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| Jack Palance como o pistoleiro Wilson em Os brutos também amam (Shane, 1953), de George Stevens | 
Quando do advento do cinema falado, em fins dos anos 20, a 
verborragia tomou conta dos filmes e se destruiu por completo a estética
 da arte muda. A linguagem cinematográfica alcançara uma perfeição quase
 absoluta, mas pedia o som. Este veio de forma desordenada e os filmes 
perderam, por assim dizer, a sua arte, para se transformarem em 
avalanches de diálogos. Foi preciso esperar a década de 30 para que 
houvesse uma compreensão da exata estrutura audiovisual do cinema e, 
então, alguns cineastas conseguiram dosar a imagem e o som, que entraram
 em conjugação harmônica. O surgimento do cinema falado também veio a 
estabelecer uma série de problemas, como bem mostra, de maneira 
satírica, aquele que é considerado o maior musical de todos os tempos: Cantando na chuva (Singin'in the rain, 1952), de Stanley Donen e Gene Kelly. 
 
Há, na parte sonora, três bandas: a banda dos diálogos, a banda da 
partitura musical, e a banda dos ruídos. Esta última, por incrível que 
pareça, ainda se encontra pouco utilizada como elemento estético. Um 
filme argentino, extraordinário, O pântano, de Lucrecia Martel, é
 um exemplo perfeito da sábia utilização dos ruídos. Martel esteve ano 
passado no Seminário Internacional de Cinema e Audiovisual e falou sobre
 a estética dos ruídos. 
 
Lars von Trier, cineasta dinamarquês, soube usar o ruído com propriedade nas cenas da floresta em O anticristo, assim como a própria Martel os utiliza com eficiência estética e dramática em O pântano (os ruídos das cadeiras no pátio onde se encontra uma piscina, os raios etc). Os fratelli Coen sabem usá-los em seus filmes, notadamente no oscarizado Onde os fracos não têm vez. 
 
Foi apresentado no Cannes Classic, evento do festival do mesmo nome, a cópia remasterizada de Psicose,
 causando, ainda hoje, 50 anos depois, um grande impacto na platéia, 
principalmente por causa da partitura impactual de Bernard Herrmann que,
 na remasterização do filme consegue ser ouvida em todos os seus 
detalhes. Aliás, a narrativa para Psycho é executada, hoje, em 
concertos da maior expressão no cenário internacional. O grande 
Herrmann, que assinou as trilhas dos principais momentos hitchcockianos,
 morreu em 1975, após compor a partitura de Taxi Driver, de Martin Scorsese, na qual, pela primeira vez, se utiliza de instrumentos eletrônicos. 
 
Nunca se pode deixar de esquecer e verificar que o cinema é uma 
estrutura audiovisual. Mas as pessoas insistem em dar valor a um filme 
por causa do seu elo semântico, isto é, o conteúdo, a mensagem. O
 que é um erro, pois o valor cinematográfico de um filme se encontra na 
sua linguagem, na maneira de o cineasta a articular por meio dos planos,
 dos movimentos de câmera, da angulação, da montagem etc. 
O advento do som provocou uma reviravolta completa na já estabelecida 
estética da arte muda que alguns realizadores, a exemplo de Charles 
Chaplin, se recusaram a aderir ao cinema falado. Chaplin realizou Luzes das cidades (City lights,
 1930), quando o som já era moeda corrente nas salas exibidoras. E ficou
 agarrado a uma estrutura narrativa da era muda em 1936 em Tempos modernos, e somente veio a falar em 1941 quando fez um discurso bombástico em O grande ditador (embora neste filme a estrutura narrativa continuasse a ser do cinema mudo). 
Mas muita água rolou debaixo da ponte em 116 anos de cinema, arte jovem,
 como se pode ver, se comparada às outras. Lucrecia Martel fez O pântano
 com a consciência de uma cineasta ciente das possibilidades estéticas 
do cinema contemporâneo. Argentina, é considerada pelos críticos, uma 
das diretoras mais originais da atualidade. Basta dizer que A menina santa, de sua autoria, é um dos filmes preferidos de Pedro Almodóvar.
Em Os brutos também amam (Shane, 1953), de George Stevens,
 quando Paredão (Elisha Cook Jr), tirando onda de valentão, tenta, no 
lamaçal diante da taberna onde se encontra o temível pistoleiro Wilson 
(Jack Palance), dizer-lhe algumas poucas e boas, Wilson, com seu olhar 
frio, fita o pobre Paredão enquanto coloca, maneirosamente, as suas 
luvas pretas (sinal que vai sacar da arma). O tiro que Wilson dispara 
tem um ruído tão intenso, que causa grande impacto. George Stevens, numa
 entrevista antológica a Paulo Perdigão publicada na revista 
Filme/Cultura, disse ao crítico carioca que o som do tiro foi, na 
verdade, o som de um tiro de canhão. Há, por outro lado, ruídos que 
servem como sinal de pontuação, como a mala que cai no final de Frenesi, de Alfred Hitchcock para sinalizar, com impacto e mise-en-scène, o término do filme. 
E a palavra como elemento estético, um fim em si mesma, aconteceu com o extraordinário, e imprescindível, Hiroshima, mon amour
 (1959), de Alain Resnais, que provocou, na época, comoção diante de sua
 originalidade. Originalidade que seria reforçada dois anos depois pelo 
próprio Resnais em O ano passado em Marienbad. E, impressionante,
 este realizador, com quase 90 anos de idade, continua em atividade, 
tendo nos brindado, ano retrasado, com um filme que foi, de longe, o 
melhor, As ervas daninhas (Les herbes folles). Outro longevo é o português Manoel de Oliveira, que já passou dos 100 e continua filmando. 
 
 
Um comentário:
Sem dúvida o advento do som provocou uma reviravolta na linguagem do cinema.
Que o diga "Cantando na chuva", como bem você usou de exemplo.
Mas, sem dúvida, com o passar do tempo, esta nova técnica ajudou e muito na criação de cliemas para os filmes.
Antes já havia a trilha sonora, mas esta dependia de recursos de cada sala exibidora como orquestras e outros detalhes assim.
O som, incorporou aoi filme o clima por ele provocado, o que facilitou, e muito, o trabalho de uma obra cinematográfica no seu todo.
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