Marlon Brando em O último tango em Paris, de Bernardo Bertolucci |
Em 1960, o cinema italiano estava no auge, com gênios indiscutíveis que conseguiam abafar outros criadores notáveis da mesma cinematografia. A partir dos anos 80, no entanto, a cinematografia italiana entrou num processo de franca decadência e, atualmente, excetuando-se três ou quatro diretores (Tornatore, Bellocchio, Nanni Moretti, entre poucos.), pode-se dizer que o cinema italiano morreu dominado pela indústria cultural hollywoodiana.
No Brasil, por exemplo, não existe mais espaço para outras cinematografias que não a oriunda de Hollywood, principalmente porque o mercado exibidor é controlado pelas multinacionais. O que não acontecia décadas atrás, quando o mercado lançava películas francesas, italianas, japonesas, espanholas etc. Havia distribuidoras importantes que se dedicavam à importação de filmes europeus, a exemplo da famosa Art Films, que proporcionou aos cinéfilos brasileiros a oportunidade de ver grandes obras da cinematografia italiana. A Toho, entre outras, distribuía fitas nipônicos. A Condor, por exemplo, também se especializava em distribuir filmes vindos da Europa. Tudo isso hoje acabou. Um blocksbuster, nos dias atuais, quando lançado, toma conta de todo o circuito com mais de 500 cópias.
Para os filmes franceses, a França Filmes do Brasil e a Companhia Cinematográfica Franco-Brasileira. Quase todos os filmes da Nouvelle Vague, por exemplo, tiveram as suas estreias patrocinadas pelo canal distributivo da França Filmes, que foi substituído pela Franco-Brasileira, e, alguns anos depois, pela Gaumont.
Mas o cinema italiano não se restringia apenas a Roberto Rossellini, Michelangelo Antonioni, Luchino Visconti, Federico Fellini ou, mesmo Pier Paolo Pasolini. Havia uma cultura cinematográfica, por assim dizer, na qual estavam em atividade excelentes realizadores como Mario Monicelli (O incrível exército de Brancaleone, A grande guerra, Pobre e milionários, Os companheiros...), Dino Risi (Aquele que sabe viver/Il sorpasso, Vejo tudo nú, Férias à italiana...), Florestano Vancini (Enquanto durou o nosso amor, O delito Matteoti...), Mauro Bolognini (O belo Antonio), Damiano Damiani (O sicário, O batom, O dia da coruja...), Valerio Zurlini (Verão violento, A moça com a valise, Dois destinos, A primeira noite de tranquilidade, O deserto dos tártaros...), Bernardo Bertolucci (Prima della rivoluzione, O último tango em Paris, O conformista...), Marco Ferreri (A comilança...), Sergio Leone (Era uma vez no Oeste, Quando explode a vingança, Era uma vez na América...), Gillo Pontecorvo (A batalha de Argel, Queimada...), Ettore Scola (Ciume à italiana, O baile, Casanova e a revolução...), os importantíssimos irmãos Paolo e Vittorio Taviani (Pai patrão, Aconteceu na Primavera, A noite de São Lourenço...), Mario Bava (A maldição do demônio, Hércules no centro da terra...), Pietro Franciscus (As façanhas de Hércules...), Carlo Lizzani (Réquiem para matar...), Dario Argento (Terror na ópera, Gialo...), Steno (das comédias com Totó), Luciano Salce (Casei contigo por divertimento...), Francesco Rosi (O bandido Giuliano, O caso Mattei...), Vittorio Cottafavi (A revolta dos gladiadores...), Renato Castellani (Romeu e Julieta...), Elio Petri (Investigação sobre um cidadão acima de qualquer suspeita, A classe operária vai ao paraíso, Os dias são numerados...), Alberto Lattuada (Em nome da lei, Venha tomar um café conosco...), Pietro Germi (Divórcio à italiana, O ferroviário, Aquele caso maldito...), Francesco Masseli (tem um filme que vi com Paulette Godard cujo nome esqueci), Vittorio DeSica (Ladrão de Bicicletas, A viagem proibida, O juízo universal, Os girassóis da Rússia...). Acho melhor parar por aqui, pois há ainda outros nomes dessa brilhante constelação de cineastas.
O que aconteceu ao cinema italiano? Deslumbrou o mundo a partir dos meados dos anos 40 com a explosão do neorrealismo, configurando um novo modo de expressão cinematográfica que traumatizou toda uma geração. Os postulados neorrealistas influenciaram movimentos ou escolas que lhe foram posteriores, a exemplo do Cinema Novo, Free Cinema Inglês, e, mesmo, a Nouvelle Vague. A falência do cinema italiano é impressionante. Não se pode compará-lo ao americano, que não cabe comparação, mas separação, e excetuando-se o cinema feito nos bons tempos de Hollywood, a cinematografia italiana já foi, e de longe, a mais expressiva de toda a história do cinema. Onde se pode encontrar um cinema único, original, como o de Fellini? E a estética perfeccionista dos filmes-óperas viscontianos, o cinema de poesia pasoliniano, a anti-narrativa de Antonioni?
