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15 abril 2006

Meus favoritos do cinema brasileiro


01) Terra em Transe, de Glauber Rocha (1967), com Jardel Filho, Glauce Rocha, Paulo Autran. O melhor filme brasileiro de todos os tempos, que retrata, num painel alucinante, o terremoto da política brasileira. Obra de grande impacto em sua mise-en-scène, com seqüências audaciosas, é, também, um canto agônico, onde um poeta - dividido entre a política e a arte, no processo de sua lenta morte, após um tiroteio numa estrada, repassa o seu pretérito. O filme, portanto, tem sua ação localizada na mente desse personagem enquanto dá seus últimos suspiros. Não se pode deixar de ver a influência de Alain Resnais (pouco reconhecida), a de Orson Welles, e a de Jean-Luc Godard. Surpreendente sob todos os aspectos.

_ _Deus e o Diabo na Terra do Sol (1964), de Glauber Rocha, com Geraldo D’El Rey, Othon Bastos, Maurício do Valle, Yoná Magalhães e Sonia dos Humildes. Filme-ópera que rompe com os cânones narrativos do cinema brasileiro para instaurar uma estética dilacerante onde estão em simbiose a tragédia sertaneja, plena de ecos gregos, e a expressão lancinante de brasilidade, onde, num toque original e impactuante, a influência de vários cineastas (Ford, Kurosawa, Buñuel, e principalmente Eisenstein - a matança dos beatos é nitidamente influenciada pela seqüência da Escadaria de Odessa de O encouraçado Potemkin) se espraia num estilo personalíssimo. Este filme traumatizou duramente o cinema brasileiro.

02) São Paulo S/A, de Luís Sérgio Person (1965), com Walmor Chagas, Eva Wilma, Otelo Zelloni. O Cinema Novo se desloca, aqui, do campo para a cidade. Person realiza uma obra delicada e sensível onde a cidade paulistana se integra no conflito audiovisual, inserindo-se na estrutura narrativa do filme como um personagem. Esta incorporação do ambiente ao tecido dramatúrgico é rara na cinematografia. Centro da metrópole, em plena era de industrialização, um homem perdido está à procura de um sentido para a sua existência. Exemplar!

03) O Bandido da Luz Vermelha, de Rogério Sganzerla (1967), com Paulo Villaça, Helena Ignêz, Luiz Linhares. Carro-chefe do chamado Cinema Marginal - ou underground ou, ainda, udigrudi. Um faroeste do Terceiro Mundo, na definição de seu autor, obra de estréia em longa metragem, um filme único na cinematografia nacional. As imagens, desordenadas mas com uma cadência rítmica explosiva, aparecem, na estrutura narrativa, como a ilustração de um programa de rádio de classe Z. Duas vozes narram a trajetória de um perigoso marginal da periferia paulistana. O que se pode ver, neste filme extraordinário, é a apreensão, por um jovem cineasta de 21 anos, do melhor cinema praticado em décadas anteriores. Radiofônico, como Welles, sincopado em sua montagem, como Godard, mas de uma boçalidade exclusivamente brasileira. O autor assume a bregüice nacional com uma total non chalance, proporcionando, com isso, um retrato esculhambado por excelência, mas inteligentíssimo como expressão da arte do filme.

04) A Hora e A Vez de Augusto Matraga, de Roberto Santos (1965), com Leonardo Villar, Jofre Soares. O realizador venceu uma batalha mais forte do que a do seu personagem: adaptar, com poder de convencimento, uma obra de Guimarães Rosa. Problemas de especificidades lingüísticas à parte, o fato é que o filme é deslumbrante na tentativa de descrever o universo rosiano por meio da força de um outro signo expressivo: o da linguagem cinematográfica. Um grande momento para o Cinema Novo e para todo o cinema brasileiro. E Leonardo Villar está como que inexcedível no papel título.

05) Absolutamente Certo, de Anselmo Duarte (1958), com Dercy Gonçalves, Anselmo Duarte, Odete Lara. Em pleno domínio da chanchada, o maior galã do cinema nacional da época dirige o seu primeiro longa. O resultado fica acima da expectativa, pois uma inteligente comédia de costumes que retrata, com graça e humor, a classe média paulistana. Mas, mais importante que isso, é o cinema ágil, engraçado, com excelentes transições, de um ritmo frenético que acaba por funcionar como um trabalho que ultrapassa o espírito de sua época. O realizador, anos depois, conquistaria a cobiçada Palma de Ouro no Festival de Cannes com O Pagador de Promessas. Mas é aqui que se encontra o melhor do cineasta.

06) Vidas Secas, de Nelson Pereira dos Santos (1964), com Átila Iório, Maria Ribeiro. Adaptação do romance homônimo de Graciliano Ramos. Poucas vezes o cinema e a literatura puderam se dar as mãos em harmonia como nesta obra cinematográfica. O livro parece um indicativo das imagens em movimento pela sua linguagem seca, sem floreios. O diretor, precursor do Cinema Novo - Rio, quarenta graus, Rio Zona Norte, soube apreender as indicações da escritura romanesca, transformando-as em pura linguagem fílmica. Desde a fotografia sem filtros, que denuncia a aridez da paisagem e o sol dominador, passando pelas rigorosas interpretações de Átila Iório e Maria Ribeiro, até o clímax da morte cansada da cadela, tudo é luz e maravilhamento.

