Seguidores

07 fevereiro 2010

O crepúsculo das locadoras


Peço licença a Bráulio Tavares para publicar, neste domingo de verão, uma crônica de sua autoria que saiu no Jornal da Paraíba sobre o crepúsculo das locadoras. Leio sempre os seus escritos no citado jornal, que primam pela excelência na observação dos fatos da vida e da arte. Escritor, letrista, pesquisador, autor de vários livros, jornalista, Braúlio Tavares pode ser considerado um dos mais inteligentes intelectuais brasileiros. Tive a honra de conhecê-lo quando de sua temporada baiana, lá pelos idos dos anos 70, quando ficou em Salvador talvez mais de um ano. Mas, mesmo antes de sua vinda à soterópolis, já o conhecia de nome pelas referências elogiosas de um seu conterrâneo, Romero Azevedo, cinéfilo de carteirinha, professor de cinema da Universidade de Campina Grande, paraibano como ele. Noutro dia, vendo, au hasard, um programa de entrevista com Ariano Suassuna, este disse que Bráulio era umas das pessoas que mais admirava. Há um livro, entre outros, evidentemente, de Bráulio Tavares, que recomendo porque uma exegese de alto nível de O anjo exterminador. O seu título é o título deste filme de Luis Buñuel. Lê-lo não apenas possibilita a compreensão de El Angel Exterminador como também das artimanhas da arte buñuelesca. Acredito que os leitores deste humilde e claudicante blog aprenderão muito caso acessem as crônicas de Tavares no seguinte endereço: http://jornaldaparaiba.globo.com/
Também o seu blog merece sempre uma visita (e não visita de médico como sói acontecer com muitos internautas mais apressados nos monossílados do que, propriamente, nas inteligentes enunciações de um pensamento): http://mundofantasmo.blogspot.com/ Mas vamos ao artigo:

"As locadoras de filmes, segundo alguns analistas, são a bola da vez entre as funções sociais em vias de desaparecimento. Surgiram porque havia uma tecnologia nova (o VHS, e depois o DVD) servindo de canal estreito entre milhões de filmes de um lado e milhões de espectadores do outro. Muitas locadoras que conheço começaram com uma portinha e um cubículo. Foram se ampliando, absorvendo a lojinha ao lado, abrindo mais espaço, mais paredes, mais acervo. Foi um mercado em ascensão firme durante muitos anos. Agora, danou-se a cair. O aumento da banda larga e de conexões mais rápidas faz com que um filme possa ser baixado em poucos minutos. E o preço de compra do próprio DVD caiu tanto (em muitos casos) que ficou quase igual ao do aluguel. Sem falar na pirataria.

Um artigo de Ana Paula Sousa na “Folha SP” afirma que entre 2003 e 2005, havia, no Brasil, quase 14 mil locadoras de filmes, e agora não passam de seis mil. A venda de DVDs, que num momento foi a grande concorrência desse ramo, também está caindo: entre 2006 e 2008 caiu de 28,7 milhões para 24,7 milhões de unidades. A venda de títulos para locadoras caiu ainda mais, de 8,5 milhões para 4,6 milhões. O Brasil já teve o maior mercado de locação de filmes do mundo. Europeus e norte-americanos preferiam comprar filmes, mas o brasileiro, certamente devido ao poder aquisitivo, alugava. O preço de venda foi caindo e as opções gratuitas se expandiram: pirataria e Internet são, no caso, as forças gravitacionais que estão tirando o público das locadoras.

A locadora é para muita gente algo como a padaria ou o mercadinho da esquina, onde no fim de tarde ou começo de noite as pessoas se encontram e tiram dois dedos de prosa. A pequena locadora atende em geral as pessoas num raio de alguns quarteirões residenciais. Todo mundo se conhece, todo mundo cedo ou tarde se encontra ali. Conheço compradores inveterados de filmes piratas que ainda vão às locadoras. Para quê? Para saber se vale a pena ou não comprar certos filmes. Aluga por 5 reais, vê, e depois compra por 10 reais – se valer a pena. Por mais que um pirata seja barato, ninguém sai comprando tudo, às cegas.

Algumas locadoras estão virando espaços múltiplos onde é possível alugar ou comprar um DVD ou CD, fazer um lanche, tomar um café ou um sorvete, sentar em poltronas para bater papo, comprar livros e revistas. A locação vem como complemento de outras atividades, numa loja de perfil múltiplo, que tende a se transformar, de acordo com o espaço de que dispõe, em ponto de encontro, de bate-papo. As facilidades de circulação da informação digital não devem servir para nos enclausurar em quartos escuros fazendo downloads intermináveis. Devem servir para agilizar o processo e nos dar tempo livre para ir na locadora da esquina tomar um café, discutir sobre os filmes, pegar dicas de filmes, convidar os amigos para ir lá em casa ver o novo filme de Tarantino ou um velho filme de Resnais."

10 comentários:

Davi disse...

Assino embaixo!

Jonga Olivieri disse...

O que mais me surpreendeu foi a queda nas vendas de DVDs. Creio não ser possível que seja devido ao surgimento do blu-ray, pois este ainda é novidade. por que será?

André Setaro disse...

