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04 setembro 2012

Ronaldo Werneck e o quixotesco Athayde



Ronaldo Werneck, poeta, escritor, jornalista, conviveu muito em Salvador, nos anos 60, com Carlos Alberto Vaz de Athayde. Lendo neste blog a seu respeito, enviou-me uma mensagem, que é um depoimento muito interessante sobre o saudoso Athayde. Os dados referentes a Werneck foram retirados de seu site http://www.ronaldowerneck.com.br

Ronaldo Werneck nasceu em Cataguases-MG e morou por mais de 30 anos no Rio de Janeiro.
Jornalista, colaborou com vários jornais e revistas cariocas (Jornal do Brasil, Pasquim, Diário de Notícias, Última Hora, Revista Vozes, Revista Poesia Sempre - Biblioteca Nacional). Desde 2001 é Assessor de Comunicação e Editor de Textos da Fundação Cultural Ormeo Junqueira Botelho, em Cataguases, e Diretor de Comunicação do Cineport, Festival de Cinema de Países de Língua Portuguesa.
Poeta, tem nove livros publicados: Selva Selvaggia (1976), pomba poema (1977), minas em mim e o mar esse trem azul (1999), Ronaldo Werneck Revisita Selvaggia (2005), Noite Americana/Doris Day by Night (2006), Minerar O Branco (2008), o ensaio Kiryri Rendáua Toribóca Opé – humberto MAURO revisto POR ronaldo WERNECK (2009) e os livros de crônicas Há Controvérsias 1 (2009) e Há Controvérsias 2 (2011). Em 2001, gravou em show ao vivo o cd Dentro & Fora da Melodia/Que papo é esse, poeta?
Editor de Suplementos Literários, ensaista, tradutor e crítico de literatura, cinema e artes plásticas, tem textos e artigos publicados em vários veículos da mídia. Desde os anos 1990, assina a coluna "Há Controvérsias", publicada em vários blogs e no Jornal O Liberal, de Cabo Verde. Produtor Cultural, foi um dos realizadores dos dois Festivais Audiovisuais de Cataguases – Música e Poesia (1969/1970) e Coordenador da Exposição Os Mineiros do Pasquim, em 2008.
Em 2011, lança novo livro de crônicas, Há Controvérsias 2.

Sua mensagem sobre Athayde, que me enviou:
"Caro André,
li no seu blog sobre o Carlos Athayde. Tentei postar um comentário, mas não consegui de forma alguma. Minha ignorância virtual não é nada virtual. Antes, pelo contrário, é mais do que palpável.
Como diz minha filha, "o papai trabalha com email". É o máximo que consigo, embora tenha um blog e um site (claro que os posts são realizados por um amigo "internético").
Mas voltemos ao Athayde, agora sim: via email.
Fui muito amigo dele durante o ano de 1964, quando morei em Salvador. A gente se encontrava quase todas as noites pelos bares da Bahia: eu, Alberto Silva, Roberto Gaguinho e o Bel, todos nós bebendo todas e o Athayde fumando, fumando e bebendo café, café, café. Sempre de gravata e com seu terno escuro, à la Mastroianni/Guido Anselmi do 8 1/2 do Fellini (vimos o filme várias e várias vezes durante a semana em que foi lançado na Bahia). Nosso papo, é claro, girava só e tão-somente sobre cinema, cinema, cinema. Fora o Alberto (com quem retomei contato depois que ele foi pro Rio,  onde morei durante mais de 30 anos e ficamos muito amigos, inclusive trabalhando juntos em jornais, época "carioca" em que também voltei a me encontrar com o Tuna), o meu caríssimo Alberto Silva que desapareceu da minha vida desde que voltei pra Minas, há dez anos, e até hoje não sei onde anda, se está vivo ou não, fora o Alberto, então, só vi meus amigos em passagens esparsas pela Bahia pós-64. Quando, nos anos 1970,  lancei meu livro de poemas Selva Selvaggia em Salvador, na Cantina da Lua, do Clarindo Silva (que está lá firme e forte até hoje, estive com ele há dois anos) o Bel ajudou e muito na divulgação, inclusive agendando uma entrevista na TV Itapoã, onde trabalhava na época. Gaguinho revi algumas outras vezes de passagem por Salvador (lembro-me de um almoço antológico que começou exatamente no Terreiro de Jesus, na Cantina do Clarindo e acabou num botequim lá nos baixos do Pelourinho, com uma moqueca diabólica).  
Mas o Athayde, não. E logo o meu caro Athayde, amigo de longos papos sobre literatura e cinema. Chegamos até a pensar um roteiro de um filme que faríamos juntos, dois personagens antagônicos perdidos numa ilha, roteiro que existiu somente em nossas cabeças e sequer chegou ao papel. Depois andei acompanhando algumas de sua filmagens, inclusive um documentário sobre bombeiros (Vida por Vida?), com cenas realizadas na Feira Água de Meninos, quando daquele incêndio criminoso de 1964 (Gil chegou até a fazer uma canção sobre isso). Lembro-me de nós dois, eu e Athayde, caminhando  entre as tendas da feira, ouvindo sucessivas explosões nas bodegas, todas elas lotadas de garrafas de cachaça.  Em 1965, voltei pro Rio. Trocamos algumas cartas, mas de repente o Athayde sumiu, a vida levou a gente pra outras bandas. Vejo agora no seu blog alguém falando da vontade dele de vir a Cataguases falar com o Humberto Mauro sobre a droga (mescalina) que o velho Mauro dizia que era preciso injetar nas câmeras do nosso cinema. Na verdade, o Humberto Mauro falou isso pra mim numa entrevista que fiz com ele em Volta Grande, nos anos 1970 (devo ter mandado essa entrevista pro Athayde, ou pro Gaguinho, que repassou pra ele). Fui amigo do velho Mauro (inclusive publiquei um alentado livro sobre ele em 2009, "Kiryri Rnedáua Toribóca Opé"). A frase do Mauro, remetendo ao Aldous Huxley do romance "A Ilha", era "é preciso dar uma injeção de mescalina nas câmeras" (Mauro me falava da apatia de nossos cineastas e me perguntou "como é mesmo o nome daquela droga usada pelo Aldous Huxley"?). Não sabia dessa vontade do Athayde de vir a Cataguases falar com o Mauro. Aliás, se viesse, não iria encontrá-lo. Mauro, na verdade, filmou por aqui nos anos 1920. Depois foi pro Rio e por lá ficou até os anos 1960, quando retornou a Volta Grande (onde nasceu) e ficou até sua morte, em 1983.
Pois é, André, como se vê, eu "trabalho mesmo é por email".  Perdão por ter me estendido tanto. É que a a notícia sobre o Athayde em seu blog (e sua morte, que eu não sabia, mas imaginava) me fez voltar a um tempo de juventude e muitos sonhos naquela Bahia dos anos 60. Muitos e muitos sonhos, como os de Carlos Athayde, sonhador compulsivo. Saudade do meu amigo.
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Grande abraço,
Ronaldo Werneck"

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