A existência em DVD de Adeus, amor (Bye bye Birdie, 1963), comédia romântica musicada de George
Sidney, provocou a nostalgia deste comentarista e uma viagem ao passado,
quando o cinema americano, ainda que com certa ingenuidade, tinha, além de
engenho e arte, graça e envolvimento, fazendo do espectador um verdadeiro
cúmplice do espetáculo. Este comentarista adquiriu o DVD de Bye bye Birdie e passou duas belas horas a contemplá-lo. Muitos poderiam achar neste filme um
teor narrativo já gasto, preocupados que se encontram com a desconstrução de
tudo. É bem de ver que um filme narrativo clássico, se bem feito, se realizado
com talento, pode ser até melhor do que muitos outros que procura mostrar que aqueles os fazem são cineastas, são autores. O filme para ser bom
precisa, antes de mais nada, de talento. E George Sidney o tem para dar e
vender.
Visto em meados dos anos 60, no antigo cinema
Liceu da rua Saldanha da Gama, Adeus amor (Bye bye Birdie, 1963), com
exceção de uma rápida aparição na televisão (no Cineclube da Globo, quando
passava filmes no original e com legendas em português), desapareceu de
circulação até a sua chegada em DVD distribuído pela Columbia. É um musical
anacrônico, quando o gênero já dava sinais de exaustão (o último musical
clássico, na acepção da palavra, foi Gigi, em 1958, de Vincente Minnelli),
mas muito inventivo e divertido. Após este, o gênero, que dominou Hollywood por
décadas, ainda apareceu em grandes produções, a exemplo de Amor sublime amor (West Side Story, 61), A noviça rebelde (The sound of music, 1965),
ambos de Robert Wise, Positivamente Millie, de George Roy Hill, entre poucos
outros, até entrar em profunda decadência com o fiasco de Holly Dolly!, de
Gene Kelly, em 1970.
O diretor George
Sidney é um especialista do gênero e tem pleno domínio dos recursos do
espetáculo musical, considerando ter feito alguns Ziegfeld Follies, Os três
mosqueteiros, com Gene Kelly, filme de aventura todo cantado e dançado, O
barco das ilusões (Show boat), Dá-me um beijo (Kiss me Kate), Meus dois
carinhos ('Pal Joey), Amor a toda velocidade ('Viva Las Vegas, 1964), o
melhor filme de Elvis Presley, e A moedinha do amor (Hal a sixpence, em
1967, que assinala o encerramento de um carreira que começou em 1937). Além do
capa/espada coreográfico, um dos melhores filmes de aventura de todos os
tempos: Scaramouche, com Stewart Granger.
Visão satírica do
advento dos ídolos do rock e a consequente histeria provocada em seus fãs, Bye
bye Birdie tem um personagem cantor que remete a Elvis Presley (o filme é de
1963, e este estava ainda no auge da carreira). Visão também irônica do american way of life, mas o que encanta sobremaneira no filme é a excelência
de alguns números musicais, a suavidade com que Sydney trata o tema, a
engenhosidade do argumento e, principalmente, a graça e a beleza de
Ann-Margret, que depois ficaria cativa do diretor em filmes como Amor a toda
velocidade, entre outros. Sydney também investe na contemplação da 'cultura
pop' então emergente e que causou uma devastação no cenário musical
tradicional.
Conrad Birdie (Jessie
Pearson) é um cantor de rock, um super star, que, convocado para o exército,
causa revolta em seus fãs, que realizam intensas passeatas em Washington (É bom
lembrar que o mesmo, nos anos 50, aconteceu com Elvis Presley, que serviu o
exército para desgosto de seus admiradores e, quando voltou, trabalhou em Saudades de um pracinha). Albert F. Peterson (Dick Van Dyke) é um empresário
musical que está quase em
falência. Mas , com a notícia da convocação de Birdie, sua
noiva, Rose De Leon (Janet Leigh), combinando com Ed Sullivan, famoso 'show
man' americano que aparece como ele mesmo (himself), tem a ideia de escolher
uma adolescente do interior para ser beijada por Birdie na sua despedida antes
de partir. Birdie cantaria, então, uma música de Pearson, que venderia, em
conta pequena, mais de um milhão de discos, salvando-o assim da falência.
Sullivan aceita o
acordo e Birdie é levado à cidadezinha onde mora Kim McAffe, e a sua chegada
chama a atenção de todo o lugar, com discursos, inclusive o do prefeito. Birdie
desencadeia uma verdadeira polvorosa. Kim e suas colegas exultam, menos o noivo
dela, Hugo (Bobby Rydell), que, ciumento do astro, acaba consentindo, ainda que
contrariado. O número de Birdie aconteceria no show televisivo de Sullivan coast to coast, sucedendo a um balé russo. Mas os empresários deste revelam
que a apresentação vai consumir todo o tempo do programa, ficando Birdie para o
fim e sem poder cantar a música de Peterson (objetivo de todas as tratativas de
Rose para tirar o noivo da falência, possibilitando uma vendagem da gravação de
sua música pelo astro pop). Mas tudo se resolve segundo o figuro, graças aos
esforços de Rose, vivida por uma Janet Leigh a todo vapor. A sequência em que
dança para o comitê soviético, na tentativa de enganá-lo, foi cortada da versão
que passou nos cinemas, mas aqui, no DVD, está integral. A partitura musical é
do consagrado Charles Strouse (Annie), e quem escreveu as canções, Lee Adams.
A melhor seqüência de Bye bye Birdie é a do café/boite, quando Anne-Margret mostra todo o seu
imenso sex-appeal além de seus atributos como dançarina e cantora. Há,
também, aqui, uma erupção de seu lado sensual, escondido no resto do filme, mas
que se revela à toda velocidade neste momento. Um desafio lançado por ela em
direção a Hugo, seu namorado, que também faz emergir de seu ar juvenil um sentimento
de maturidade. O momento em
que Dick Van Dyke encontra Janet Leigh no jardim, aborrecida,
e tenta fazê-la alegre, é desenvolvido com a naturalidade estilizada de Sydney
e, também, pela performance de Van Dyke. A rigor, quase todas as sequências musicais
são boas, bem dirigidas, com um sentido exato de inspiração, contenção e, se
for o caso, explosão.
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