Sim, você tem razão. O Blu-ray é ainda desconhecido e caro. Eu mesmo nunca assisti nenhum filme nesta nova modalidade. Acredito que a queda nas vendas dos DVDs esteja relacionada à pirataria. Você pode encontrar qualquer lançamento de sucesso em camelôs no centro da cidade ou, mesmo, sendo vendido em bares ou lugares afins. Em segundo lugar, a queda está na desenfreada 'baixaria' de filmes pela internet. Um amigo, antes do lançamento de 'Invictus', de Clint Eastwood, já o tinha baixado do espaço virtual. Perguntou se queria uma cópia. Agradeci. Mas o prefiro ver na tela grande do cinema.

Não compreendo como se pode ver filmes na telinha do computador.

Romero Azevêdo disse...

Caros Jonga e Setaro, a queda nas vendas do DVd é ligada diretamente ao fenômeno da pirataria(segundo um jornalista amigo meu, Amin Steple, a pirataria "é o capitalismo do capitalismo"). Mas não só em relação da cópia em si, toda a infraestrutura pirata está se revelando mais ágil e profissional que a indústria oficial.Aqui em CG, na segunda-feira pós apresentação da mini-série sobre Herivelto Martins e Dalva de Oliveira na TV,já era possível adquirir o DVd no camelô.
Isso sem falar na "baixaria" imparável na Internet( aliás, só para lembrar: o filme baixado não é obrigatório ser visto na telinha do computador, vi "Invictus" na minha tela grande). Por sinal, filme extraordinário.

Lúcia Leiro disse...

Os filmes em DVD ficaram mais acessíveis e algumas pessoas preferem adquiri-los. Por outro lado, nem sempre as cópias disponíveis são de qualidade. Mas a sua observação é pertinente, pois cada vez mais os espaços especializados vão acrescentando outros produtos. Acontece com os cinemas, as livrarias e as locadoras de filmes. Diversificação dos negócios (acho queo termo é esse). O próprio cinema norte-americano não sobrevive mais sozinho, sem as "parcerias" de produtoras de outros países. Uma loucura...

Lúcia Leiro disse...

Mas é um risco. Adquiri um filme recentemente, porém a minha diversão mesmo era escutar os comentários paralelos, pois são gravados no cinema (rsrs). Uma hora é uma cebeça que se levanta, outra é a risada e os comentários do vizinho da poltrona, ainda bem que eram somente risadas. Era um filme para adolescentes e quando aparecia o protagonista sem camisa, era uma gritaria, um suspiro, enfim, foi divertido, mas não consegui me concentrar no filme. Para quem gosta de qualidade NUNCA irá comprar um filme pirata, mas quem quer apenas ouvir e ver a fábula, por sinal a ampla maioria, está de bom tamanho.

Lúcia Leiro disse...

E cá entre nós. Não se tem ensinado às massas a analisar filmes. Sei disso porque quando analiso um filme em sala, na universidade (pública), os alunos me dizem que eu vejo coisas que eles não veem e ficam empolgados. Tive um bolsista que desistiu do Curso de Contábeis para fazer Jornalismo na UFBA. Está lá, espero que bem. A questão é que eles não tem acesso, as pessoas colocam um filme na sala, mas não fazem conexão com nada. Não fala da importância da música, da montagem, do ângulo para produzir um efeito "x" no espectador, enfim, ficam na historinha e não mostram a artificialidade do cinema, o engenho, o lado artístico, o trabalho estético, a linguagem. A maior segregação é pelo conhecimento. Gente, é uma delícia ver um jovem que nem estava aí para quem era o diretor de um filme de repente se dá conta e começar a dialogar com você fazendo referências a ele, por conta de uma colocação sua marcada na fala. Já passei por isso fora de sala de aula, em uma conversa informal. Uma menina não sabia nome de filme algum, nem atores que dirá diretor. Em outro momento ela me aparece dizendo que tinha assistido a um filme do diretor "x". Foi um passo... ela prestou a atenção. É um trabalho de formigunha.

André Setaro disse...

Não há, no curso secundário, hoje chamado de segundo grau, nenhuma disciplina que contemple noções básicas que sejam de linguagem cinematográfica. A maioria das pessoas que vai ao cinema se preocupa apenas com a história, com a trama, com a intriga, com a fábula, enfim. As pessoas não têm consciência de que o filme tem uma linguagem específica e a produção de seu sentido é feita por ela. Muitas vezes é um 'travelling' que está a sugerir alguma coisa ou, então, um certo corte efetuado pela montagem. O aluno entra na universidade completamente analfabeto em relação à linguagem do cinema, com poucas exceções.

Lúcia Leiro disse...

Assisti há pouco com minha mãe (75 anos) ao filme Suplício de uma Saudade. Nos divertimos analisando o vestuário da personagem feminina e comparava com o vestuário masculino (com tonalidades próximas para expressar apoximação, identificação, etc). Comparamos também com o cenário, por exemplo, há um momeno em que Jennifer Jones aparece com um azul turquesa e ao fundo está o mar com a mesma tonalidade. Certamente não foi por acaso... é uma delícia fazer isso e aos poucos ir descobrindo as artimanhas e artifícios usados por profissionais para produzir um efeito.

Márcio Martins disse...

Faltou ao articulista comentar a respeito da Tv por assinatura e seus inúmeros canais de filmes que aos poucos está ocupando o mercado no lugar das locadoras. Quem assiste filme na TV precisa de locar filme? Talvez um ou outro, mas haja tempo para tanto.