Editada pela Coleção Aplauso
(Imprensa Oficial, SP), Críticas de
Inácio Araújo (Cinema de Boca em Boca), livro organizado por Juliano
Tosi, contém as exegeses de Inácio Araújo, sempre precisas e exatas, em ordem
cronológica, desde o ano de 1983. Ainda pelo começo dessa importante obra, a
sua leitura tem me fascinado, ainda que já conheça os escritos do autor de há
muito tempo pelos jornais e, agora, pelo seu blog. Inácio tem, o que poucos
têm, que é o poder da síntese, a capacidade de apreender o sentido da obra
cinematográfica e deixar no leitor a vontade de ver o filme, lendo a sua
crítica.
Os textos iniciais são extensos e parece que todos foram
publicados na Folha de S.Paulo,
jornal do qual Inácio Araújo é o crítico oficial. Atualmente, porém, com a
política de redução textual verificado na imprensa, o grande crítico fica
restrito a linhas mais enxutas (o que é uma pena), mas nem por isso
impossibilitado de dar o seu recado direto e objetivo e, ouso dizer, poético,
ainda que pareça estranha a expressão em se tratando de crítica de cinema.
Uma característica marcante
nos escritos de cinema de Inácio Araújo é a fluência de seu texto, que
proporciona o prazer da leitura, e uma compreensão profunda de que o cinema é mise-en-scène. Sabe ver as qualidades de
um Howard Hawks, de um Douglas Sirk, de um Fritz Lang, entre tantos outros,
realizadores que não eram contemplados pelos críticos de nomeada do pretérito,
mais aguerridos ao tema nobre da obra
cinematográfica do que à sua condição de linguagem autônoma, de que o cinema, antes
de tudo, é uma estrutura audiovisual, havendo, nele, a confluência de um elo
sintático (a linguagem) e um elo semântico. Inácio Araújo, se José Lino Grünewald
não a tivesse inaugurado, seria o fundador da nova crítica brasileira. Mas como
Grünewald já se foi, pode-se dizer, e sem medo de errar, que Araújo dá
prosseguimento à compreensão do cinema nos moldes de seu entendimento como uma
estrutura audiovisual. Com o advento de suas críticas no jornal Folha de S. Paulo, uma crítica arejada,
bem escrita, com marca pessoal, surge no Brasil, com caráter de ineditismo, que
pode ser verificada no recente lançamento delas pela Coleção Aplauso.
A clareza é um elemento
essencial quando alguém se arvora a escrever crítica de cinema. Mas o que se
constata, nos diversos blogs e sites espalhados pelo espaço virtual, é uma
procura de obscuridade, para, com isso, dar ideia de profundidade. O crítico
atual não tem mais uma visão de mundo, uma cultura estabelecida numa cultura
humanista, mas, na maioria das vezes, conhece em profundidade a filmografia de
diretores importantes, faltando-lhe, porém, um lastro mais amplo. O crítico,
com as honradas exceções de praxe, é um "cdf" em cinema, e tem neste
a sua ideia fixa, a sua obsessão. Não é o caso, lógico, de Inácio Aráujo. A
leitura de seus textos demonstra a sua competência e a largueza de sua visão.
Um homem de seu tempo. Um crítico do essencial dotado de um background fundamental.
Inácio Araújo tem um livro particularmente importante para a
compreensão da mise-en-scène
hitchcockiana: Alfred Hitchcock – O
Mestre do Medo, editado nos anos 80 pela editora Brasiliense na coleção
Encanto Radical. Sintético, como de hábito, mas conclusivo. Poucos os livros
editados no Brasil sobre o mestre, sobre o autor de Um corpo que cai (Vertigo). Há um, que me lembre, de Noel Simsolo,
uma tradução do francês, editado pela Record (se não há engano memorialístico)
numa coleção que morreu no segundo
volume, o dedicado ao precioso Joseph Losey. Existem obras dedicadas a Hitch em
Portugal, e o maravilhoso livro de entrevistas entre François Truffaut e
Hitchcock, cuja leitura se faz obrigatória por todos aqueles que gostam de
cinema. Este livro, sobre ser uma obra rica para a compreensão do processo de
criação de Hitchcock, é também uma aula de cinema. Nunca foi traduzido Le cinema selon Hitchcock, de Erich
Rohmer e Claude Chabrol, assim como o do americano Robin Hood. Alfred Hitchcock – O Mestre do Medo está
entre as hermenêuticas mais extraordinárias sobre o itinerário de Hitch.
Aqui, uma amostra grátis da escrita de Inácio Araújo:
“"Terra Bruta" é visto com
frequência, e um pouco injustamente, como um subproduto de "Rastros de
Ódio", que hoje é considerado a obra-prima de John Ford.
Com todo o respeito pelos "Rastros", "Terra Bruta" é uma variação no mínimo interessantíssima do mesmo tema. James Stewart é o xerife; Richard Widmark, o oficial. Em dado momento, eles devem entrar em território comanche para resgatar prisioneiros brancos.
O confronto entre brancos e índios é isento aqui da paixão que caracterizava o personagem de John Wayne em "Rastros de Ódio". São, antes, dois profissionais que cumprem uma missão. Profissionais bem diferentes, a rigor: Widmark é um militar íntegro, enquanto Stewart é um corrompido.
Mas o olhar cínico que Stewart lança sobre as coisas — essa espécie de descompromisso com a ordem que caracteriza seus atos — é também o que lhe permitirá ver a realidade que terá diante de si com maior elasticidade.
À parte um diálogo de minutos e minutos entre os dois homens (um longo plano à beira de um rio), momento antológico do qual se perde muito na versão dublada, "Terra Bruta" é sintomático do último John Ford.
Em sua trajetória, mostra-se cada vez mais compreensivo em relação aos índios e mais irascível quanto aos brancos (cuja intolerância, aqui, é encarnada pelo oficial). Ao mesmo tempo, o papel da mulher é cada vez menos decorativo, adquire uma essencialidade que já prefacia sua última proeza: "Sete Mulheres", de1966.” (texto publicado na Folha de S. Paulo do dia 15 de
março de 1995)
Com todo o respeito pelos "Rastros", "Terra Bruta" é uma variação no mínimo interessantíssima do mesmo tema. James Stewart é o xerife; Richard Widmark, o oficial. Em dado momento, eles devem entrar em território comanche para resgatar prisioneiros brancos.
O confronto entre brancos e índios é isento aqui da paixão que caracterizava o personagem de John Wayne em "Rastros de Ódio". São, antes, dois profissionais que cumprem uma missão. Profissionais bem diferentes, a rigor: Widmark é um militar íntegro, enquanto Stewart é um corrompido.
Mas o olhar cínico que Stewart lança sobre as coisas — essa espécie de descompromisso com a ordem que caracteriza seus atos — é também o que lhe permitirá ver a realidade que terá diante de si com maior elasticidade.
À parte um diálogo de minutos e minutos entre os dois homens (um longo plano à beira de um rio), momento antológico do qual se perde muito na versão dublada, "Terra Bruta" é sintomático do último John Ford.
Em sua trajetória, mostra-se cada vez mais compreensivo em relação aos índios e mais irascível quanto aos brancos (cuja intolerância, aqui, é encarnada pelo oficial). Ao mesmo tempo, o papel da mulher é cada vez menos decorativo, adquire uma essencialidade que já prefacia sua última proeza: "Sete Mulheres", de
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