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27 janeiro 2009

Débeis mentais atropelam cinéfilos no Multiplex

Quando fui ver A Troca (Changeling), o novo filme de Clint Eastwood, que a crítica está a cair em cima sem perceber a sua beleza de construção narrativa e a ácida visão da sociedade americana, o público presente a uma das salas do Multiplex Iguatemi se comportou como de hábito, isto é: sem prestar atenção ao filme, a falar o tempo todo no celular, com aquelas risadas fora de hora, e a tradicional comilança e meleira geral. Mas o que mais me incomodou foi a presença de um garoto de uns quatro anos de idade, que, acompanhado dos pais, gritava a todo momento. A estranheza foi maior porque, depois verifiquei, o filme é classificado como impróprio para menores de 16 anos e tem muita violência. Como o porteiro do cinema permitiu que o garoto entrasse mesmo que com os pais? Mas o público da geléia geral não se incomoda com nada. Ninguém reclamou. A cada grito do menino, no entanto, minha tensão arterial oscilava e vi o filme muito consumido. A ponto de ter ido outro dia, em sessão noturna mais calma, para revê-lo com a paz e sossego necessários. Uma obra de excepcional qualidade e desde já um dos grandes filmes de 2009.

O comportamento selvagem e os atos de vandalismo são fatos recentes (de uma década para cá). Alguém chegou a me sugerir que sempre foi assim. Ledo e "ivo" engano. Antigamente havia mais respeito ao espetáculo cinematográfico, a platéia se comportava, gostava dos filmes, prestava a eles muita atenção. Via-os em silêncio, ainda que, de vez em quando, uma piada espirituosa fosse bem vinda. Nos cinemas de segunda categoria, situados na Baixa dos Sapateiros (Pax, Aliança...), a platéia gostava de externar as suas emoções e, muitas vezes, a fazer zoada. Mas neste caso havia uma integração entre a platéia e o filme que se estava a ver. O público reagia quando a mocinha, em mãos de bandidos sanguinários, via o mocinho chegar para salvá-la. Ou quando a cavalaria, no último momento, evitava um determinado massacre. Havia umas palavras e expressões que eram sempre gritadas quando um homem beijava, na boca, uma mulher, o que se chamava de colada (havia um censura rigorosa que estabelecia o tempo do beijo cinematográfico). Neste momento, ouvia-se um Chupa, Caetano!!, que até hoje não vim a compreender. Nada a ver com o compositor santo-amarense, pois, naquela época, ainda era um menino de calças curtas em sua cidade natal. Ainda está para ser investigado este insólito: Chupa, Caetano!!

A sociedade de consumo tirou a condição de cinéfilo para torná-lo, via a propaganda massiva, um mero consumidor de filmes. A maioria das pessoas que vai ao cinema hoje é constituída de consumidores e não de cinéfilos. O ir ao cinema atualmente é apenas uma das fases do shoppear. Vai-se aos shoppings e não aos cinemas. Quando as pessoas terminam de passear pelos corredores dos shoppings é que decidem ir aos cinemas, a escolher os filmes pelos cartazes, pela simpatia de um determinado astro ou estrela. E se comportam nas salas escuras como autênticos débeis mentais.

Nos tempos em que havia civilidade, educação, respeito, vendia-se tábuas de chocolate, drops, balas, chicletes, etc, numa bombonière discreta. Todos os cinemas tinham suas "bombonières", assim chamadas porque a sociedade brasileira sofreu a influência francesa - tanto é que nos ginásios se aprendia mais francês do que inglês e a Casa da França era disputada pelos alunos. Nos poeiras, assim chamadas as salas de segunda categoria, cadeiras de madeira, sem ar condicionado, havia um baleiro que circulava, antes das sessões, com uma cesta rigorosamente arrumada com os "queimados". Tudo em fila, uma disposição dos drops, chocolates, chicletes e outros, quase militar. E o baleiro também se apresentava com a sua farda, que tinha até um boné "oficial". Não me lembro de pipocas nesta época (e, falar nisso, estou a ficar velho). Se existiam, elas eram vendidas com muita discrição nas portas dos cinemas e poucas as pessoas que as compravam. Atualmente o cinema é monstruosamente associado às pipocas. Nada contra as pipocas. Até gosto. Mas não dentro das salas exibidoras, pois provocam ruídos não apenas no comer como, também, no amassar dos saquinhos. E nos dias de hoje os chamados "saquinhos" foram substituídos por verdadeiras bacias - que podem ser reaproveitadas para a lavagem de roupa miúda, como calcinhas e cuecas.

