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05 setembro 2012

Alberto Silva: crítico e humanista


Nos anos 50 e 60, o nome de Alberto Silva era um referencial na crítica de cinema baiana, ainda que sem uma periodicidade muito regular como alguns de seus colegas dessa mesma época (Glauber Rocha e Jeronimo Almeida - pseudônimo de José Gorender no Jornal da Bahia, Hamilton Correia no Diário de Notícias, José Augusto Berbert de Castro em A Tarde, entre outros. Com a homenagem que prestei aqui, neste blog, ao velho guerreiro Athayde, vim a saber da morte de Alberto Silva ocorrida há alguns anos. O desconhecimento, tudo indica, provocado pela ausência absoluta de informações na imprensa baiana, que omite. sempre e sempre, os falecimentos de baianos célebres - por ignorância, falta de memória. Acredito ser ainda tempo de as Quartas Baianas vir a prestar uma homenagem a Alberto Silva e, também, a Carlos Alberto Vaz de Athayde. Nascido em 1940 (dez anos mais velho do que eu), Alberto Silva, se morreu há dois anos, desapareceu com 70 anos, mas já abatido e doente. Lembrando o bravo guerreiro da crítica baiana, publico aqui algumas informações sobre Silva. Vale lembrar que Alberto Silva foi um grande amigo de Athayde.


Jornalista profissional, Alberto Silva nasceu na Bahia a 23 de março de 1940. Em Salvador, foi presidente da Associação dos Críticos Cinematográficos, diretor do jornal Cinema Novo e da Revista da Bahia. Radicados no rio de Janeiro durante anos de sua vida, atuou como crítico cinematográfico de Correio da Manhã, Última Hora, Tribuna da Imprensa, Jornal do Commercio e como crítico literário de O Globo. Foi verbetista da Enciclopédia Mirador Internacional e colaborador das revistas Filme Cultura, Cadernos Brasileiros e Cultura. Foi editor do jornal Letras & Artes.

Dirigiu os filmes Major Cosme e Hospedarias. Escreveu, em 30 anos de militância cinematográfica, diversos argumentos, roteiros e cerca de dois mil artigos e ensaios em colunas especializadas, suplementos literários e revistas culturais de todo o país. Cinema e humanismo recebeu o prêmio de “Melhor Ensaio” (1975) da União Brasileira de Escritores. E A primavera mora na rua.

A PRIMAVERA MORA NA RUA (Editora Achiamé, 84 págs., Rio de Janeiro, 1991.)
 “Demonstra a presença de um escritor com real possibilidade de vir a destacar-se, pois revela criatividade, humour e calor humano, requisitos fundamentais a quem quer que deseje seguir, conseqüentemente, a carreira de letras.”
 Ênio da Silveira – Editora Civilização Brasileira

CINEMA E HUMANISMO (prefácio Alex Viany, 128 págs.,  Editora Palias, Rio de Janeiro, 1975).
“É um dos raros estudos sérios sobre o cinema já escritos no Brasil, e tem inegável mérito”
  Otto Maria Carpeaux

“É um alívio ler um crítico, um ensaísta cinematográfico, que permanece firme nessa de ver com os olhos e sentir com os sentidos – e, mais, olhos e sentidos tão brasileiros (e descolonizados) quanto é possível alguém ter nestes 70 tão multinacionais.”
 Alex Viany

“Enriquece a nossa pobre bibliografia de cinema. (...) Não é um livro morno ou inocente: a instigação polêmica está em todas as suas páginas. (...) Cinema e humanismo é um apanhado sintético do cinema, de hoje e de ontem: visão crítica e histórica, uma soma positiva para a bibliografia brasileira.”
 Assis Brasil

“Bem escrito, caloroso, com uma visão sintética do cinema brasileiro enquanto fenômeno cultural no sentido mais amplo da palavra, isto é, sem perder de vista o entrosamento da cultura com a economia e a sociedade como um todo. (...) Eminentemente opinativo, possui base informativa suficientemente sólida para que as opiniões ganhem valor objetivo, vibração inteligível e um grande poder de movimentação de ideias. (...) Outra qualidade importante a assinalar no livro é o tom quase didático mas nunca esquemático, que o torna muito útil para estudantes de cinema ou jovens em geral interessados no conhecimento do fenômeno cinematográfico.”
 Miguel Borges

Nunca mais
20 anos na Bahia
Ronaldo Werneck


Terrível é saber que nunca mais terei vinte anos nem o corpo intacto como na Bahia de 64. Vinte anos, eu pleno e pronto para todos os prazeres, tabálcoois & tabarizes. Leia-se cigarro, cerveja & Tabariz: a diabólica boate daquela ladeira por trás do Cine Guarany, aquela ali que o Jorge Amado vai retomar mais tarde — o “Novo Tabariz” de seus futuros romances. Tabariz era sinônimo de “vadiar”, como fazia o Vadinho da Dona Flor. Vão-se as virtudes vem a vida, varal de vícios. A Bahia, pelo menos a “minha” Bahia, cheirava a acarajé & sexo, exatamente como Maria Bethânia diria certa vez da lambreta, aquele marisco que a gente entornava com a cerveja da madrugada na Ladeira do Pelourinho: “dá um tesão dos diabos!”. Difícil conciliar futebol e farra. E, antes de qualquer coisa, em 64, como ainda hoje, a Bahia já era uma farra só, imensa e permanente.