07) Noite Vazia, de Walter Hugo Khoury (1964), com Mário Benvenutti, Norma Bengell, Odete Lara, Gabrielle Tinti. Um autor original no panorama do cinema brasileiro que, muito criticado pelos cinemanovistas pelas influências de Ingmar Bergman e Michelangelo Antonioni, conseguiu, como poucos neste país, revelar-se um verdadeiro autor na expressão exata do vocábulo. Com um universo ficcional próprio e um estilo particularíssimo, com cada obra singular sendo uma variação de um mesmo tema - o macrofilme, que é toda a sua filmografia, Khoury enfrentou incólume as turbulências da crítica e hoje está estabelecido como um dos maiores cineastas brasileiros. Noite vazia investe na noite de São Paulo com seus personagens amargurados à procura de um significado para as suas existências desiludidas. Mas o que se faz notar no filme é uma emergência poética a cada instante, um domínio formal impressionante na condução da mise-en-scène. A seqüência da chuva na janela, em montagem paralela com as mulheres deitadas e o ovo que se estala no fogão, é uma das mais belas do cinema brasileiro.

08) Todas as Mulheres do Mundo, de Domingos de Oliveira (1966), com Paulo José, Flávio Migliaccio, Leila Diniz, Ivan de Albuquerque, Irma Alvarez. Nenhum filme brasileiro revelou tão bem o espírito de uma época como este delicado poema à mulher amada de um realizador em sua primeira incursão no universo das imagens em movimento. Domingos se encontra em sua quintessência, dotado de um singular humor e uma capacidade intuitiva rara no estabelecimento de uma poética sobre o seu tempo.

09) A margem, de Ozualdo R. Candeias (1967), com Mário Benvenutti, Lucy Rangel, Valéria Vidal, Bentinho. A câmera do realizador, um dos principais nomes do cinema paulista, registra com uma insólita poesia a vida da gente humilde que habita as margens do Rio Tiête. Filme na cinematografia brasileira, que causou, e ainda causa, grande impacto diante de suas imagens plenas daquele tão necessário poder de verdade. Aqui se encontra visceralidade, conhecimento do que se está a retratar, intuição do sentido poético cinematográfico, um saber pensar cinematograficamente numa precária estrutura de produção.

10) Liliam M: Relatório Confidencial (1975), de Carlos Reichenbach, com Célia Olga, Benjamin Cattan, Sérgio Hingst, Maracy Mello, Edward Freund, José Júlio Spiewak, Numa época em que o predomínio era da chamada pornochachada, em meados da década de setenta, surge este filme intrigante na maneira pela qual o seu realizador trata o tema. Obra autoral, na qual a estrutura narrativa tem modulações várias, como se fosse um caleidoscópio burlesco. Crê-se que, neste filme, o seu diretor dá o ponto de partida para seus filmes mais maduros como Filme Demência, Alma Corsária, Anjos do Arrabalde, e o recente Bens confiscados.

HORS CONCURS
Limite, de Mário Peixoto (1930), com Olga Breno, Taciana Rei, Raul Schnoor. Clássico absoluto do cinema brasileiro. Um filme que não se compara mas se separa. Três pessoas viajam sem destino num barco e relembram o passado. Filme-mito, que provocou estesia e polêmica, realizado ainda na estética da arte muda por um jovem realizador que estreava, aqui, na direção cinematográfica e depois desse filme se trancou numa ilha para sempre. Obra essencial, visual, puro cinema, ou o cinema como música do olhar. Fotografia excepcional de Edgard Brazil.

Um comentário:

Anônimo disse...

Setaro,

Gostei muito de sua lista e da maneira como você justifica as suas escolhas. Na verdade, uma relação como a publicada é uma questão bastante subjetiva. Incluiria Os cafajestes, de Ruy Guerra, que vi na época, e que me causou muito impacto. De Khoury, prefiro As amorosas, com Paulo José, Os Mutantes, Anecy Rocha, a inesquecível irmã de Glauber que conhecemos na Farmácia Sant'Anna, lembra-se. Há muito tempo que não lhe vejo. Do Reichenbach, não conheço o filme que você colocou, Liliam M, mas ele tem Alma Corsária, e, mesmo, o simpático Anjos do arrabalde. Gosto muito de dois bressanes: Cara a cara e Matou a família e foi ao cinema,cujo remake de Neville D'Almeida foi um desastre completo (aliás como qualquer filme desse cineasta, que não sabe fazer cinema). Lembro-me que discutimos isso na saída de Os sete gatinhos, que você detestou e disse que Neville tinha, nas suas palavras, "uma imagem positiva feita pelos amigos". Bem, estou lhe chateando demais. Escreva-me: bastirelli_souza@ajato.com.br