O menino que gritava semana passada numa sessão vespertina de A troca é um atestado da bagunça generalizada na qual se encontram as salas exibidoras. Vai-se hoje ao cinema não para apreciar os filmes, como já disse, mas para esculhambar, ainda que o termo seja um tanto forte. Mas é isso mesmo. Foi-se a época em que o cinema era quase como uma função como no teatro. A música que anunciava o início da sessão, o suceder de luzes coloridas, a cortina que se abria solenemente, o gongo anunciador. E as salas eram grandes, entre 1.500 e 2000 lugares, com platéia e balcão. O extinto Capri, que ficava no Largo 2 de julho, tinha uma ladeira expressionista que unia o balcão à platéia. O espectador que quisesse ir ver o filme nesta última tinha que descer a tal ladeira sinuosa, cenário exemplar que fazia lembrar a cenografia de O gabinete do Dr. Caligari, filme alemão da escola expressionista realizado em 1919.

13 comentários:

Stela Borges de Almeida disse...

Gostei muito desta crônica de costumes que enxerga desde a ladeira expressionista do Cine Capri_ quem terá sido o arquiteto projetista?_até o Chupa Caetano_ quem sabe uma invenção dos literatos amantes de cinema?

Bourdieu fala de um gosto puro e um gosto bárbaro na sua obra-prima sobre a crítica social do julgamento, que versa sobre os processos socias de diferenciação, dizendo êle que as condições de participação cultural baseiam-se nas heranças sociais.

Esta crônica de costumes/hábitos avança. Mostra que há componentes geracionais além dos de classe e, também, de consumo voraz( o da pipoca em prioridade).
Que viva o humor e a aguda observação do cotidiano.

ARMANDO MAYNARD disse...

Caro Setaro, tudo isso é consêquencia do emburrecimento dos espectadores, que vem banalizando aquela que é considerada a 7a. Arte, e que hoje é tratada pelos adolescentes e até por muitos marmanjos, como um simples passatempo. Dizem que a mais nova anarquia dos jovens agora é o celular com televisão, chegando ao cúmulo da estupidez de acompanhar futebol em plena sessão de cinema. Atenção senhores pais, não esperem somente pela escola, para educar seus filhos a se comportarem em lugares públicos, achem um tempinho para lhes ensinar a não incomodar e respeitar os outros. A tecnologia vem mudando muito o comportamento das pessoas, mas os valores continuam os mesmos.Um abraço, Armando

Anônimo disse...

André,

para evitar esses constragimentos, também já passei por isso,sugiro às sessões de sábado e domingo pela manhãDo Multiplex e Cinemark. o silêncio é total e as pessoas que frequentam vão realmente para apreciar a sétima arte. Adolescentes quase nenhum. O horário é meio ingrato,mas é a única maneira de poder asssitir a um filme em paz

Um abraço,
Luiz Mario

Carlos disse...

Sou mais um cinéfilo que concorda consigo e eu trabalho num cinema. Tudo o santo dia de trabalho assisto as esses débeis mentais.

Anônimo disse...

