Vivien Leigh como Scarlett O'Hara em ...E o vento levou (Gone with the wind, 1939), de David Selznick e Victor Fleming |
.E o vento levou (Gone with the wind, 1939) está a completar
73 anos de existência. Filme emblemático como espetáculo
cinematográfico, característico da escola idealista do cinema no modo de
representação da realidade, marcou época e, talvez, tenha sido o mais
visto em todos os tempos. As constantes listas que aferem os campeões de
bilheteria já não o têm entre os seus dez maiores, porque a aferição é
feita em termos dos lucros auferidos e, assim, os ingressos antigamente
eram muito mais baratos.
Ainda que hoje a nova geração não o veja mais, o fato é que durante as décadas de 40, 50 e 60,...E o vento levou
era uma referência constante, e não havia cinéfilo, que se quisesse
prezar, que não o tivesse visto. Acredito que se, atualmente, os
campeões de bilheteria, Titanic ou, já a o superar, Batman, o cavaleiro das trevas, tenham obtido as maiores bilheterias da história do cinema, por outro lado, nenhum filme como ...E o vento levou
tenha ficado três décadas em cartaz (com as constantes reprises
habituais daquela época) e no imaginário dos amantes do cinema. Os
espetáculos cinematográficos atualmente são lançados e logo retirados de
cartaz e esquecidos com muita facilidade.
Emblemático como obra cinematográfica típica da indústria
hollywoodiana da época, cujos sustentáculos estavam em três pilares
básicos, o star system, o studio system, e a divisão dos filmes em gêneros específicos, ...E o vento levou é um filme de autor às avessas, a contrariar em gênero, número e grau, a Política de Autores (Politique des auteurs) formulada pelos jovens turcos da revista francesa Cahiers du Cinema,
para os quais o verdadeiro criador de um filme era o seu diretor
(embora a admitir também que havia obras nas quais o diretor era apenas
administrativo, mas, para os turcos os melhores eram aqueles que se
podiam definir como de autores). Porque o verdadeiro autor de ...E o vento levou
é o seu produtor supremo David Selznick e seus diretores não passam de
meros diretores administrativos, coordenadores de elenco, diretores de
cena.
Adaptação do romance bastante popular de Margaret Mitchell, ...E o vento levou
apresenta os estertores da época esplendorosa do Sul dos Estados Unidos
e sua derrocada quando da eclosão da Guerra de Secessão. Obra
essencialmente intimista (idealista), que foge aos cânones do realismo
cinematográfico, tem seu interesse centrado na espetacularidade e no
violento choque de personalidades entre os personagens vividos por
Vivien Leigh, Clark Gable, Olivia de Havilland e Leslie Howard. O
conflito bélico que se instaura, como em todo filme característico do
idealismo, serve apenas como pano de fundo. O centro de tudo é a
personagem de Scarlett O"Hara (Vivien Leigh) e suas ambiguidades em
relação aos mistérios do amor e sua esfuziante personalidade. Pese à
acusação de excessiva espetacularização, não se pode negar que algumas
sequências são antológicas e, mesmo com a tecnologia atual, difíceis de
serem vistas atualmente com tal força de impacto, a exemplo do baile
aristocrático e a do incêndio de Atlanta.
Uma rica herdeira sulista, Scarlett O'Hara, apaixona-se por seu primo
(o ator inglês Leslie Howard que viria a morrer em acidente poucos anos
depois de ter participado do filme), mas este dá preferência à
Melanie (Olivia de Havilland). Ao estourar a guerra, Scarlett vê-se
obrigada a assumir a direção da família, e é cortejada por Rhett Butler
(Clark Gable), comerciante, e bon vivant, que a salva do incêndio
de Atlanta. Assediada por Rhett (no bom sentido do assédio sem as
conotações perversas do estabelecido pela onda politicamente correta
atual), termina por se render a seus encantos e se casa com ele. O beijo
na carroça, quando ela é salva do incêndio, tendo ao fundo as chamas,
que o technicolor de então oferece num tom vermelho é um assombro, para
os padrões da época, entre ela e Rhett, é antológico, e figura em
qualquer livro que se queira abrir sobre cinema. O caráter rebelde e
instável, porém, e sua insistência no amor ao primo, e a morte de seu
filho (acidente num cavalo) terminam por conduzir o matrimônio a um
beco sem saída.
...E o vento levou é a mais gigantesca superprodução do cinema
americano da primeira fase do sonoro. Mesmo para os padrões atuais, não
se pode imaginar o êxito de seu lançamento com uma multidão de pessoas
diariamente em filas quilométricas nas portas dos cinemas. Um verdadeiro
fenômeno que marcou definitivamente um tempo em que o sistema de
estúdios dava as cartas para o sucesso dos filmes. E, além do mais, Gone with the wind representa bem um estilo de representação não somente da realidade focada, mas um estilo de cinema que se fazia no período.
Neste particular, a obra cinematográfica mais representativa, embora
excelentes filmes foram realizados neste magnífico ano de 1939,
cristalização da arte clássica, segundo escreveu André Bazin: O morro dos ventos uivantes (Wuthering heights), de William Wyler, No tempo das diligências (Stagecoach), de John Ford, A mulher faz o homem (Mr. Smith goes to Washington), de Frank Capra, A regra do jogo (La règle de jeu), de Jean Renoir, O mágico de Oz (The wizard of Oz), de Victor Fleming, Jesse James, de Henry King, entre muitos outros.
...E o vento levou teve vários diretores, entre eles George
Cukor (que filmou quase toda a primeira parte antes da guerra), Sam
Wood, e Victor Fleming (que, afinal, ficou com os créditos). Mas apesar
do controle absoluto e obsessivo de David Selznick, o filme, sempre um
trabalho de equipe, não seria o mesmo sem a contribuição, mesmo que
administrativa, dos diretores citados, e, principalmente, de seu diretor
de arte William Cameron Menzies. Vale ressaltar que entre os
roteiristas de ...E o vento levou há contribuições nos diálogos
de William Faulkner e F. Scott Fitzgerald. A atriz negra Hattie
McDaniel, que faz a criada de Scarlett, foi indicada para o Oscar de
melhor atriz coadjuvante (e ganhou), mas não pôde receber o prêmio,
porque um negro não podia entrar, segundo as leis racistas da época, no
teatro da entrega dos Oscars.
Para se ter uma idéia, ...E o vento levou, considerado uma
fortuna para a época, custou aos cofres da produtora de Selznick apenas
cinco milhões de dólares e rendeu trinta e dois. Atualmente o salário de
uma atriz como Julia Roberts não sai por menos de vinte milhões (de
dólares, de dólares!).
Um comentário:
Clássico
Postar um comentário