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15 agosto 2012

Ave, Lima!!


Raul Moreira, jornalista, cineasta, acionista falido do J. P. Morgan, enviou, para seus amigos, uma mensagem comentando o filme de José Walter Pinto Lima que se encontra em cartaz em circuito nacional: Antonio Conselheiro, o taumaturgo dos sertões. Apesar de não ter solicitada a devida permissão, tomo a liberdade de publicá-lo. Tem a verve do autor. Há um texto também de minha pena que publiquei no Terra Magazine (http://terramagazine.terra.com.br/blogdoandresetaro/blog/2012/08/14/299/) Ainda que não seja um conselheirista, Moreira conheceu bem toda a trajetória do filme nos intervalos de seu hobby mais intenso: fazer a macarronada de toda sexta do já tradicional regabofe da Praia dos Livros.

Por dever vos faço saber que encontra-se em cartaz nos cinemas da Cidade da Bahia Antônio Conselheiro – O taumaturgo dos sertões, peripécia de José Walter Pinto Lima, também artista plástico e organizador do Cine Futuro.

Independentemente de suas qualidades e misérias estéticas, já é mérito o fato do filme ganhar as salas de cinema de Salvador e de muitas capitais brasileiras, levando-se em conta não apenas a linguagem contracorrente da obra em questão, mas, também, as velhas dificuldades de distribuição.

Conheço Lima há muito e, de cátedra, vos digo que trata-se de sujeito tenaz. Chego a pensar, até, que teria vendido a sua alma ao diabo, uma vez que, creiam-me, consegue tirar leite de pedra e dar nó em pingo d'água: pois, produzir, finalizar e evitar que a sua película não fosse parar na gaveta do esquecimento foram elas.

Cá, vos faço saber que Lima, cria de Walter da Silveira e glauberiano convicto, nos anos de 1987 saiu sertão afora com o seu exército de “Brancaleone” a filmar cenas do Conselheiro, tendo na sua entourage os saudosos Vito Diniz (iluminador), Carlos Petrovich (ator que deu vida ao Conselheiro) e tantos outros que se foram.

Não sei qual era a estrutura do roteiro e muito menos se era organizado a ponto de recolher as imagens e as interpretações justas (vejam vocês!). No entanto, mesmo com toda precaridade, pois, na época, fazer cinema na Bahia ultrapassava o heroísmo, a espinha dorsal do filme foi produzida, garantindo-lhe, assim, a sua continuidade.

O diabo é que, quando estava pronto para realizar as gravações finais, no início dos anos 90, graças ao dinheiro conseguido através da extinta Embrafilme, eis que o desastrado Plano Collor salpicou água no brinquedo de Lima. Resultado: quase em depressão, o cineasta jogou a toalha e, durante anos, os negativos e o som ficaram engavetados, com o detalhe: parte do material perdeu-se em um incêndio no Rio de Janeiro.

Passaram-se os anos e Lima buscou forças para reagir, realizando uma série de projetos, entre eles o Cine Futuro ( também conhecido Seminário Internacional de Cinema e Audiovisual) e um documentário de título Um vento sagrado, o qual abordava a vida do zelador de santo Agenor Miranda da Rocha. O problema é que Lima, como a maioria dos documentaristas brasileiros, incorreu em um erro clássico: ao não se distanciar do seu objeto de apreciação, acabou por maculá-lo e, consequentemente, por falta de força, sua peripécia não vingou.

Então, quase surtado, Lima achou forças para terminar o seu Conselheiro. Antes, havia captado cenas de uma missa campal nos anos de 1997, justamente quando se comemorava o centenário do morticínio de Canudos, in loco, imagens e sons que foram fundamentais para adornar o seu longa, dando-lhe, inclusive, um caráter documental.

Já a partir de 2008, retomou o projeto, salvando o salvável, graças, em parte, ao “guardião” do cinema baiano, Roque Araújo, que preservou parte do material em seu calabouço na Dimas. Depois, Lima gravou novas cenas, utilizando-se, também, de outros atores, como Bertrand Duarte, Júlio Góes e Iami Rebuças, tudo em película super 16 e iluminado por Pedro Semanovschi.

A partir daí o grande desafio era juntar peças tão díspares de um tabuleiro complexo. Na época, lembro-me bem, houve quem dissesse para Lima desistir, enfim, para não sacrificar a sua saúde por um projeto “impossível”. “Mefistofélico”, o cineasta fez das dificuldades e da incredulidade alheia alimento. Durante noites zanzou de cima para baixo no seu duplex, na Graça, até juntar as peças do quebra-cabeça e ordená-lo de maneira tal que o filme ganhasse um sentido.

E o que fez Lima? Se valeu de recursos computadorizados de animação para as cenas de guerra, deu um tom polifônico aos momentos que pareciam vazios, pobres, uniformizou a luz e a tonalidade de cores, criando uma curiosa textura, mas, principalmente, teve coragem de apresentar o seu “Frankenstein”. O resultado: um filme de outros tempos, ou de tempo algum, com uma poética surreal encampanada em um ritmo lento, capaz de nos desconcertar por conta de seu estranhamento, uma obra que retrata um personagem esquizofrênico e acaba por absolvê-lo, tornando-a, assim, política, engajada.

Sim, houve quem dissesse com exagero que trata-se de um filme revolucionário, o que não o é. No entanto, num momento em que parte do cinema nacional deixou-se levar pelo ritmo frenético das montagens para agradar ao público acostumado com as produções industriais norte-americanas, Lima, como o seu Conselheiro, foi de encontro ao mundo e ofereceu-se ao sacrifício em nome de um ideal.

Raul Moreira

3 comentários:

André Setaro disse...

dd

Jonga Olivieri disse...

Está aqui na minha frente aberto o exemplar de "O Dia" (já que não dou dinheiro pros mafiosos Marinho) com o filme e o cinema da cidade em que será feita a sua pré-estreia hoje à 1/2 noite.
Espero que entre me cartaz em seguida. Eu digo algo sobre isto rapidamente, ja que. garanto, deverá ficar pelo máximo uma semana em exibição!

Jonga Olivieri disse...

Ué, voltou aquele "trem" de digitar letras impossíveis de se ler?!!!