Tasca Setaro ! Só discordo da ilustração, na verdade o título correto seria "Virou hospicio"
Quanto ao enigmático "Chupa, Caetano", lembro que na minha infância ( e olha que já completei 56 voltas ao redor do Sol)quando havia a cena do beijo o povão que lotava as 1.500 poltronas do Capitólio ou as 1.200 do Babilônia, gritava: "Um a zero !". Não entendia aquilo mesmo porque o Canal 100 ou o Atualidades Atlântida , cine-jornais que mostravam os lances espetaculares das partidas do campeonato carioca de futebol, já haviam passado há pelo menos 40 minutos.Ainda hoje me pergunto: um a zero para quem ?

spring disse...

Caro André Setaro!
A situação em Portugal é idêntica, eu que passei a minha vida a ir ao cinema tenho verificado atónito com a falta de educação que se generalizou durante o visionamento dos filmes. Embora a situação por aqui ainda seja pior porque, um dado que começa a ser adquirido é a projecção dos filmes: janela errada, desfocados, imagem sem som, cópias riscadas ao fim de uma semana de exibição. Depois temos sempre os telemoveis, os comedores de pipocas, os bebedores de coca-cola (dois grandes negócios das salas). E o curioso é que ninguém protesta. Eu não me calo, porque o direito à indignação ainda existe.
Abraço cinéfilo
Rui Luís Lima

Hélio Flores disse...

Setaro, sou de Vitória da Conquista e aqui as coisas nao sao diferentes. Acabo me irritando menos pq infelizmente quase nao é possivel ir ao cinema - apenas 3 salas exibindo, em sua maioria, filmes dublados. Vejo muito na fila da bilheteria pessoas que parecem ter decidido naquele momento "pegar um cineminha".

Mas além de tudo isso que vc cita, outra coisa me irritou quando estive em Salvador semana passada. Eu e minha esposa fomos ver A Troca (realmente belissimo e inexplicavelmente criticado) no Salvador Shopping, e Benjamin Button no Iguatemi. Nas duas ocasioes ficamos impressionados como as pessoas se levantam para ir embora imediatamente após o final do filme, antes mesmo de começarem os creditos finais.

Parece que a pessoa na cabine de projeçao fica com o dedo no interruptor esperando a ultima imagem do filme para acender as luzes da sala de cinema, e todos levantam feito loucos, como se o alarme de incendio tivesse sido acionado. Nem deve ter sido o caso de nao terem gostado dos filmes: ao menos no filme do Fincher, pessoas na nossa frente elogiaram - o que nao as impediram de sairem da sala antes mesmo da informaçao que Brad Pitt fazia o papel do protagonista...

Enfim, ao inves de aproveitarmos aqueles minutos finais com creditos rolando, com as belas trilhas de ambos os filmes ao fundo, ficamos olhando um tanto indignados pra este gesto que considero um tremendo desrespeito a obra.

Será algo muito proprio do publico baiano? Sei que ir ao cinema é como ir a uma loja de shopping em todo o país, mas vi menos absurdos nos cinemas que fui em Sao Paulo, onde o publico se comportava educadamente.

Abraços!

Anônimo disse...

Caro Setaro. E interessante a critica. Quando de nossa ultima visita a Salvador fomos ao cinema no Iguatemi com as criancas. Ficamos abismados! Haviam tres adolescentes, nem tao adolecentes assim, soltando palavroes em sessao infantil, cheia de menores, esculhanbando totalmente. Nao dava pra meus filhos assitirem a sessao. Pensamos em sair e pedir re-embolso. Decidimos por reclamar. O seguranca veio uma vez, eles pararam 2 minutos, mas voltaram aos palavroes logo. Qualquer cena nova era nova enxurrada de palavroes. Chamamos o seguranca novamente, e ele retirou os individuos. Haviam outros cooperando com a bagunca, mas se calaram apos a expulsao. Parecia gente revoltada mesmo, extravazando na anonimidade do escuro. Mas e' uma questao de educacao mesmo no final, se voce deixa ou nao se brutalizar. A impressao que tivemos, com a situacao muito miseravel da cidade de Salvador, e muito dificel viver e nao se embrutecer. A sala multiplex e pipoca no cinema parecem ter origem aqui no USA, onde a vida me levou a viver. O comportamento porem e' oposto, as pessoas comem o quanto querem, mas nao incomodam o proximo, nada se escuta de mastigar pipoca. A sala fica um pouco suja, mas e' limpa no intervalo. Celulares ficam em off o tempo todo, rarissimo ouvir um tocando. Piada, nem pensar. Qquer transtorno e' prontamente cuidado pela seguranca. Abracos, e espero que a situacao melhore.

