Publicado originariamente no catálogo do Panorama Internacional Coisa de Cinema
A revisão de cinco filmes de Alfred Hitchcock (Um corpo que cai, Psicose, Janela indiscreta, Disque M para matar, Os
pássaros), em cópias restauradas e luminosas, surge como oportunidade única
para aqueles que somente os viram na televisão ou em DVDs. Além do mais, Disque M para matar é exibido no
Panorama Coisa de Cinema em Terceira Dimensão , que foi, aliás, projeto
inicial do realizador, que não deu certo na época, 1954, por causa da
tecnologia de 3D ainda muio precária.
Psicose (Psycho, 1960) é hoje um clássico indiscutível, cuja
estrutura narrativa se articula em três blocos, havendo, em cada um deles, um in crescendo dramático no qual existe
uma linha ascendente explorada até o clímax. O que permite dizer que o autor
mata a protagonista no primeiro terço da narrativa e tudo vem a começar de novo
até o momento em que o detetive é assassinado na escada e, também aqui, o filme
retrocede a sua ascese dramática para retornar a um começo de tudo. A cena
do chuveiro é um primor, que revela uma fragmentação total do espaço
fílmico e proclama a total ilusão da arte do filme, que se consubstancia, neste
caso, pela montagem criadora. Há mais de cinquenta tomadas para menos de um
minuto de duração da cena. Há críticos, inclusive, que a consideram mais
importante para a evolução da linguagem cinematográfica do que a Escadaria de Odessa do prestigiado O encouraçado Potemkin (1925), de Sergei
Eisenstein.
Janela indiscreta (Rear window, 1954) é a própria teoria do espetáculo
cinematográfico. A câmera somente vê o que o protagonista interpretado por
James Stewart consegue enxergar de seu cativeiro numa cadeira de rodas por
causa de um acidente. É o exemplo máximo da tela que se dá ao olhar.
Já em Um corpo que cai (Vertigo,
1958), Hitchcock atinge a sua quintessência. Filme sobre a criação de uma
imagem, trata-se de recriar uma mulher a
partir da imagem de uma morta, ou seja: fixar a ideia como fundadora do mundo e
o mundo como produto da imaginação. Hitchcock atinge em Vertigo o apogeu da arte clássica (que implica
imitação) e, num mesmo gesto, ultrapassa-a, afirmando a supremacia da
construção sobre o realismo e a verossimilhança. O conteúdo, aqui, se expressa
pela forma, numa afirmação inquestionável de que tout est dans la mise en scène.
Em Os pássaros (The birds, 1963), que no ano em curso completa 51 anos, a ameaça vem do céu nesta obra apocalíptica, com efeitos especiais
surpreendentes para uma época na qual não existiam os truques computadorizados.
Os pássaros são reais domados por um especialista. Algumas sequências são
antológicas: a homenagem ao cinema mudo, quando Tippi Hedren conduz um barco
para chegar a outra margem, a debandada geral dos alunos após a invasão dos
corvos no colégio, o bate-papo pleno de humor negro no restaurante, o ponto de vista de uma ave, no céu, em
suposta câmera subjetiva etc. Mas, quem são os pássaros? “Os pássaros somos
nós”, disse Hitchcock.
Ray Milland e Grace Kelly estão em Disque
M para matar (Dial
M for murder, 1954). Um ex-tenista profissional decide matar sua mulher
para poder herdar o seu dinheiro. Baseado num peça teatral, Hitchcock não
esconde a teatralidade da versão, insinuando, inclusive, os passos dos
personagens sobre um tablado. Um filme menor do autor, mas nem por isso menos
importante.
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