Depois que revi, agora, O amigo americano(Der amerikanische freund, 1977), de Wim Wenders, vejo que este é o seu melhor filme no qual conseguiu estabelecer uma mise-en-scène mais aprimorada. Há, talvez, pelo fator poético, uma certa tendência a se considerar Paris, Texas (1984), ou Asas do desejo (Der himmel über Berlin, 1987), como seus trabalhos mais festejados, porém, no fator posta-em-cena, e, inclusive, com fortes acentos do melhor thriller americano (Hitchcock inclusive), Der amerikanische freund ganha, ainda que aprecie muito seus trabalhos iniciais como Alice nas cidades, Movimento errado e, principalmente, Com o passar do tempo (Im Lauf der Zeit, 1976), Tokyo-Ga, entre outros. Wenders, no entanto, repetiu-se muito depois de Asas do desejo, e há filmes dele que são completamente descartáveis como Até o fim do mundo ou O hotel de um bilhão de dólares. Mas Der amerikanische freud é filme de primeira, filme de grande cineasta mesmo. Na foto ao lado o gigante Samuel Fuller (Paixões que alucinam, O beijo amargo).
Aliás, Der amerikanische freund tem várias participações de realizadores, como o notável Nicholas Ray (o filme de Wenders sobre a sua agonia, quando estava, este grande diretor do cinema americano, a morrer de câncer no pulmão, é muito bom), Peter Lillienthal (companheiro de Wenders do Novo Cinema Alemão), Jean Eustache, entre outros. Lou Castel, que causou sensação em De punhos cerrados, de Marco Bellochio, aparece numa ponta. Der amerikanische freund tem Bruno Ganz, ator excelente (o Hitler do filme sobre a queda do Terceiro Reich, um Hitler perfeito e abusivamente gesticulado), Dennis Hopper (diretor superestimado e que não vai ficar para a história), e a bela Liza Kreuzer, musa da cinematografia germânica.
Um tranquilo cidadão, antigo restaurador que, sob doença incurável, passa a ter uma loja de molduras, interpretado pelo inexcedível Bruno Ganz, recebe proposta de um americano desconhecido (Dennis Hopper): assassinar um mafioso no metrô de Paris. A recompensa pelo serviço é uma boa soma que ele necessita para custear a doença. Mas seu exame é adulterado para um resultado fatídico de que está prester a morrer. A princípio relutante, aceita o trabalho pensando em deixar o dinheiro para a mulher e o filho. Mas as coisas se complicam a partir do convite para um segundo homicídio, que deve acontecer num trem em movimento. Síntese do expressionismo alemão com o film noir americano, Wenders, repito, faz, aqui, a sua obra mestra. Baseado em livro de Patricia Highsmith com o personagem Ripley (O sol por testemunha/Plein soleil, de René Clement, O talentoso Ripley, de Anthony Minguella).
O final tem uma beleza agônica com Bruno Ganz a dirigir o fusca vermelha ao lado da mulher enquanto seu amigo americano (Dennis Hopper) faz explodir uma ambulância. Mas Ganz, portador de leucemia, agoniza na direção do veículo e sobe, com ele, uma estrada inclinada que vai dar no mar. E morre, ao amanhecer, sob o olhar longíquo do amigo. De repente, em Nova York, a imagem de Nicholas Ray, que sai de cena e anda por uma estrada, quando sobem os créditos com um sentido dinâmico da emoção cinematográfica sob o despertar partiturístico de Jürgen Knieper.
Francis Ford Coppola deve ter convidado Wenders para dirigir, em Hollywood, Hammett, depois de ter visto O amigo americano, que é filme que não se deve perder e tem cópia boa em DVD.
3 comentários:
Bom saber que "O amigo americano" (1977) tem uma boa cópia em DVD, pois não conheço este filme.
De Wenders, aliás, assisti, além do excelente "Paris Texas", apenas o também ótimo "Buena Vista Social Club" produção de 1999
da qual gosto muito, principalmente porque um filme documental é muito difícil de realizar, mostrando sua capacidade e versatilidade.
Professor André,
Acompanhei, tempos passados, a mostra promovida pelo Icba,Win Wenders, genealogia de um autor. A mostra continha dezoito filmes, dos quais consegui assistir: Summer in the city, 1970; O medo do goleiro diante do pênalti, 1971; A letra escarlate, 1972; Movimento errado,1975; No decorrer do tempo, 1976; O amigo americano, 1977; Nick's film, 1980; O estado das coisas, 1982; Paris-Texas, 1984. Esse último revisto muitas vezes, inclusive na Oficina de Cinema,2007.
Na mostra, o ensaio de Peter Buchka, Olhos não se compram, Win Wenders e seus filmes, editado pela Cia das Letras, poude trazer mais análises detalhadas sobre este road movies.
O Win Wenders das imagens e o que apresentou-se no TCA, recentemente, mantém o sentido humanista e de ultrapassagem dos limites das fronteiras. Uma beleza de caminhada.
Caro Abdré Setaro!
"O Amigo Americanos" é do período alemão de wim Wenders um dos nossos favoritos, vimos e revimos no cinema na época e hoje mora aqui em casa em dvd. Por outro lado levou-nos a comprar os livros de Patricia Highsmith (todos os Rypley) que ainda hoje relemos com prazer. Do período americano "Paris/Texas" permanece o nosso favorito, mas os seus filmes realizados na Alemanha (os primeiros) continuam a ser os nossos eleitos.
Abraço cinéfilo
Rui Luis Lima
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