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O DVD de Era uma vez no Oeste, de Sergio Leone, lançamento em
edição especial, cheia de extras, que estava, há pouco tempo, no saldão
de conhecida loja de departamentos, é, simplesmente, uma beleza. O
filme, com o passar do tempo - é de 1968, ficou ainda melhor, não
perdendo em nada do seu impacto inicial, quando o vi pela primeira vez
na gigantesca tela do cinema Tupy em cópia de 70mm. Ainda que a dimensão
da tela doméstica não possua o mesmo poder de envolvimento e êxtase -
sim, é a palavra correta em se tratando de uma obra-prima como essa,
momento, sem exagero, de rara inspiração em toda a história da arte do
filme, vejo Era uma vez no Oeste como se fosse uma sinfonia, como se
uma música de imagens.
A partitura do maestro Ennio Morricone está tão entrosada no filme
que faz parte dele, e, neste caso, poderia dizer que Morricone é uma
espécie assim de co-autor da obra da mesma maneira como Michel Legrand o
é de Os guarda-chuvas do amor, de Jacques Demy. Morricone, com sua
extraordinária musicalidade, exerce, aqui, em "Era uma vez no Oeste",
não apenas uma complementação da narrativa, mas uma mise-en-musique.
E Leone é um esteta, um mestre absoluto, que sintetiza, neste
"western sui generis", toda a sua primeira fase constituída de obras que
"rascunham" esta belíssima reflexão sobre a estética westerniana num
prisma novo e insinuante, apátrida, singular e original. Quem viu Por
uns dólares a mais, Por um punhado de dólares e O bom, o mau e o
feio - também conhecido por Três homens em conflito - pode
testemunhar que estes filmes são uma "anunciação" de Era uma vez no
Oeste.
A sua revisão comprova a magnificência de Sergio Leone que, nos anos
80, com seu canto de cisne, Era uma vez na América, traumatizou toda
uma década, realizando uma das maiores obras de toda a história do
cinema. Pena que a morte prematura - ia fazer 60 anos - o tenha levado
embora.
Morricone compôs quatro temas fundamentais destinados a cada um dos
personagens principais: Claudia Cardinale, Jason Robards, Charles
Bronson e Henry Fonda - magnífico no papel de vilão, cínico, cruel,
frio, super-maquiado, super-estilizado, capaz de matar até criancinhas
com irrepreensível sangue frio. Quando os personagens se cruzam, as
partituras também entram em rodízio com um resultado impressionante em
se tratando da relação música e imagem.
A sequência inicial, de abertura, é uma obra-prima à parte, que
mostra a espera, por três pistoleiros, em uma velha e encardida estação,
da chegada do trem. Morricone chegou a compor um tema, mas desistiu e,
influenciado por John Cage - para quem todo ruído num concerto é música,
fez dos ruídos uma espécie de "sinfonia". Assim, o estalar dos dedos de
um dos pistoleiros, a gota d'água que cai modorrenta no chapéu de Woody
Strode, a mosca que fica zoando no rosto de Jack Élan, o ranger do
moinho, a chegada estrepitosa do trem, etc, formam uma tensão inusitada.
Claudia Cardinale agita a paixão dos homens e, neste filme,
encontra-se no auge da beleza. A mulher é aqui objeto do desejo de três
homens rudes e sedentos: Henry Fonda, Jason Robards Jr, Charles Bronson.
Com a perda do marido, um fazendeiro, em dia de festa, que é
assassinato cruelmente pelo bando de Henry Fonda, resta a ela, sozinha,
enfrentar uma vida nova, recomeçar de novo.
A tomada que apresenta a sua entrada na cidade e que mostra, em grua,
a sair da estação, o movimento da cidade, é imensamente bela e
impactante. Dá-se no momento em que Claudia sai do trem e entra na
cidade, que, movimentada, encontra-se, somente na aparência, indiferente
à sua beleza.
Leone tem um sentido de duração que difere da maioria dos cineastas,
aproximando-se mais, na utilização do tempo cinematográfico, dos
realizadores japoneses. Gosta de alternar extremos "close ups" com
planos gerais de grande amplitude, provocando, com isso, um contraste
nos códigos perceptivos. Mas, para Leone, o rosto humano não é uma face
oculta, mas, e principalmente, também uma paisagem. Seus closes
demoram na tela, enchendo-a, para perscrutar a alma humana, para
adentrar na interioridade dos seres. Tudo é muito estilizado e rigoroso
sem perder, contudo, o caráter de introspecção.
Não resta dúvida que o melhor filme dos anos 80 foi um Leone, e,
aliás, o seu derradeiro, que lembra a segunda parte do monumental O
poderoso chefão (The godfather, 1974), de Francis Ford Coppola. Mas o
que assombra em Era uma vez na América, assim como em Era uma vez no
Oeste, é a fascinante, envolvente, mise-en-scène leonina.
O argumento de C'era una volta in West/Once upon a time in West
foi escrito a seis mãos: as de Bernardo Bertolucci, o consagrado
cineasta de O último tango em Paris, as de Dario Argento, diretor
"cult" de terroríficos e crítico afamado, e as de Sergio Donati, que
ficou responsável pela decupagem, além, é claro, da participação de
Leone em todas as fases do processo de criação cinematográfica.
O DVD é especial mesmo e tem muitos extras, inclusive um documentário
precioso com depoimentos de Tonino Delli Colli, o fotógrafo, Alex Cox,
Gabrielle Ferzetti, Bertolucci, Claudia Cardinale, Henry Fonda, entre
outros.
Para assistir de joelhos.
3 comentários:
Um grande western. Na minha opinião, o maior realizado fora dos EUA.
Era uma vez na América é meu filme predileto de todos os tempos. Bem de perto, segue O Bom, O Mal e o Feio. Mas também adoro Era uma vez no Oeste. Leone era gênio, e junto com Morricone, outro estandarte, formavam uma dupla colossal. Belo texto, Setaro.
Era uma vez na América é meu filme predileto de todos os tempos. Bem de perto, segue O Bom, O Mal e o Feio. Mas também adoro Era uma vez no Oeste. Leone era gênio, e junto com Morricone, outro estandarte, formavam uma dupla colossal. Belo texto, Setaro.
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