Em 1953, a Fox, temerosa da concorrência da televisão, que fechou metade das salas exibidoras dos Estados Unidos, lançou, com grande marketing, o formato Cinemascope e som estereofônico, ainda que já tivesse sido descoberto décadas antes pelo francês Henry Chrétien. O primeiro filme em Cinemascope foi O manto sagrado (The robe), de Henry Koster, com Richard Burton e Jean Simmons. Conta-se do espanto dos espectadores quando Burton, a recitar teatralmente, anda do lado direito para o esquerdo da tela com a sua voz se deslocando (era o processo estereofônico). Nos primeiros filmes em Cinemascope, a predominância era dos planos gerais, geralmente ambientes amplos e repletos de personagens. Os filmes eram mais paisagísticos do que introspectivos. Quem trouxe o ser humano e os closes ups intensos para o Cinemascope, revolucionando-o, foi George Cukor em Nasce uma estrela (A star is born, 1955), com Judy Garland e James Mason. Mas não se poderia deixar de citar Aconteceu em Veneza, de Roger Vadim. Exibindo O manto sagrado na sua grade de programação, o Telecine Cult, há alguns anos, teve o acinte de apresentá-lo na abominável tela cheia, full screen, destruindo todas as composições de enquadramento desse filme pioneiro, ainda que superado e velho, datado. De cult, The robe não tem nada. Mas, a Paramount, para entrar na concorrência, inventou o Vistavision, cujo formato é menos largo do que o Cinemascope.
Se, com a entrada deste formato todos os cinemas tiveram que se adaptar a ele, com as lentes anamórficas e mudança de telas, os exibidores, no entanto, não modificaram as janelas dos projetores adequados para o Vistavision. Resultado: todos os filmes da Paramount (incluindo a maioria dos de Hitchcock) foram exibidos no Brasil cortados pelos lados. Somente agora, com as cópías em DVD é que, pela primeira vez, os brasileiros estão a ver os filmes em Vistavision na sua integridade. Na foto ao lado, a apresentação dos créditos de Rastros de ódio (The seachers), de John Ford, filmado em Vistavision. Considero The seachers um dos pontos altos de toda a história do cinema.
Infelizmente, a maioria das pessoas tá pouco se lixando para o formato dos filmes. O que interessa é a história, a trama, a intriga. Fiquei estarrecido quando ouvi de um jovem que prefere ver os filmes dublados porque tem preguiça de ler as legendas. A incultura cinematográfica cresce a passos largos. O cinéfilo do pretérito virou um simples consumidor de filmes e, como já disse aqui, o ir ao cinema atualmente é diferente do ir ao cinema no passado. O ir ao cinema hoje é uma das fases do processo do 'shoppear'. Não se vai mais ao cinema, mas se vai ao shopping e, estando nele, ao cinema. Os consumidores, débeis mentais, não possuem, portanto, um propósito estabelecido a priori de ir ao cinema ver determinado filme. Entra-se numa sala 'multiplexada' por causa de um cartaz, de um rosto bonito, de determinado ator ou atriz ou pela sugestão da ação, violência e sexo. Lembro-me que, em priscas eras, comprava o jornal para saber das estréias, estabelecendo, por exemplo, "amanhã, sem falta, vou ver Matar ou morrer logo na primeira sessão, às 14 horas, no cinema Guarany".]
Era uma outra cultura, uma outra época. O cinema como casa de espetáculos já morreu e está devidamente morto e enterrado. A morte recente do grande Paul Newman determina o fim indiscutível dos grandes astros de Hollywood. O primeiro domingo sem Paul Newman, este.
6 comentários:
Não compreendi a razão de ser do título em relação ao texto abaixo. Em que momento há a raposa e onde estão as uvas dentro do cinemascope ou do vistavision? Tenho uma obsessão pela explicação racional e lógica, detestando, por isso, tudo que é surreal ou, mesmo, expressionista. Basta dizer que somente gosto de documentários.