A Itália já teve um dos estúdios cinematográficos mais importantes do mundo: o Cinecittà, complexo de teatro e estúdios situados na periferia oriental de Roma (a 9 km de distância). Federico Fellini, em alguns de seus filmes, refere-se ao Cinecittà. Até os americanos, para aproveitar a mão de obra mais barata, filmaram algumas de suas grandes produções no Cinecittà: Quo Vadis? de Mervyn LeRoy (1949) e o majestoso Ben Hur, de William Wyler, foram rodados nesse grande estúdio, além de uma mega como Cleópatra, de Joseph L. Mankiewicz Recomendo que se faça uma visita a seu site: www.cinecitta.com
O cinema italiano de sua boa época exportou astros e estrelas, que foram filmar em Hollywood, a exemplo da diva Sophia Loren, Gina Lollobrigda, Elsa Martinelli, Claudia Cardinale e atores de primeiríssimo nível como Vittorio Gassman e Marcello Mastroianni. Mastroianni é um ator essencialmente cinematográfico, que sabe, como poucos, dialogar com a lente, com a câmera, enquanto Gassman, apesar de excepcional intérprete, carrega o ranço teatral. Há outros atores e atrizes que não podem deixar de serem registrados: as belas Rossana Schiaffino, Eleonora Rossi Drago, Catherine Spaak, Gian Maria Volonté, Enrico Maria Salerno, Saro Urzi, Ugo Tognazzi, Nino Manfredi, Totó, Renato Salvatori etc.
O capitalismo selvagem, que impõe um consumo desenfreado de forma imperativa através dos meios de comunicação de massa, após a queda do Muro de Berlim, é, talvez, o responsável pela perda cada vez mais crescente do humanismo de um modo geral e particularmente no cinema. E o cinema italiano se caracterizava justamente por este humanismo, principalmente no esplendor de seu neorrealismo. Não cabem mais, para mentes descrentes de um porvir mais humano, e condicionadas ao consumo, ao egoísmo, ao prazer imediatista, filmes que possam oferecer uma reflexão sobre o momento histórico, o homem e sua circunstância. Os filmes viraram montanhas russas, o homem desapareceu de sua paisagem, restando apenas títeres e marionetes que comandam a ação, o fio condutor da trama.
3 comentários:
Belo post, meu caro!
Abraço.
Estava assistindo a série Roma, produzida pela HBO, muito bem realizada por sinal, quando me ocorreu que não havia nenhum ator italiano no elenco principal. Mesmo considerando tratar-se de uma co-produção com a BBC, custa um pouco aceitar o maneirismo britânico, apesar da excelencia dos atores.
Então me ocorreu que há tempos que não se tem notícia de um novo nome no cinema italiano, quer seja ator, atriz ou diretor e, tristemente conclui que ele desapareceu por completo das nossas telas e está se apagando na nossa memória.
Por isso digitei no Google: "O que aconteceu com o cinema italiano?" e me deparei com seu texto irretocável, cheio de informações preciosas e reflexões inteligentes.
Infelizmente sou obrigado a concordar com seus argumentos e conclusão sobre a morte por sufocamento de uma das mais belas manifestações artísticas do século XX. E, mais triste ainda, reconhecer o desenterece do público de hoje com os temas tão profundos que o cinema italiano tão brilhantemente abordava,
Obrigado pelas suas informações e parabéns pelo texto.
Estava assistindo a série Roma, produzida pela HBO, muito bem realizada por sinal, quando me ocorreu que não havia nenhum ator italiano no elenco principal. Mesmo considerando tratar-se de uma co-produção com a BBC, custa um pouco aceitar o maneirismo britânico, apesar da excelencia dos atores.
Então me ocorreu que há tempos que não se tem notícia de um novo nome no cinema italiano, quer seja ator, atriz ou diretor e, tristemente conclui que ele desapareceu por completo das nossas telas e está se apagando na nossa memória.
Por isso digitei no Google: "O que aconteceu com o cinema italiano?" e me deparei com seu texto irretocável, cheio de informações preciosas e reflexões inteligentes.
Infelizmente sou obrigado a concordar com seus argumentos e conclusão sobre a morte por sufocamento de uma das mais belas manifestações artísticas do século XX. E, mais triste ainda, reconhecer o desinteresse do público de hoje com os temas tão profundos que o cinema italiano tão brilhantemente abordava,
Obrigado pelas suas informações e parabéns pelo texto.
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