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30 abril 2014

Um curso de cinema com Walter da Silveira

Walter da Silveira e Nelson Pereira dos Santos
O tempo, que nunca suspende o seu voo, traz consigo surpresas e, por vezes, impressiona pelo seu ritmo veloz. Lembro-me de um curso de cinema que tomei, ainda jovem, em 1968, e ainda estudante secundarista, ministrado por Walter da Silveira e Guido Araújo, há 41 anos (já?) que teve duração de um ano e foi o único de tal nível nestas quatro décadas que já evaporaram na passagem do tempo. Mas vale recordar, pois faz parte da História do Cinema na Bahia. Vários de seus alunos se tornaram realizadores cinematográficos e críticos. Não fosse o curso talvez não tivessem se apaixonado pelo registro das imagens em movimento.
O sonho de Walter da Silveira era implantar, na Universidade Federal da Bahia, um curso de cinema. Quando do reinado de Edgard Santos, chegou, inclusive, a publicar na imprensa artigos sugerindo a sua criação. Não sei se um curso de graduaçã, mas, talvez, a inclusão de disciplinas na grade programativa de uma Escola de Belas Artes, por exemplo. Em fins de 1967, no reitorado de Roberto Santos, o ensaísta conversou nesse sentido com o diretor do Departamento Cultural da UFBA - assim se chamava nesta época, Professor Valentin Calderon de la Barca, que passou a mensagem ao reitor que, ao contrário de seu pai, o mitológico Edgard, achou a idéia viável e exequível. Resolveu instituir um curso de cinema livre, com a duração de um ano. Não se exigia diploma universitário, mas havia um teste e um módulo de não sei quantos alunos. Estudante do Colégio Estadual da Bahia, o saudoso Central, ainda por fazer 18 anos, consegui passar e o frequentei, oportunidade na qual travei conhecimento com Walter da Silveira durante o ano letivo - já o conhecia do Clube de Cinema da Bahia de vista e de chapéu.

Eis que chega, no cais soteropolitano, um navio que vinha da Tchecoslováquia, trazendo, nele, Guido Araújo e sua esposa tcheca, Ludmila. Guido tinha passado neste país mais de 10 anos e conheceu Ludmila porque ela, estudante de Letras, se especializara na língua portuguesa. O criador das jornadas baianas (que já se encontra na trigéssima-sexta edição e acontecendo nesta semana em Salvador) tinha ido à Tchecoslováquia como uma espécie de prêmio por seu trabalho como assistente de Nelson Pereira dos Santos em Rio 40 graus e Rio zona norte - na verdade, segundo os créditos dos filmes, fora continuísta. Nelson pediu a Guido que levasse Rio zona norte para um festival internacional. E Guido foi ficando até se estabelecer em Praga, onde trabalhou em programas de rádio, entre outros afazeres na área cultural. Vale ressaltar, que Barravento, de Glauber Rocha, que ganhou o principal prêmio do Festival de Karlovy Vary, foi Guido quem o inscreveu.

Na chegada de Guido, estavam no cais a esperá-lo, além de Walter da Silveira, com o qual tinha relações de amizade, Ney Negrão e sua esposa, na época, a advogada Ronilda Noblat, Walter Pinto Lima, entre outros. Quem sabe bem dessa história é Waltinho. Desempregado, Guido precisava arranjar um trabalho e Walter da Silveira o colocou no Departamento Cultural da UFBA. A partir da entrada de Guido neste setor da universidade é que tem início a estruturação do Curso Livre de Cinema, através da criação do Grupo Experimental de Cinema (GEC)

Com duração de um ano, o curso foi dado à noite, às 20 horas, sempre às terças e quintas, na Casa da França que, depois que saiu do guarda-chuva da UFBa, veio a morrer lentamente na Mouraria, e o espaço deu lugar a Biblioteca Central, que no reitorado de Luiz Fernando Macedo Costa, construído um prédio grande no campus de Ondina, para lá se transferiu. E a Faculdade de Comunicação (Facom) passou a ocupar o antigo prédio da Casa da França.

Walter da Silveira ensinava às terças, História e Estética do Cinema, e Guido Araújo, às quintas, Teoria e Prática. Fui colega de muitas pessoas que se tornaram, depois, cineastas, como André Luiz de Oliveira, que fez Meteorango Kid entre outros, José Umberto (O anjo negro), José Frazão (Akpalô, O último herói do gibi, O mistério do Colégio Brasil... - por falar nele, onde anda Frazão?), e pessoas que estudaram, depois, cinema, a exemplo de Geraldo Machado, Jairo Farias Goes, etc. Vou parar por aqui para não omitir nomes. E Ney Negrão, que também tomou o curso.

Uma noite inesquecível foi quando Walter da Silveira levou Glauber Rocha para fazer uma palestra. O cineasta estava filmando em Milagres O dragão da maldade contra o santo guerreiro, que ganharia, no ano seguinte, um prêmio importante em Cannes. Glauber fez uma radiografia brilhante da situação do cinema brasileiro, lamentou que o governo do Estado lhe negou até uma kombi, não recebendo da administração Luiz Viana Filho um centavo sequer, respondeu perguntas. Estávamos em maio e Glauber estava com um casaco preto de couro.

Em 1969, por motivos de saúde, Walter não pôde mais dar aulas. Um câncer lhe corroía o corpo efêmero. Morreu aos 55 anos em novembro de 1970. Mas o Curso Livre de Cinema continuou por muitos anos comandando, apenas, por Guido Araújo.


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