1) Luiz
Carlos Barreto, numa longa entrevista ao TV Senado, conta a sua trajetória de
homem de cinema e, lá pelas tantas, fala de Dona Flor e seus dois
maridos, o maior sucesso de bilheteria de todos os tempos baseado em
romance homônimo de Jorge Amado e dirigido por seu filho, Bruno Barreto. O ano,
1976, a
ditadura militar exercia poderosa censura sobre todos os filmes. E implicou com Dona Flor. Queria proibi-lo. Barreto foi à Brasília tentar
convencer os censores, mas tudo em vão.
2) De
repente, ao sair de um ministério, encontra, por acaso, Amália Lucy, filha de
Ernesto Geisel, o general de plantão, a quem se atribui o dito de Chico Buarque
de Holanda ("você não gosta de mim, mas sua filha gosta”). Barreto já conhecia
Amália, e ela, surpresa, perguntou o que ele estava a fazer em Brasília. O produtor
disse a ela que Dona Flor e seus dois maridos" tinha sido proibido
pela censura. Mas por que? indagou a filha do general, que manifestou desejo de
ver o filme.
3) Barreto
marcou um encontro numa sala de exibição brasiliense e projetou Dona
Flor" para Amália Lucy. No final, ela revelou a ele ter gostado muito do
filme e não via razão para ser proibido. E disse a Barreto: "Quem gostaria
muito de ver seria meu pai, pois ele gosta dos romances de Jorge Amado" O
célebre produtor, surpreso, ia dizer alguma coisa, quando ela o interrompeu:
"Você não conhece meu pai. Vamos marcar uma sessão no Palácio do Planalto.
Marcada a exibição, Barreto entrou meio constrangido para projetá-lo para
Geisel e encontrou uma sala toda equipada para a sessão especial, com farta
distribuição de 'scotch’ e salgadinhos.
4) Barreto
conta que Ernesto Geisel, durante o transcorrer da projeção, riu muito e, no
final, congratulou-o por ter feito um filme ágil e engraçado. Disse que
entraria imediatamente em contato com o Ministério da Justiça para a liberação
de "Dona Flor".
5) Dona
Flor e seus dois maridos foi filmado em Salvador em 1975 e me lembro de
ter acompanhado a filmagem de uma cena no Largo da Palma. Terceiro filme
do jovem Bruno Barreto, que tinha em torno de 20 anos (o primeiro, Tati,
a garota, baseado em
Anibal Machado , o segundo, "A estrela sobe",
segundo Marques Rabelo), Dona Flor foi lançado no Brasil inteiro e
na Bahia em mais de seis salas simultaneamente. Sucesso imenso, filas
quilométricas. Mas aconteceu um fato peculiar. .
6) Programado
para ser exibido em seis salas, na segunda (dia em que os lançamentos entravam
em cartaz), o distribuidor da Embrafilme somente tinha recebido em seu
escritório apenas cinco cópias e não haveria tempo hábil para mandar buscar a
que faltava. Mas, de repente, surgiu uma idéia. A cópia do cinema Bahia poderia
ser exibida também no Tamoio, sala perto daquela. Para funcionar, no entanto, era
preciso que os horários fossem diferentes. Naquela época, um filme de
longa-metragem tinha, a depender de sua duração, cinco, seis latas, contendo,
cada uma, um rolo ou carretel. Exibido o primeiro rolo no Bahia, um funcionário
da Embrafilme corria para levá-lo ao Tamoio. E assim sucessivamente.
7) Apesar de
Barreto ter contado que Geisel tinha ordenado a liberação do filme, o que,
realmente, aconteceu, a minha memória me diz que houve o corte de uma cena,
quando há um coito anal entre José Wilder e Sonia Braga. Mais de 20 anos
depois, quando o filme foi relançado em cópias novas, a cena cortada foi
reposta. Se, em 1976, "Dona Flor e seus dois maridos" foi um êxito
sem precedentes, quando do seu relançamento, duas décadas passadas, revelou-se
um fracasso retumbante no mercado exibidor.
8) Sonia
Braga tinha feito uma Gabriela maravilhosa para uma novela da Globo e o
seu aproveitamento como outra personagem amadiana, a Dona Flor, deu muito
certo, a ponto do próprio escritor ficar encantado com ela. Poucos anos depois,
1982/83, Barreto a dirige numa produção internacional no papel de Gabriela, mas
o filme não soube captar, com a desenvoltura necessária, a crônica de uma
cidade de interior que é Gabriela, cravo e canela. No elenco,
Marcello Mastroianni. Mas nem mesmo assim conseguiu as graças do público.
9) Em Dona Flor e seus dois maridos, além da de Wilker e Braga,
destaca-se a primorosa interpretação de Mauro Mendonça, como o segundo marido
de Flor. O primeiro, Vadinho/Wilker, farrista, boêmio, morre de repente num
domingo de Carnaval, mas o seu espírito reaparece a tentar a bela Dona Flor. Um
triângulo amoroso com acentos espíritas, um "ménage-a-trois" atípico,
portanto.
10) A trilha
musical é funcional e eficiente a cargo de Francis Hime. E há, ainda, a letra e
música de Chico Buarque de Holanda na interpretação de Simone (O que
será, o que será...). Murilo Salles, antes de se tornar realizador, é o
diretor de fotografia e, no elenco, vários atores baianos como Nilda Spencer,
Mário Gusmão, Dinorah Brillanti, Haydil Linhares, João Gama, Wilson Mello,
entre outros. Nesta época, meados dos anos 70, a Bahia virou “décor” de
alguns filmes, entre os quais Tenda dos milagres, de Nelson Pereira dos
Santos, também baseado em romance homônimo de Jorge Amado. Nelson, porém, o
grão-duque do cinema brasileiro, se tem resultados excelentes quando faz
adaptação de Graciliano Ramos (Vidas secas, Memórias do cárcere) não
consegue transferir os romances do escritor baiano para um resultado
cinematográfico convincente (Tenda dos milagres “é melhor, mas” Jubiabá
“decepcionante, ainda que com a ajuda de capital internacional).
Nenhum comentário:
Postar um comentário