Persona, de Ingmar Bergman, é de 1966, mas aqui nesta província da Bahia somente foi exibido em 1968. O impacto foi imenso, um impacto que não sobrevive nos tempos atuais, ainda que o filme continue a ser uma obra-prima incontestável, que se vê com estupefação. Acontece, porém, que, nos anos 60, época de grande efervescência, havia aquela sensação da descoberta, das novidades que iam aparecendo, como os filmes de Jean-Luc Godard. Depois há uma espécie de estabilização da recepção. Há filmes que modificam o homem caso este esteja aberto à sua contemplação. Outros educam-no, abrindo as janelas de sua percepção.
Bergman, com aqueles planos do projetor, do fotograma a se queimar, da fita que passa pela grifa, a estabelecer o cinema enquanto reflexão do próprio processo de sua criação, deixou gregos e troianos estupefatos, exceção se faça àqueles ignaros de sempre.
Na primeira sessão de Persona houve muitas pessoas que se retiraram do pequeno cinema Popular em Salvador (naquela época todas as sessões ficavam quase lotadas), porque, influenciadas pelo título dado em português, Quando duas mulheres pecam, e pelos cartazes que apresentavam duas mulheres em carícias, pensaram se tratar de uma obra sobre lésbicas a prometer cenas fortes e calientes. Quando viram que Persona não tratava nada disso, os ignaros de toda hora se aborreceram. Conta-se que, na sessão das 20 horas, a mais concorrida, poltronas foram furadas.
Liv Ullmann se dava a conhecer como uma grande atriz no papel de Elizabeth Vogler, a atriz que, interpretando Electra, se recusa a falar e fica muda, e vai com a enfermeira Bibi Andersson para uma ilha deserta a fim de se tratar e acontece, então, entre as duas, um processo de identificação de personalidades. Há um momento em que Andersson conta a outra, pela narrativa oral, como ela foi estuprada. O relato é grande e dá a exata idéia da importância da oralidade em Ingmar Bergman, da palavra em seus filmes. Nesta narrativa, o espectador chega a visualizar os acontecimentos, tal o poder do verbo da atriz e da maneira pela qual ela discorre sobre o fato.
Persona saiu em DVD. É preciso que se veja sempre esta obra-prima. Antes que a recessão, que será intensa, atinja por inteiro o homem ocidental e se venha a ter a vida daqueles pobres personagens dos filmes neo-realistas. É bem provável que nos transformemos em espertos ladrões de bicicletas.
4 comentários:
Dificil escolher um Bergman,todos são obras de forte impacto; votei em o Silêncio,mas gosto muito de Paixão de Anna.
Assisti "Morangos Silvestres" no Alvorada, uma pequena sala com excelente programação que ficava no Posto Seis em Copacabana.
Talvez pelo fato de ter sido o primeiro filme do autor a que assisti, cravei meu voto nesta obra.
Mas, olha sô: filmes como "O sétimo selo", ou "A fonte da donzela", ou "Persona" são páreo duro para constar como o melhor.
Porque Bergman é cinema. E faz parte daquela fornada de realizadores que teve, entre outros um Fellini... ou um Visconti...
Sim, João Carlos, é difícil se escolher o Bergman preferido. Mas também 'cravei' meu foto nos morangos silvestres que o Professor Isaac Bjorn colhia quando rapaz em companhia de sua amada prima, "a escutar sua própria infância". Foi o Bergman que mais me tocou, talvez, assim como você, por ter sido "o meu primeiro Bergman". Mas o revi recentemente e o assombro ainda não passou.
O personagem de Victor Sjöström é singular. Até porque o fez no crepúsculo de sua vida, trazendo uma bagagem de vida notáveis em seu olhar, na sua poesia, em suas recordações de um tempo...
Obra-prima. Este filme é uma das maiores realizações a que assistí em toda a minha vida.
Também a revi há pouco tempo e achei que sua atualidade é impressionante. Uma obra de arte, quando boa, perdura, atravessa os anos sem perder a sua essência, sem envelhecer.
Mas Bergman é assim. Seus outros filmes são ainda tão atuais!!! É incrível a sua sensibilidade, o seu apuro, a sua visão existencial da humanidade como um todo.
Tiremos o chapéu para ele. Imortal, gênio, ou seja lá como possamos defini-lo.
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