontal e
vertical, que era de difícil colocação. Não existia videotaipe e os
programas, a exceção de desenhos animados e seriados, eram todos produzidos na
região. O que de certa forma era importante para o incentivo dos profissionais
da área, mas os baianos ficavam sem ver os grandes programas televisivos do
eixo Rio-São Paulo, que fizeram história.
Aqueles que se formaram
cinematograficamente antes do advento do VHS e do DVD, ao tomar conhecimento
destes, o espanto se deu pela possibilidade de se ter em casa os seus filmes
preferidos, mas o assombro já tinha se manifestado quando do conhecimento do
espetáculo cinematográfico. Mas a nova geração que nasceu, com o VHS e o DVD,
não foi assombrada, por assim dizer, pelas imagens em movimento. Não teve
a oportunidade de sentir a magia do cinema nem se assombrar com este, nem se
assombrar na sua primeira vez dentro da sala escura.
Se, naquela época, muitos se
assombraram, os filmes também permaneciam nos cinéfilos por vários meses.
Alguns deles chegaram a viver de determinados filmes, a exemplo do
crítico carioca Paulo Perdigão, que, força de expressão, passou a vida a ver Os
brutos também amam (Shane, 1953), de George Stevens, chegando, inclusive, a
ir aos Estados Unidos para entrevistar o grande diretor e trazer, na bagagem, um
punhado da terra onde se deram as locações da citada obra, um western
realmente inesquecível.
Isto quer dizer que o
impacto da obra cinematográfica era imenso. E o espetáculo cinematográfico
tinha duas características essenciais: ser fugidio e não se poder, nele,
intervir na sua temporalidade. Fugidio porque um filme era lançado e levava
apenas uma semana em cartaz, excetuando-se os de sucesso que dobravam e num
período de cinco anos (prazo de validade do certificado de censura) eram
reprisados. A grande maioria dos filmes, no entanto, ficava uma semana e se,
por acaso, o cinéfilo estivesse doente ou viajando podia perdê-lo para sempre.
Há obras importantes que, estreadas em Salvador, por estar doente (gripe,
sarampo, catapora, coqueluche as doenças clássicas da época), ou em viagem,
perdi-as para sempre, reencontrando agora, algumas, em DVD.
Esta característica do filme
ser fugidio é importante. Na maioria das vezes, os filmes lançados em cinema de
primeira linha, saiam destes e circulavam pelos poeiras (salas de
segunda categoria) e, depois, pelos cinemas de bairro para fazer carreira no
interior até que as cópias se desgastassem nesse interregno de cinco anos.
Aconteceu de ter perdido o relançamento de Rastros de ódio (The seachers),
de John Ford, e vim a saber que estava em cartaz em Jequié. Tomei um
ônibus em direção a esta cidade baiana e consegui vê-lo na última sessão. De
volta à rodoviária, por causa de um atraso na projeção (geralmente os filmes
partiam, as luzes se acendiam), perdi o ônibus e tive que dormir num banco da
rodoviária. Mas estava feliz: tinha visto Rastros de ódio.
Impossível acontecer fato
semelhante nos dias atuais. E a impossibilidade de se intervir no tempo é outra
característica do cinema de antigamente. O espectador, sentado na poltrona, era
um escravo do tempo cinematográfico. Intervir no tempo somente seria
possível se ele fosse à cabine de projeção e ameaçasse, com uma arma, o
operador para parar a exibição.
Atualmente as coisas
mudaram. Grandes filmes da história do cinema podem ser adquiridos para se ter em casa. E há a possibilidade
de baixar qualquer filme pela internet. Os preços dos DVDs são acessíveis a
qualquer um, principalmente nos magazines espalhados pelos shoppings, onde se
pode comprar discos a 9,90. Os cinéfilos têm seus filmes preferidos nas
prateleiras de seus lares. O caráter fugidio desapareceu e a interferência no
tempo é total. Se, antes, o espectador era um Escravo da projeção, hoje ele é
Senhor do que está a ver.
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