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03 fevereiro 2014

A tragédia de Eduardo Coutinho

Uma grande tragédia o assassinato do cineasta Eduardo Coutinho, um dos grandes do cinema brasileiro


O fim e o princípio

Por Carlos Baumgarten

Poucas mortes de pessoas públicas, porém admiráveis, mexeram tanto comigo quanto a do cineasta Eduardo Coutinho. Talvez, diante das circunstâncias, talvez diante da perda inesperada, talvez pelo vazio recente que se abre para o nosso cinema. Eu não sei... Nem preciso saber dos motivos que me levam a sentir o que estou sentindo agora.

A cada foto com a qual me deparo no noticiário, a cada narrativa sensacionalista que tenta problematizar a causa e transformá-la num espetáculo midiático, pequenos fragmentos surgem à minha mente, às vezes desconexos, às vezes interligados. Fragmentos de histórias geniais, personagens memoráveis...

Por que Coutinho era genial? A resposta é óbvia: porque ele era simples. E não podemos confundir o seu “ser simples” com algo que remonte a uma obra simplista. Os filmes do diretor, em sua extensa filmografia, são sofisticados porque são simples, em linguagem, em estética, em narrativa.

Para contar a história de um Brasil “feudal” em pleno século XX, ele não precisou recorrer a fontes oficiais, analistas/historiadores para explicar o contexto social, político e econômico do nosso país. Ele foi até as pessoas diretamente envolvidas, as portadoras da verdade, contava a verdade através delas e, por meio de suas lentes, extraia essa verdade e revelava ao público.

A câmera dirigida por Coutinho não era uma mera observadora. Ela está sempre dentro do mundo de seus personagens, quando entra no morro da Babilônia, no Rio de Janeiro, para perguntar o que os moradores esperam com a chegada do ano 2000 ou quando “invade” a rotina de um edifício entre tantos outros no bairro de Copacabana, quando visita os “peões” sindicalistas do ABC Paulista na era Lula, ou resgata o passado escravocrata do Brasil por uma linha tênue entre o ontem e o hoje.

Não. Ele não está apenas observando. Ele está envolvido naquele mundo, construindo um olhar próprio, e busca envolver o espectador também nessa construção. Podemos dizer que a técnica cinematográfica era um suporte aplicado ao filme para que Coutinho contasse a sua história, pois sua “ferramenta” principal estava na interação humana. E é por isso que o cineasta era reconhecido entre meios internacionais de documentários como um grande entrevistador.

Eu me pergunto, diante de tantos documentários na filmografia mundial, quem conseguiria extrair tantas emoções a partir de histórias aparentemente banais? Como dizem alguns dos que se manifestaram pela morte do cineasta, Coutinho criou um estilo próprio e revolucionou a arte de fazer documentários no Brasil.

É difícil não se emocionar com o morador do Edifício Master que interpreta com paixão a famosa “My Way”, de Frank Sinatra, ou com a senhora de olhar triste que apenas vê a vida passar no morro da Babilônia ou com as canções entoadas por pessoas que vivem das lembranças.

Sim, talvez o ponto de convergência entre esses fragmentos seja o que Coutinho sempre quis mostrar em seus filmes: a memória é uma personagem a parte em nossas vidas, talvez, o que nos mantém vivos. O enquadramento de cada um dos seus personagens ao longo de sua carreira revela muito mais do que aquilo que está nos planos.         

Posso dizer que ele teve uma influência importante sobre a minha formação, em diversos aspectos, mas, especialmente, no olhar sobre outro. A começar pelo meu próprio olhar sobre o que é documentário, que, antes, com minha ignorância, tentava afastá-lo da minha vida, por achar que era um tipo de jornalismo “aperfeiçoado”.

Não cheguei nem perto de estar em um mesmo espaço físico para encontrá-lo. Mesmo assim, Coutinho me mostrou como o cine documentário é grandioso, enquanto arte, enquanto olhar, porque, mais do que contar, revela histórias, provoca os personagens e provoca o espectador. Trabalha em todas as vertentes, decupa os planos, improvisa, encena... Coutinho mostrou a todos, sem ser sentimentalista, sem ser apelativo, que cada história tem o seu valor e cada história é grandiosa por si só.

Agora, com o fim inesperado de sua vida, um ciclo se fecha e o sentido se inverte. É hora de outros contarem a história de um dos nossos grandes cineastas que, como um breve consolo, foi reconhecido ainda em vida. Não teremos novos filmes de Eduardo Coutinho, mas ficamos com o legado que ele deixou ao longo de quase 50 anos dedicados ao cinema. E isso não tem fim...

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