O realismo me fascina. Tenho uma certa aversão, no entanto, pelo realismo cinematográfico ficcional. O que gosto mesmo é de documentário. Gosto dos de Eduardo Coutinho, mas já Jogo de Cena, em que procura misturar ficão e realidade não o apreciei tanto quanto os outros. Nunca vi Rastros de ódio e não me considero ignorante por isso. E quando vou ao cinema levar meus filhos, encho-lhes, sim, de pipoca, guloseimas e refrigerantes. E como não gosto de certos filmes, aproveito para falar com meus amigos pelo celular, apesar de já ter sido chamado à atenção por isso. Comporto-me como quero. E adoro uma pipoquinha para mastigar até com certo estrépito. Tudo na vida é estrépito, quebras. Minhas poucas ações que tenho na bolsa de SP, temo por elas. Que Nossa Senhora Aparecida zele por elas.
Toda uma geração talvez nem entenda o significado do cinema em tempos como o que você refere.
O cinema era tão importante, na história pré-televisão, que haviam os cinejornais.
lembro-me que no final de sua era, esses cinejornais tornaram-se meio sem quê nem pra quê. Já existia o telejornal em que as notícias eram dadas no dia em que aconteciam.
Meu pai comenta, que à época da II Guerra Mundial (1939/45), ia-se ao cinema e se viam as imagens do que estava acontecendo. O rádio apenas narrava e este veículo, o cinejornal, mostrava o que estava a acontecer.
Falar em meu pai, há pouco tempo dei de presente "O manto sagrado", comprado numa dessas promoções de DVD's. E ele amou rever o filme que foi marcante, justamente por ter sido o primeiro em Cinemascope.
Concordo que o fullscreen acaba com a originalidade e expressão de um filme.
Haja vista as cenas em que o personagem fala e está em off. Ou seja, só aparece a sua voz. Ridículo.
Mas, quem gosta de filme dublado para não ter que ler letreiros, nada disso pesa.
Por vezes, e apesar de ter um inglês mediano, prefiro não lê-los para me fixar em detalhes da linguagem do cinema. Todavia, não suporto um filme dublado.
Quanto a Paul Newman, sem a menor dúvida, encerrou uma era.
Nunca gostaria de encontrar pessoalmente um tipo como você, meu querido Carlos. Somos antípodas, pois não! Creio que você perde muito porque não viu "Rastros de ódio", de John Ford. Mas pessoas como você, desculpe lhe dizer, não possuem a sensibilidade suficiente para apreciar filmes de alta densidade poética como este. Por que não se programa para ver os constantes shows de axé e arrocha que inundam as casas de espetáculos da Bahia? Estaria, nelas, em seu "habitat".
Bem, hoje é domingo e estou interessada em decifrar um livrinho recomendado por André Setaro, neste, um artigo nada fácil à primeira vista, Introdução à Análise Estrutural da Narrativa, Roland Barthes.
Nada me impede de apreciar os comentários procedentes e informados sobre os filmes cinemascopes e querer apreciá-los em seu formato original.
Que vivam as diferenças... com espaços nesse mundão para gregos e troianos.
Bem,sobre a universalidade narrativa... ela está aí, como a vida.
Carlos, a sua liberdade de se "comportar como quer" termina onde comeca o direito do proximo de nao ser incomodado. Suas asneiras (de asno), por exemplo, me incomodam. Por que nao voltas a baia de onde saiu? Tipos como voce nao sao apreciados por aqui.
Antigamente só de pensar em ir ao cinema, já despertava um grande "apetite",o mesmo tinha um grande "cardápio" tudo com muito "sabor", como "aperitivo"(cartaz/fotos,música ambiente e trailer),o "prato principal"tinha todos os ingredientes (música do prefíxo, gongo, jogo de luz,cortina , tela cinemascope) e na "sobremesa"(trilha sonora,fotografia,enquadramento,atores,atrizes,história),tudo num ambiente silencioso e respeitoso.Hoje, na maioria das vezes, o cardápio se resume somente a PIPOCA.Um abraço,Armando
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