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05 julho 2012

Mulher à tarde


Vi Mulher à tarde na mostra Tiradentes em janeiro de 2011. Filme surpreendente do estreante no longa Affonso Uchoa (de Belo Horizonte), trata-se de uma obra cinematográfica inusitada pela desdramatização e pela ausência de in crescendo dramático. A câmera de Ucha, voyeurista, acompanha a pasmaceira de um trio de mulheres jovens em uma casa durante uma tarde. Ficamos, nós, espectadores, também encafurnados, como elas, entre as quatro paredes do local da inação. Nada acontece. Elas conversam, fazem coisas triviais, reinando, absoluto, o tédio. O realizador, porém, tem um aguçado sentido de composição da imagem, e nos faz estar presentes na solidão das mulheres, ressaltando a importância dos pequenos gestos, dos movimentos mínimos. Pretendo escrever algo mais detalhado assim que rever o filme, pois a visão de uma obra cinematográfica num festival é tortuosa, considerando o número excessivo de fitas que se tem a ver. 

Mulher à tarde está sendo distribuído sem nenhum suporte promocional. Uma nova maneira de fazer chegar os filmes independentes às telas dos cinemas brasileiros. Não nas grandes salas, nos complexos de cinema, mas em salas alternativas, e a comunicação de Uchoa é feita por um site (http://www.mulheresatarde.wordpress.com) e e-mails. Mulher à tarde, aqui em Salvador, vai ser lançado no CINECENA UNIJORGE (situado no segundo piso do Shopping Itaigara) entre os dias 9 e 12 de julho (na próxima segunda, portanto), mas apenas no horário das 16 horas, excetuando-se os dias 10 e 11, quando haverá, também, sessões às 20 horas, além da vespertina. O filme tem tido boa acolhida e já foi apresentado em outras capitais brasileiras. O que vai abaixo é uma transcrição de um texto recolhido no site de Mulher à tarde e escrito provavelmente pelo autor.

 Três mulheres em uma casa. Por uma tarde. Três jovens mulheres que vivem conjuntamente em uma grande cidade do Brasil. Vivem juntas, porém separadas: cada uma possui um mundo próprio. Há uma que deseja o lado de fora e novas vivências, há outra que se sente presa dentro das paredes e voltou de um passado de percalços e ainda há a terceira, que precisa sentir as coisas mais fortemente. Todas têm seu mundo, mas dividem a casa. Todas as três atravessam momentos cruciais na vida, necessitando atitudes. Todas têm de se dividir entre resolver a vida e cumprir as tarefas cotidianas. Mulher à tarde é um filme que parte dessa situação muito simples – Três jovens mulheres que dividem o mesmo espaço – para revelar a interioridade de cada personagem e suas vidas de tensão entre a existência íntima e a cidade ao redor.

O filme também investe na investigação da linguagem cinematográfica; em especial, foca na relação entre cinema e pintura. O filme trabalha o pictórico no cinema através da composição das imagens, o trabalho da cor e das formas e a alternância entre imagens em movimento e estáticas.

O pictórico se faz presente também na estrutura narrativa do filme. Mulher à tarde se divide em blocos de situações que conduzem a “quadros” – imagens estáticas que concluem esses blocos. Ao princípio de cada um deles há letreiros que se assemelham aos títulos de quadros que retratam figuras femininas na pintura ocidental: “Mulher com a cabeça entre as mãos” e “Mulher deitada enquanto a noite cai” são alguns exemplos. A cena final dos blocos é uma ilustração do escrito nesses letreiros, de modo que os escritos são como títulos dos quadros finais de cada bloco. E nesses quadros, nessas imagens de conclusão das cenas, podemos ver a imobilidade que figura o rosto e o mundo de cada uma. A imobilidade de uma vida oprimida em meio a necessidade de mudanças e a dificuldade em dar o primeiro passo de transformação.

O princípio narrativo do filme é fundado nas histórias mínimas, cotidianas. Numa espécie de anti-dramaturgia sem grandes acontecimentos e reviravoltas. Sem trama e sem drama. A pintura, em geral, vem em contraste ao banal: pintar significa elevar, dotar de dignidade. Só o que é grande o suficiente pra ser eternizado, merece ser pintado. Mulher à tarde é um filme que pinta os pequenos momentos. Um filme que traz pra imagem e se dedica a eternizar o comum e a vida cotidiana. Ao pintar a vida dessas 3 mulheres perdidas entre suas questões existenciais e as tarefas cotidianas, o filme afirma sua crença no poder de permanência do pequeno gesto e na grandeza das histórias mínimas.

Cliquem no cartaz para vê-lo maior.

Um comentário:

Jonga Olivieri disse...

É isso mesmo que fazem com os filmes que não se interessam em promover. Colocam em cinemas de difícil acesso ou secundários e ficam pouco tempo com eles em cartaz.
Uma forma de somente valorizar a indústria comercializante e ealienada!