Vi Mulher à tarde na mostra Tiradentes em janeiro de 2011. Filme surpreendente do estreante no longa Affonso Uchoa (de Belo Horizonte), trata-se de uma obra cinematográfica inusitada pela desdramatização e pela ausência de in crescendo dramático. A câmera de Ucha, voyeurista, acompanha a pasmaceira de um trio de mulheres jovens em uma casa durante uma tarde. Ficamos, nós, espectadores, também encafurnados, como elas, entre as quatro paredes do local da inação. Nada acontece. Elas conversam, fazem coisas triviais, reinando, absoluto, o tédio. O realizador, porém, tem um aguçado sentido de composição da imagem, e nos faz estar presentes na solidão das mulheres, ressaltando a importância dos pequenos gestos, dos movimentos mínimos. Pretendo escrever algo mais detalhado assim que rever o filme, pois a visão de uma obra cinematográfica num festival é tortuosa, considerando o número excessivo de fitas que se tem a ver.
Mulher à tarde está sendo distribuído sem nenhum suporte promocional. Uma nova maneira de fazer chegar os filmes independentes às telas dos cinemas brasileiros. Não nas grandes salas, nos complexos de cinema, mas em salas alternativas, e a comunicação de Uchoa é feita por um site (http://www.mulheresatarde.wordpress.com) e e-mails. Mulher à tarde, aqui em Salvador, vai ser lançado no CINECENA UNIJORGE (situado no segundo piso do Shopping Itaigara) entre os dias 9 e 12 de julho (na próxima segunda, portanto), mas apenas no horário das 16 horas, excetuando-se os dias 10 e 11, quando haverá, também, sessões às 20 horas, além da vespertina. O filme tem tido boa acolhida e já foi apresentado em outras capitais brasileiras. O que vai abaixo é uma transcrição de um texto recolhido no site de Mulher à tarde e escrito provavelmente pelo autor.
Três mulheres em uma casa. Por uma tarde.
Três jovens mulheres que vivem conjuntamente em uma grande cidade do
Brasil. Vivem juntas, porém separadas: cada uma possui um mundo próprio.
Há uma que deseja o lado de fora e novas vivências, há outra que se
sente presa dentro das paredes e voltou de um passado de percalços e
ainda há a terceira, que precisa sentir as coisas mais fortemente. Todas
têm seu mundo, mas dividem a casa. Todas as três atravessam momentos
cruciais na vida, necessitando atitudes. Todas têm de se dividir entre
resolver a vida e cumprir as tarefas cotidianas. Mulher à tarde
é um filme que parte dessa situação muito simples – Três jovens
mulheres que dividem o mesmo espaço – para revelar a interioridade de
cada personagem e suas vidas de tensão entre a existência íntima e a
cidade ao redor.
O filme também investe na
investigação da linguagem cinematográfica; em especial, foca na relação
entre cinema e pintura. O filme trabalha o pictórico no cinema através
da composição das imagens, o trabalho da cor e das formas e a
alternância entre imagens em movimento e estáticas.
O pictórico se faz presente também na estrutura narrativa do filme. Mulher à tarde
se divide em blocos de situações que conduzem a “quadros” – imagens
estáticas que concluem esses blocos. Ao princípio de cada um deles há
letreiros que se assemelham aos títulos de quadros que retratam figuras
femininas na pintura ocidental: “Mulher com a cabeça entre as mãos” e
“Mulher deitada enquanto a noite cai” são alguns exemplos. A cena final
dos blocos é uma ilustração do escrito nesses letreiros, de modo que os
escritos são como títulos dos quadros finais de cada bloco. E nesses
quadros, nessas imagens de conclusão das cenas, podemos ver a
imobilidade que figura o rosto e o mundo de cada uma. A imobilidade de
uma vida oprimida em meio a necessidade de mudanças e a dificuldade em
dar o primeiro passo de transformação.
O princípio narrativo do filme é fundado
nas histórias mínimas, cotidianas. Numa espécie de anti-dramaturgia sem
grandes acontecimentos e reviravoltas. Sem trama e sem drama. A pintura,
em geral, vem em contraste ao banal: pintar significa elevar, dotar de
dignidade. Só o que é grande o suficiente pra ser eternizado, merece ser
pintado. Mulher à tarde é um filme que pinta os pequenos
momentos. Um filme que traz pra imagem e se dedica a eternizar o comum e
a vida cotidiana. Ao pintar a vida dessas 3 mulheres perdidas entre
suas questões existenciais e as tarefas cotidianas, o filme afirma sua
crença no poder de permanência do pequeno gesto e na grandeza das
histórias mínimas.
Cliquem no cartaz para vê-lo maior.
Um comentário:
É isso mesmo que fazem com os filmes que não se interessam em promover. Colocam em cinemas de difícil acesso ou secundários e ficam pouco tempo com eles em cartaz.
Uma forma de somente valorizar a indústria comercializante e ealienada!
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