Carlos Modesto, fotógrafo, cineasta, homem de mil instrumentos, nostálgico de boa cepa de um tempo cinematográfico que o vento já levou, enviou-me o texto abaixo. Resolvi publicá-lo aqui em meu blog.
Por Carlos Modesto
Fui convidado pelo meu amigo Roque
Araújo, para ver a sua exposição de equipamento fotográfico/cinematográfico,
realizada no DIMAS, no prédio da Biblioteca dos Barris. Ao passear pelos
diversos aparelhos ali colocados, minha visão de repente aproximou-se de uma
rudimentar peça de projeção, cujos olhos imediatamente encheram-se de lágrimas
e me fez recordar imediatamente do meu tempo de criança, no início da década de
1950, do século passado, quando o cinema possuía ainda uma tamanha força de
encantar, onde a civilização de então entrava num salão umbroso, sentava em
frente de uma tela prateada vendo as imagens fluir, e, assim, durante o tempo
de duas ou mais horas esquecia seus dramas e suas dores. O cinema era a catarse
das multidões.
A criança, que entrava pela primeira vez numa casa exibidora
de filmes, ficava perdidamente apaixonada pelo ritual de uma projeção
cinematográfica. A cabine do operador da projeção mexia com seus sentidos,
principalmente, quando tinha a possibilidade de entrar em alguma e presenciar o
manuseio de como o mesmo colocava o filme no projetor. E, o que mais intrigava
o menino (por não possuir ainda certo conhecimento de física), era o de ver a
imagem invertida no aparelho e a mesma ser mostrada com perfeição na tela.
O cinema produzia na criança um
efeito de sedução sem precedentes, levando-a sonhar acordado com os filmes de
ação e seus mocinhos de “faz de conta” dos seriados, Tarzan e faroeste.
Sendo assim, apareceu naquele
pretérito um projetor simples e caseiro denominado “Barlam”. Na verdade, o protótipo era um brinquedo de plástico duro
(baquelite) de uma ou duas cores, possuindo uma manivela que arrastava o filme
e se a memória não me engana feito de papel encerado tipo o amanteigado onde se
desenhavam as figuras.
Foi então um Barlan que meu pai deu-me de presente no dia do meu aniversário de
oito anos de idade. Morava na cidade de Estância/SE. Quando o pacote chegou as minhas mãos e foi
aberto, vi aquela peça encantadora, à alegria foi tão intensa a ponto de querer
abraçar o meu querido pai como agradecimento, mas como era bastante tímido,
ficou apenas na intenção.
A emoção sentida ao possuir aquele
simplório brinquedo só pode ser entendida por àqueles que da mesma forma
tiveram um exemplar de qualquer espécie de projetor e que de fato tinham amor
pelo cinema.
Os
filmes acompanhantes na compra do referido aparelho eram três e se o adquirente
quisesse outros, era obrigado a recorrer a capital do Estado, ou mandar buscar
pelo correio em São Paulo e Rio de Janeiro. Recordo-me de Branca de Neve e os Sete Anões entre os primeiros conseguidos.
Devido à dificuldade encontrada em achar outros títulos, recorri então ao
estratagema de cortar as figuras das revistas em quadrinhos coloridas e assim
adaptar como se fossem filmes.
Naturalmente, existiam modelos mais
avançados de projetores nas bitolas “8” e “16” milímetros, movimentados a
manivela e a motor, mas eram bem mais caros. E só os filhos de pais ricos
podiam tê-los. O meu pai se encaixava como de situação plausível de me comprar
um desses exemplares, porém fiquei de certa forma muito satisfeito com o meu Barlan, principalmente pela analogia que
fiz entre este e os anteriores projetores artesanais feitos pelas minhas
próprias mãos, com caixas de sapatos, lâmpadas transparentes cheias de água que
servia como lente e uma lanterna que iluminava os fotogramas para a projeção.
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