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02 fevereiro 2014

Cinco vezes Hitchcock

Publicado originariamente no catálogo do Panorama Internacional Coisa de Cinema

A revisão de cinco filmes de Alfred Hitchcock (Um corpo que cai, Psicose, Janela indiscreta, Disque M para matar, Os pássaros), em cópias restauradas e luminosas, surge como oportunidade única para aqueles que somente os viram na televisão ou em DVDs. Além do mais, Disque M para matar é exibido no Panorama Coisa de Cinema em Terceira Dimensão, que foi, aliás, projeto inicial do realizador, que não deu certo na época, 1954, por causa da tecnologia de 3D ainda muio precária.

Psicose (Psycho, 1960) é hoje um clássico indiscutível, cuja estrutura narrativa se articula em três blocos, havendo, em cada um deles, um in crescendo dramático no qual existe uma linha ascendente explorada até o clímax. O que permite dizer que o autor mata a protagonista no primeiro terço da narrativa e tudo vem a começar de novo até o momento em que o detetive é assassinado na escada e, também aqui, o filme retrocede a sua ascese dramática para retornar a um começo de tudo. A cena do chuveiro é um primor, que revela uma fragmentação total do espaço fílmico e proclama a total ilusão da arte do filme, que se consubstancia, neste caso, pela montagem criadora. Há mais de cinquenta tomadas para menos de um minuto de duração da cena. Há críticos, inclusive, que a consideram mais importante para a evolução da linguagem cinematográfica do que a Escadaria de Odessa do prestigiado O encouraçado Potemkin (1925), de Sergei Eisenstein.

Janela indiscreta (Rear window, 1954) é a própria teoria do espetáculo cinematográfico. A câmera somente vê o que o protagonista interpretado por James Stewart consegue enxergar de seu cativeiro numa cadeira de rodas por causa de um acidente. É o exemplo máximo da tela que se dá ao olhar.

Já em Um corpo que cai (Vertigo, 1958), Hitchcock atinge a sua quintessência. Filme sobre a criação de uma imagem, trata-se de  recriar  uma mulher a partir da imagem de uma morta, ou seja: fixar a ideia como fundadora do mundo e o mundo como produto da imaginação. Hitchcock atinge em Vertigo o apogeu da arte clássica (que implica imitação) e, num mesmo gesto, ultrapassa-a, afirmando a supremacia da construção sobre o realismo e a verossimilhança. O conteúdo, aqui, se expressa pela forma, numa afirmação inquestionável de que tout est dans la mise en scène.

Em Os pássaros (The birds, 1963), que no ano em curso completa 51 anos, a ameaça vem do céu nesta obra apocalíptica, com efeitos especiais surpreendentes para uma época na qual não existiam os truques computadorizados. Os pássaros são reais domados por um especialista. Algumas sequências são antológicas: a homenagem ao cinema mudo, quando Tippi Hedren conduz um barco para chegar a outra margem, a debandada geral dos alunos após a invasão dos corvos no colégio, o bate-papo pleno de humor negro no restaurante, o ponto de vista de uma ave, no céu, em suposta câmera subjetiva etc. Mas, quem são os pássaros? “Os pássaros somos nós”, disse Hitchcock.

Ray Milland e Grace Kelly estão em Disque M para matar (Dial M for murder, 1954). Um ex-tenista profissional decide matar sua mulher para poder herdar o seu dinheiro. Baseado num peça teatral, Hitchcock não esconde a teatralidade da versão, insinuando, inclusive, os passos dos personagens sobre um tablado. Um filme menor do autor, mas nem por isso menos importante.


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