Seguidores

03 maio 2009

Viagem ao fim do mundo

Viagem ao fim do mundo, segundo longa do baiano Fernando Cony Campos, não aparece nas constantes listagens do que se convencionou chamar de Cinema Marginal (ou cinema de invenção ou cinema experimental ou cinema underground - ou, ainda udigrudi), mas está muito mais perto deste do que do Cinema Novo, a possuir, na sua estrutura narrativa, características familiares à sublevação que se observa na segunda metade dos anos 60: fragmentação da narratividade com enxertos de materiais de procedência diversas (gráficos, desenhos, fotos de revistas, documentários velhos, etc). É chegada a hora, portanto, de se rever Viagem ao fim do mundo para se ter a sua exata dimensão, para se o colocar no seu devido lugar na história do cinema brasileiro. O filme, que vai ser apresentado em Salvador dentro do projeto das Quartas Baianas (dia 6 de maio na Sala Walter da Silveira), revi-o hoje e constatei que é uma obra marginalizada dentro dos próprios adeptos do Cinema Marginal (que já está a sair, em cópias luminosas, numa coleção de DVDs numa iniciativa de Eugenio Puppo e outros), mas uma marginalização não consciente que vem em consequência do desconhecimento do filme, que, lançado em 1968, quase que desapareceu de mostras e eventos.
Baseado em capítulos de Memórias póstumas de Brás Cubas, principalmente o capítulo do delírio, além de outras fontes, Viagem ao fim do mundo foi detentor do prêmio "Melhor Filme do Terceiro Mundo" do Festival de Locarno, quando representou o Brasil na competição oficial.. Para se ter uma idéia de sua concepção, o filme se passa durante uma viagem de avião. Um rapaz (Fábio Porchat), passageiro da aeronave, pela leitura de um livro, pensa na vida e nos seus mistérios. Uma passageira a seu lado (Karin Rodrigues) lê uma revista que ilustra fatos da atualidade. E um freira medita sobre os problemas do indivíduo e da coletividade. Há, também, como passageiros, um sertanejo (Jofre Soares) com alucinações eróticas, um dirigente de um time de futebol (José Marinho), etc. O avião é pequeno e poucos são os passageiros. Quando pousa em terra firme, os personagens ainda continuam com seus problemas e suas fantasias.O filme procede a uma viagem pelo labirinto da memória e da reflexão. Assim, cada um dos personagens, quandon enfocado, provoca a emergência de flash-backs ou de lances memorialísticos.
O espectador toma conhecimento dos problemas de todos eles. Mas, de repente, numa brincadeira metalinguística de Fernando Cony Campos, aparece uma moça que não estava entre aqueles a bordo. Um dos passageiros lhe pergunta: "Quem é você?" E ela: "Eu sou um erro de continuidade"
A foto mostra Talula Campos (companheira do realizador quando da produção do filme) e Fernando Cony Campos (que faz o padre). Além dos citados, Annik Malvil, Walter Forster, Vera Viana, Alberto Vianna. A fotografia é de José Medeiros e de Osvaldo de Oliveira, com música de Caetano Veloso.
Fernando Cony Campos, cujo filme mais conhecido talvez seja Ladrões de cinema, realizou seu primeiro longa com Morte em três tempos (1963). Na sua filmografia, registram-se Um homem e sua jaula (baseado em Matéria de memória, de Carlos Heitor Cony, em 1969), Sangue quente em tarde fria (1970), Um nêga chamada Teresa (1973), Ladrões de cinema (1977), e o premiado O mágico e o delegado (1983), seu último filme, cinco anos antes de sua morte ocorrida em 1988.

Nenhum comentário: