Este blog está meio escatológico. Mas, antes de críticos, comentaristas, amantes do cinema ou qualquer coisa, como blogueiro de internet, somos, em primeiro lugar, seres humanos. Dostoievksy ficava várias dias - e isso li dele próprio - sem ir ao banheiro com vergonha de si próprio. É a condição humana. Ao lado uma latrina (também chamada de sentina, vaso sanitário, etc) high tech. O artigo que vai abaixo é de autoria da jornalista Vera Gonçalves de Araújo e saiu há poucos dias no Terra Magazine. A cor da fonte se coaduna com a mensagem do texto.
"À primeira vista, a última exposição inaugurada pelo Museu de Ciências naturais da cidade de Trento não me parece muito atraente. Pelo menos, quando li o título, não deu vontade de pegar um trem e percorrer 600 km para ver "O cocô: história natural do inominável".
Mas, pensando melhor, o assunto pode até ser atraente. Antes de mais nada, é bom lembrar que o tema ganhou dignidade artística na Itália desde 1961, quando o artista Piero Manzoni decidiu enlatar as suas fezes em 90 latinhas numeradas, com o rótulo "Merda de artista". Os críticos se dividiram sobre o significado da obra. Alguns falaram de uma metáfora irônica da origem profunda do trabalho artístico; outros frisaram o sentido mais amplo de produção e criação; houve até quem se comoveu, considerando as latinhas como o símbolo de uma dádiva do artista que se desfaz de uma parte de si para seu público.
Mas, pensando melhor, o assunto pode até ser atraente. Antes de mais nada, é bom lembrar que o tema ganhou dignidade artística na Itália desde 1961, quando o artista Piero Manzoni decidiu enlatar as suas fezes em 90 latinhas numeradas, com o rótulo "Merda de artista". Os críticos se dividiram sobre o significado da obra. Alguns falaram de uma metáfora irônica da origem profunda do trabalho artístico; outros frisaram o sentido mais amplo de produção e criação; houve até quem se comoveu, considerando as latinhas como o símbolo de uma dádiva do artista que se desfaz de uma parte de si para seu público.
Hoje em dia, as latinhas são conservadas em várias coleções de arte em todo o mundo. A que eu vi (a nº 4) estava na Tate Modern Gallery de Londres. Algumas explodiram, pela pressão interna do gás ou por causa da corrosão da lata. Em 2007, num leilão de Sotheby's, em Milão, um colecionista europeu pagou 124.000 euros por uma das latinhas, a n° 18. Um amigo de Manzoni declarou que, na verdade, as latas não contêm fezes, mas simplesmente 30 gramas de gesso. Ninguém, até agora, ousou abrir uma delas para verificar. Como Manzoni morreu em 1963, não podemos tirar a limpo a dúvida.
Voltando à exposição de Trento, os psicanalistas comentam que o cocô é um dos elementos fundamentais da anorexia: muitas das meninas obcecadas pelos regimes para emagrecer chegam a pesar suas fezes para controlar todo o ciclo da alimentação. Os publicitários também dão grande importancia ao assunto, para vender iogurtes, laxantes e produtos contra a prisão de ventre. No imaginário coletivo, o cocô continua representando o que há de mais desprezível e sujo no mundo. Em todas as linguas, existe um equivalente de "merda", para insultar ou para definir pessoas e situações, com variantes regionais e requintes de gíria.
A exposição de Trento fala de um assunto que para a maioria de nós é o máximo da porcaria, mas que ao mesmo tempo é uma parte importante do nosso cotidiano. O cocô não escapa nem da filosofia. Basta lembrar que santo Agostinho nos avisa: "nascemos entre fezes e urina". O cinema já quebrou o tabú do cocô. Luis Buñuel, num dos esquetes do filme "O fantasma da liberdade", mostra uma família conversando amavelmente à mesa, numa cena muito normal, mas no lugar das cadeiras todos estão sentados em privadas. Quem tem fome se fecha num quarto (equivalente ao banheiro) e lá, escondido, come sua refeição. Outra cena inesquecível está no Jurassic Park de Spielberg, com a cientista que mete a mão num monte de bosta de dinossauro para entender se são carnívoros ou herbívoros.
Enfim, apesar de todos os nossos preconceitos, talvez a exposição de Trento valha a pena. Com um frasquinho de seiva de alfazema na bolsa, é claro."
Vera Gonçalves de Araújo jornalista, nasceu no Rio, vive em Roma e trabalha para jornais brasileiros e italianos.
3 comentários:
Meu caro Professor André. Você anda realmente muito escatológico. Parece até o Rodrigão (aquele meu amigo do peido com a namorada).
Mas é muito interessante a matéria da jornalista Vera Gonçalves de Araújo.
Buñuel já havia colocado pessoas cagando em conjunto. Aliás, os Romanos também tinham "cagatórios" coletivos, Putz, devia ser um odor que sai da frente!
Mas cocô em lata é do cacête. Lembra aquelas latinhas com "air de Paris". Embora fique claro que não há comparação alguma com o conteúdo. Muito pelo contrário...
Século retrasado, usava-se muito o penico debaixo das camas. A gente mais nobre, mais rica, que colocava o urinol (lembram-se dessa palavra?) sob os seus leitos, para o alívio noturno já que o banheiro (geralmente um só) ficava no fundo das casas - e alívio de "a" e de "b", bem entendido, tinham-no despejado pela fâmulas. Em "O Leopardo" ("Il gattopardo"), de Luchino Visconti, na seqüência do baile (quase uma hora de deslumbramento), há um momento em que Burt Lancaster entra numa imensa sala na qual estão depositados centenas de urinóis cheios, alguns transbordantes. Imaginem aquela gente toda enfatiotada -as mulheres, principalmente, com aqueles vestidos longos - a ter que se 'aliviar' em penicos. Estes, limpos, ficavam em espécies de prateleiras. E os velhos com seus reumatismos, suas artroses?
Creio que a descoberta da latrina (santa latrina! "eu trino, ela trina") e da descarga foi uma das grandes invenções da humanidade.
Não esqueçamos das cagadas de "Saló", filme final de Pasolini... É a merda usada como forma de tortura.
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