Laurence Olivier e Dustin Hoffman em Maratona da morte (Marathon man), de John Schlesinger: thriller de tirar o fôlego. |
A dublagem dos filmes estrangeiros açoita a consciência dos
verdadeiros amantes do bom cinema. Há algumas décadas, um deputado, Leo
Simões, apresentou, ao Congresso Nacional, um projeto nesse sentido,
que, para a glória dos cinéfilos, foi rejeitado. Atualmente, porém, a
dublagem está a se impor sem nenhuma lei que a determine. Filmes que são
lançados no circuito comercial, principalmente os blockbusters, com
centenas de cópias, estão, a maioria delas, dubladas em português. Em
quase todos os DVDs há, ainda, as duas opções: versão original e a
dublada, mas, segundo pesquisa publicada em jornal sulino, mais de 70%
dos que foram ouvidos preferem a versão dublada, muitos por causa "da
preguiça de ler as legendas!" No caso dos filmes que estréiam no mercado
exibidor, quando obras de nítido apelo comercial, poucas as versões
originais, sendo até difícil localizá-las em que cinemas estão sendo
exibidas.
A maioria do público, na verdade, somente se interessa pelo
desenvolvimento da intriga, pelo enredo, e pouco se lhe dá se o filme é
dublado. O cinema como estrutura audiovisual, como mise-en-scène, não
tem nenhum valor para as pessoas que frequentam atualmente as salas
exibidoras concentradas nos shoppings centers. O interesse apenas recai
sobre os acontecimentos narrados, pela ação ininterrupta, pelos efeitos
especiais, e pelas piadinhas infames sobre sexo (como nas neo-chanchadas
do cinema brasileiro, um filão que desabrochou e está crescendo para
desespero daqueles que querem um cinema nacional bravo e atuante). A
implantação da dublagem, já notaram os comerciantes dos filmes, diante
de um público massivo, passivo, apático, é, por assim dizer, uma mão na
roda.
O fato é que a dublagem se constitui num atentado à integridade da obra
cinematográfica. Diria mesmo um crime que se comete contra a pureza do
filme. Em primeiro lugar, deve-se considerar que a inflexão vocal tem
muita importância na interpretação dos atores e atrizes. Alguns
intérpretes treinam durante dias para dar o tom exato às suas falas. Já
pensaram Don Corleone, interpretado por Marlon Brando, em O poderoso chefão (The godfather, 1972), falando um português uniforme e sem inflexões?
A dublagem também interfere na perfeita dosagem entre as três bandas
sonoras de um filme: a de diálogos, a de ruídos, e a da partitura
musical. Há que se ter uma perfeita harmonia nessas três bandas, que são
reunidas numa só pelo processo da mixagem. Quando se dubla um filme, as
três bandas são separadas e se privilegia a dos diálogos em detrimento
da dos ruídos e da partitura musical. É absolutamente insuportável se
assistir a um filme dublado. Pessoalmente, detesto-a, não admitindo a
dublagem nem em desenhos animados. E poderia mesmo dizer: se a dublagem
vier a se constituir regra geral, nunca mais irei ao cinema, procurando
contentar-me com os DVDs que tenham a versão original dos filmes.
Há um exemplo demolidor da dublagem em Maratona da morte (Marathon man,
1975), de John Schlesinger. Sir Laurence Olivier interpreta Mengele, o
perverso nazista, cirurgão dentista, que se encontra em Nova York e,
numa sequência, faz um interrogatório com Dustin Hoffman na cadeira de
dentista. A princípio, quando chega, Olivier diz um quase afetuoso "is
it saft?". Durante a sequência inteira, ele somente faz esta
interrogação a um Dustin Hoffman apavorado, mas, a cada uma delas,
confere um tom diferente na dicção até que a pergunta surge raivosa e
gritada. Momento seguinte, uma broca fura o céu da boca de Hoffman. Na
versão dublada em português, o "is it saft?" é substituído por um "é
seguro?" sem nenhuma inflexão e dito de maneira uniforme. Resultado:
toda a atmosfera da sequência, que reside, na versão original, no tom de
voz de Olivier, perde-se completamente na dublada. Uma espécie de
anulação das intenções do realizador e de sua correta produção de
sentidos.