“Temos que dormir pelo menos umas quatro horas por noite, Ronaldo. É preciso conservar o corpo pras mulheres”. Sábias essas palavras de Antônio, da jovem turma do cinema baiano dos anos 60, o pessoal com quem eu andava na época. O Antônio que nós chamávamos de “Antônio das Mortes”, brincando com o filme do Glauber. O nosso Antônio das Mortes disse sua histórica frase no exato momento em que o crítico Alberto Silva adentrava a Cantina da Lua, a cara idem, em plena madrugada do Terreiro de Jesus. Há três noites/dias sem dormir, Alberto parecia um zumbi, com uns bons cinco quilos a menos que seu normal, que já não era muito, ele que até hoje conserva sua magreza baiana e bastante.

Nosso crítico predileto encostou-se solene ao balcão do botequim, pediu a clássica batida de limão, e disse que vinha de um aniversário de criança, onde subira numa cadeira e fizera um veemente discurso contra os milicos que tomaram o poder depois da quartelada de abril.  Um espanto, o Alberto. Sóbrio, sempre foi cordato e simpaticíssimo. Bêbado, um revolucionário romântico e, por isso mesmo, eterno.  Lembro de outra madrugada baiana, logo no início daquele abril de 64, dia 2, talvez dia 3, nós dois voltando pra casa: eu e Alberto trôpegos ali pela Rua Chile, vizinhanças do Elevador Lacerda. No Centro da Bahia, o sol já ensolarando todas as cores dia adentro – vermelho-amarelo-azul-verde-azul – lá pelas bandas do mar, por trás do Forte de São Marcelo.

Vício de jornalistas, mesmo bêbados compramos nosso jornal. Continuamos a andar, quer dizer, a tropegar, quando Alberto começa a gritar as manchetes do jornal que lia: “Milicos não duram muito!”. “Jango resiste no Sul!”. “Brizolla pronto para derrubar a quartelada!”. Os baianos que iam pro trabalho àquela hora, quer dizer, uns dois ou três, os baianos, aqueles entes manemolentes, voltavam-se estarrecidos, não acreditando, mas querendo acreditar, nas manchetes inventadas pelo Alberto. Tomamos nosso ônibus rindo muito, a alma lavada. Que maravilha! Melhor, que coisa mais porreta, como dizem os bons baianos. Realmente, Antônio das Mortes tinha razão: a gente precisa dormir pelo menos umas boas quatro horas (aliás, nem carece de quatro horas: dormir com as “boas” já basta) antes de se aventurar em qualquer aniversário de criança.

Pois é, como podem perceber, era preciso dormir bem mais do que isso pra se ficar sob as traves, à espera dos intermináveis tirambaços dos baianos de todas as estirpes e que tentavam me estirpar a qualquer custo da posição de guarda-valas, onde aliás, estava eu perenemente metido – nas invioláveis valas da noite em vão. Era muita noite pra pouco dia: não havia tempo pro futebol na Bahia. Mesmo assim, o time da AABB, comigo sob as traves, ganhou a grande maioria das partidas do início do campeonato e estávamos inclusive seriamente cotados para ir a São Paulo representar a Bahia na disputa do Torneio de Futebol de Salão Bancário. Mas pode um jovem goleiro resistir aos acenos da noite? Depois eu conto.
Jornal Olé nº 17/16 a 31de abril de 1998
Do livro Há Controvérsias 1
Editora Arte Paubrasil, São Paulo, 2009




3 comentários:

ANTONIO NAHUD disse...

Olá, parceiro, depois de umas pequenas férias, O FALCÃO MALTÊS está de volta, disposto a continuar celebrando sua paixão pelo cinema clássico.
Ótima dica, não conhecia o Alberto Silva.

Cumprimentos cinéfilos!
O Falcão Maltês

Jonga Olivieri disse...

Que maravilha André.
E, confesso, que ignorãncia a minha de nunca ter sabido da existência deste polivalente cinematográfico...
Mas é isso aí, a nossa "velha Bahia" não sabe valorizar os seus reais talentos.
Parabens pela postagem e por ter-me feito conhecer esta figura fora do comum que foi Alberto Silva!
Vou procurar por aí os livros dele...

Nelson L. Rodrigues disse...

Eu li a obra deste autor, realmente é muito bom saber que tivemos um crítico assim. Parabéns pelo blog professor.