Planejado no roteiro, que contém todas as tomadas em ordem cronológica e precisamente numeradas, a filmagem, não obedece, todavia, ao que está estabelecido no papel. O cineasta, tendo em vista, além de outros fatores, a exequibilidade e a viabilidade econômica, começa a filmar a partir de qualquer tomada do roteiro - pelo meio, pelo fim, pelo começo. A tarefa de ordenar os diversos fragmentos de um filme cabe a uma etapa do processo de criação do cinema muito importante, qual seja a montagem. Que, grosso modo, pode ser definida como o trabalho de reunir as partes do material filmado de acordo com a ordem estabelecido no roteiro. O montador edita o filme, isto é, faz uma reconstituição da primeira à última imagem, colando ponta com ponta e na ordem numérica os diferentes pedaços de película, que foram revelados e impressos numa "cópia de trabalho". Geralmente são colados em seguida pedaços de filme que reproduzem planos diferentes, até completar uma cena. Há, portanto, dentro da mesma cena, diversas mudanças de plano - e de um plano para outro se verifica uma descontinuidade rápida chamada corte.
A montagem não se limita - longe disso - a um simples trabalho de cortes e colagens: é também, e sobretudo, uma criação. Linguagem do realizador, ela, a montagem, impõe um estilo e revela uma visão original do mundo. A montagem, segundo a ótica de Bretton, preside a organização do real visando satisfazer simultaneamente a inteligência e a sensibilidade, provocando, com isso, a emoção artística, o efeito dramático ou onírico: faz malabarismos com o tempo e o espaço, com cenários e personagens (trucagens e dublês). É o elemento mais específico da linguagem cinematográfica, "o fundamento estético do filme", segundo Pudovkin. Os grandes cineastas e estetas (Eisenstein, Pudovkin, Balazs, Arnheim, etc) esforçaram-se em estabelecer a nomenclatura dos diversos processos de montagem e em analisar seus efeitos psicológicos.
Geralmente classifica-se os tipos de montagem em três categorias principais: (1) a montagem rítmica, (2) a montagem intelectual ou ideológica, (3) a montagem narrativa, sendo que esta última compreende quatro tipos - a) a montagem linear, (b) a montagem invertida, (c) a montagem alternada, e, (d) a montagem paralela.
01. A Montagem Rítmica: visa criar ritmo ao filme, alternando os tempos fortes com os tempos fracos, dando ordem e proporção no espaço e no tempo. O ritmo resultado do movimento das imagens entre si e da convergência entre o movimento da atenção do espectador e o das imagens. Um plano, conforme observou o ensaísta francês J. P. Chartier, não é percebido da mesma maneira do começo ao fim. A princípio, é reconhecido e situado; é, digamos, a exposição. Vem então um momento de atenção máxima em que a significação, a razão de ser de um plano, é captada: gesto, palavra ou movimento fazem o desenvolvimento progredir; em seguida, a atenção baixa, e, se o plano se prolongar, nasce um momento de aborrecimento, de impaciência. Se cada plano for cortado no momento exato da baixa da atenção para ser substituído por outro, a atenção será sempre mantida, o filme terá ritmo. O que chamamos de ritmo cinematográfico não é, portanto, a apreensão das relações de tempo entre os planos, mas a coincidência entre a duração de cada plano e os movimentos de atenção que ela suscita e satisfaz. Não se trata de um ritmo temporal abstrato, mas de um ritmo de atenção", conclui Chartier. A percepção intuitiva do ritmo pelo espectador nasce da sucessão dos planos, segundo as relações precisas criadas pelo cineasta (e montador). É do ritmo que a obra cinematográfica extrai sua ordem e sua proporção, sem o que não teria ela as características de uma obra de arte. Diferentes fatores intervêm na criação do ritmo, especialmente o movimento no plano (conteúdo estático ou dinâmico da imagem), a extensão do plano (uma sucessão de primeiros planos cria uma elevada tensão dramática). Mas o ritmo é sobretudo uma questão de distribuição métrica, sendo a extensão dos planos o elemento decisivo para mostrar (valor documentário), através de certos detalhes, ou para sugerir efeito dramático. Assim, num filme, os acontecimentos, que se precipitam num ritmo rápido de ação, são traduzidos por uma seqüência de planos curtos (ritmo nervoso, dinâmico, violento, trágico, etc), enquanto que uma seqüência lenta, num filme psicológico é, ao contrário, representada por uma sucessão de planos longos que dão uma impressão de languidez, de tédio (vide A Noite, de Antonioni), de ociosidade, de tristeza, de monotonia, de sensualidade, etc. Planos cada vez mais curtos traduzem, em princípio, um aumento da intensidade dramática em direção ao nó ou a reviravolta da ação. Os planos cada vez mais longos provocam, normalmente, a impressão inversa: volta à calma, relaxamento progressivo, abrandamento da angústia, etc. Finalmente, uma seqüência de planos breves e longos numa ordem qualquer provoca um ritmo sem tonalidade dramática ou psicológica especial. É alternando as durações e variando com freqüência a extensão dos planos que o filme adquire diversidade e vida. A evolução recente de um certo cinema de autor, principalmente a partir dos anos 60, caracteriza-se pelo recurso sistemático do plano - seqüência, muitas vezes ligado à grande duração do filme, como podem ser exemplos, para ficar em apenas dois, Memórias de uma mulher de sucesso (Souvernirs d'en France), de André Téchiné, e Com o passar do tempo (Im lauf der zeit), de Wim Wenders. Essa evolução foi preparada pelas pesquisas de alguns mestres do underground, particularmente Andy Warhol e Michael Snow, que realizaram filmes extremamente longos (seis ou oito horas de duração, no caso de Warhol) e contendo, estes filmes, pouquíssimos planos (às vezes um só) e, sempre, fixos .
No próximo domingo, as outras categorias de montagem. A imagem ilustrativa é de A guerra acabou (La guerre est finie), de Alain Resnais, com Yves Montand, Ingrid Thulin, e, além de outros, numa ponta Michel Piccoli.
Um comentário:
La Guerra Civil Española de 1936- 1939 acabó
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