Nessa questão da dublagem, sou radical: não vejo filme dublado. A
televisão por assinatura, que passa seriados, está dublando os filmes e,
por isso, nos dublados, não posso me sentir cúmplice do espetáculo,
demitindo-me logo deste. A dublagem televisiva é pavorosa (aliás, a bem
da verdade, toda e qualquer dublagem é pavorosa).
É de causar espanto que em países civilizados como a França, a Itália, a
Espanha e a Alemanha, entre outros, a dublagem já é um fato consumado
há mais de meio século. Mas há a opção pelas versões originais.
Acontece, porém, que um filme é lançado, nesses países, com a maioria
das cópias vertidas para o idioma pátrio, restando as originais em salas
mais caras. O Pariscope, revista cultural que oferece todos os
programas culturais franceses, por exemplo, depois do nome do filme vêm
as duas letras: v.o. para as originais (não dubladas) e v.f. versão
francesa. Como se sabe, o cinema americano não domina apenas o mercado
exibidor brasileiro (aqui, 99,9% dos cinemas são de empresas
multinacionais), mas quase todo o mundo - excetuando-se a Índia, os
países árabes, entre poucos outros, que não aceitam nem compreendem o
filme americano e, por isso, desenvolveram poderosas indústrias
cinematográficas (Bollywood, como é chamada a indústria indiana é maior
que Hollywood em número de fitas). Por outro lado, na Europa, existem os
Cinemas de Arte e Ensaios (salas alternativas) que passam filmem
selecionados de grandes cineastas nas suas versões originais com
legendas próprias.
Nos anos 70, os xenófobos do cinema brasileiro tentaram apoiar - na
época da vigência da Embrafilme - a implantação da dublagem obrigatória
no Brasil. Entre os seus principais argumentos, estava a defesa da
ampliação do mercado de trabalho para dubladores e a instalação de novos
equipamentos. Por uma questão de mercado, queria se matar a estética
cinematográfica. Mas, felizmente, a idéia não foi adiante.
Atualmente, com os filmes destinados ao DVD, que possuem versões
originais e dubladas, o mercado de dubladores se encontra em franca
expansão. Em alguns DVDs, inclusive, ao término dos filmes, aparecem os
créditos dos dubladores dos atores e atrizes. Na Europa, há dubladores
especialmente selecionados para determinados atores, que são conhecidos
do grande público. Fulano de tal é o dublador de Brad Pitt, por exemplo.
Quem dubla, mata, quem dubla interfere no processo de criação da obra
cinematográfica, quem dubla afeta a sua integridade.
Fujo de filmes dublados como o diabo foge da cruz.
3 comentários:
Essa questão de se ver filmes dublados ou legendados é muito polêmica. Há aqueles que não assistem filmes dublados de forma alguma, mas também há aqueles que não vêem filmes legendados, por extrema preguiça de ler as legendas, ou por dizer que se ficar lendo não vai conseguir prestar atenção ao filme. Eu também prefiro os filmes legendados, mas se pintar algum dublado em minha mão eu vejo também, por que bem ou mal, aprendi a ver filmes na tv aberta que só exibidos filmes dublados. www.gilbertocarlos-cinema.blogspot.com
Aprendi a ver filmes nas salas de cinema. Sempre me recusei a ver filmes dublados na televisão. Via-os apenas quando eram exibidos aos domingos na Globo legendados. Também não vejo filmes originariamente filmados em cinemascope e veiculados na televisão em tela cheia.
Filmes dublados são a pior macaquice que existe. Também odeio.
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