Ailton Monteiro disse...

Isso me fez lembrar o dia que eu quase tive um troço de tanta raiva que me deu um grupo de adolescentes moleques que estavam atrapalhando a sessão de A VILA. Tanto que, assim como você, fui ver o filme novamente, na semana seguinte, com muito mais tranquilidade. Também sou adepto hoje das primeiras sessões, que além de mais baratas tem pessoas que fazem do cinema o seu verdadeiro programa e não um shopping center ou um local para levar a namorada por falta de outra coisa para fazer. Nada contra programas pra encontrar namoradas ou "ficantes", longe disso, mas quem gosta de cinema mesmo vai sozinho, acompanhado, o que for. E pra completar: que maravilha de texto o seu, hein! Dei gargalhadas com o "Chupa, Caetano!", que nunca tinha ouvido falar. hehehehhe

Vítor Nery disse...

Ótima crítica professor. Concordo inteiramente com os comentários. Eu mesmo evito ao máximo ir aos cinemas de shoppings optando pelas salas "alternativas". Mas saiba que no último sábado, assistindo ao já muito elogiado neste blog (todos elogios merecidos é claro) "A Troca", na sala do Aliança Francesa no término da seção as pessoas levantaram-se imediatamente após o primeiro nome dos créditos aparecer. Até quem tem intensão de assistir aos créditos se vê incapaz. Fora que durante a sessão algumas senhoras (de certa idade até) faziam comentários tolos como se o que estivesse na tela fosse um capítulo da novela das oito. Isso numa sala do "Sala de Arte" que infelizmente estava repleta de pseudo-intelectuais e os alguns ditos "indies". Esta pseudo-intelectualidade, que é tão débil quanto os ácefalos do Multiplex, assola até os últimos refúgios dos cinéfilos em Salvador.
Este ano acho que irei ao Multiplex ou Cinemark assistir Watchmen (já estou preparando minha paciência.

Abraços

Jonga Olivieri disse...

Cinema ficou algo inserido no dia-a-dia dos shoppings. Isso é um fator deveras importante nisso tudo.
Agora, ir ao cinema por causa de uma estrela qualquer sempre foi característica do grande público. Poucos sabiam o diretor ou algo de sua obra. A não ser os críticos ou ‘experts’ em cinema. Com o advento e propagação de cine-clubes isto ficou mais evidente. Aos poucos formou-se uma platéia de conhecedores da sétima arte que dissertavam sobre realizadores, posicionamentos e propostas de cada um.
Concordo plenamente quanto à interação do espectador com os gritos e suspiros que aconteciam. Coisa que hoje nem sempre acontece. O famoso “aí mocinho!” era uma expressão que tinha tudo a ver com o que acontecia na tela. Prova de que o assistente estava ligado no desdobrar das cenas e da trama.
Voc^e mesmo conta sobre os engraçadinhos que iam mais de uma vez assistir o filme e lá pras tantas chamava o ator que se virava para a tela. Presenciei e ouvi muitos casos assim. Hoje a bagunça é aleatória e não tem muito a ver com o desdobramento de cenas ou da própria história do que está a passar.

Leonardo Bernardes disse...

A bagunça do cinema é a expressão de uma bagunça mais geral. De perdas ainda mais gerais e comprometedoras, que por acaso são fáceis de se identificar num cinema.

Anônimo disse...

CHUPA, CAETANOOO!!!